01/01/2014

ALFREDO LEITE

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Um ano novo

A entrada num novo ano comemora-se de muitas e bizarras formas por esse Mundo fora. São tradições que têm, quase sempre, um objetivo comum. O de formular os melhores desejos para os 12 meses que se aproximam, na tentativa de esquecer os que estão a terminar. Algo que os portugueses não desprezariam por muitas uvas-passas que comam à passagem das 12 badaladas. 
Na Argentina a tradição é outra. Acredita-se que usar lingerie nova e cor-de-rosa na passagem do ano dá sorte no amor. Na velha Itália o costume é idêntico, mas o mito do macho latino manda que se ofereça roupa interior vermelha às mulheres. Já no Brasil, país que em termos latinidade, chamemos-lhe assim, nada fica a dever aos transalpinos, usar branco por fora é condição. Para afugentar os maus espíritos. 

Nos nossos antípodas, o costume faria corar de vergonha uma manifestação de luso-indignados, uma vez que na Nova Zelândia se celebra cada ano a bater em panelas e frigideiras com mais ruído do que se estivéssemos na escadaria da Assembleia da República. Em França - o país outrora elegante que deu o nome ao "réveillon" - come-se simplesmente bem e bebe-se champanhe. Este ano talvez alguns franceses se lembrem da má sorte de terem um François Hollande a viver no Palácio do Eliseu. Sem o falido glamour gaulês, no Chile há quem coma uma colher de lentilhas esperando, dessa peculiar forma, que o novo ano possa trazer trabalho e dinheiro. São vícios que, de tão enraizados, se torna difícil abandonar. 

Há, no entanto, um lugar onde, em vez de se formularem desejos para o ano que vem, se assinala prudentemente o que passou. Acontece na remota aldeia de Portmagee, na Irlanda, mas não era mau que também fosse tradição entre nós. Pelo menos este ano. E a referência geográfica é obra do acaso, sem qualquer intenção assistencial.

Olhar para trás seria bom para não nos esquecermos do ano que agora termina e que marcará para sempre Portugal. Foi um ano irrevogável. E também aquele em que o desemprego cresceu de forma dramática. Um período marcado pelas machadadas na Função Pública e pelo êxodo migratório da nossa juventude mais qualificada.

Por muito que Pedro Passos Coelho chegue ao final de 2013 a lembrar que 2014 será um ano "cheio de desafios" em que "há muito para fazer", não devemos deixar de olhar para o rasto de desespero social que vivemos até agora. A euforia dos últimos dias, com o comércio a vangloriar-se pelo encaixe de vendas, e o final de dezembro a ser marcado por uma histérica corrida aos saldos não nos deve iludir. A crise ainda está aí para durar. Os mais céticos podem inspirar-se, de novo, na Irlanda e cumprir a tradição de mergulhar nus nas águas gélidas do Atlântico. Para nós até seria mais fácil. Enquanto os irlandeses precisam de despir a roupa toda, os portugueses só têm de tirar a tanga.
Um bom mergulho em 2014.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
30/12/13

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