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Esta história começa em 2008. Foi então que o Governo tomou a decisão de prolongar, por 27 anos e sem concurso, o contrato de concessão do Terminal de Contentores de Alcântara. A empresa beneficiada com esta decisão era a Mota-Engil. Na altura, o Decreto assinado por José Sócrates e Mário Lino causa furor mediático, enche páginas de jornais, ocupa minutos de telejornal e acaba arrasado pelo Tribunal de Contas.
O Parlamento, vigilante, exige a revogação da decisão. Mas a maioria absoluta é do PS e o negócio avança, pelo menos até ao segundo mandato de Sócrates. As eleições de 2009 mudam a geometria parlamentar. A maioria do PS é agora relativa e a oposição junta-se numa “coligação negativa” (já então assim se apelidava uma conjugação de votos que evitava um mau negócio) para reverter a famigerada lei.
Nestes debates, o PSD é implacável. Como é possível avançar depois de o Tribunal de Contas sentenciar que as concessões portuárias superiores a 30 anos são contrárias ao interesse público? A pergunta é do deputado laranja Luís Rodrigues, que deixa ainda uma acusação: para ultrapassar o concurso obrigatório, o Governo de Sócrates fez uma lei à medida. À medida dos interesses da Mota-Engil, acrescento eu.
Saltamos agora até novembro de 2024. Mais de uma década e meia depois, é pela mão do atual Governo que surge o prolongamento do prazo legal das concessões dos portos de 30 para 75 anos. Como se não fosse suficiente, uma alínea na lei prevê ainda a extensão dos atuais contratos pelo mesmo prazo - sem concurso, sem concorrência. Desta vez, a lei assinada por Montenegro e Pinto Luz passa completamente despercebida e merece apenas um aviso enigmático na respetiva nota de promulgação. Neste aviso, o Presidente da República diz esperar que o decreto “não seja uma solução paliativa ou de mera compensação de anteriores situações assimétricas”. O que significa?
Quando um contrato de concessão desprotege o Estado, este pode ver-se na situação de ter ainda que reembolsar a empresa concessionária no fim do prazo acordado. Para não assumir esse custo, o governo pode ter a tentação de compensar a empresa prolongando a concessão, ou seja, mantendo em vigor um contrato desequilibrado.
Todos sabemos o que significa o sorriso de José Luís Arnaut, ex-ministro do PSD e atual presidente da ANA, ao entregar o relatório sobre a construção do novo aeroporto de Lisboa a Pinto Luz, atual ministro do PSD
Vale a pena dizer que se contam pelos dedos de uma mão as empresas que concentram a gestão dos principais portos portugueses. A primeira é a Yilport, um grupo turco que já mostrou ter pouco respeito pela lei nacional. Juntam-se-lhe a ETE e o Grupo Sousa, parceiro de negócios do PSD Madeira. Mas podia ser a Mota-Engil. Para a prorrogação destes contratos, sem transparência e sem concurso, valem tanto as justificações de Montenegro-Pinto Luz hoje como valiam as razões de Sócrates-Lino em 2008. O único mistério por desvendar é a razão pela qual mudou o PSD tão radicalmente de posição.
Uma coisa ficamos a saber esta semana: estas não são as únicas concessões que o Governo pretende prolongar sem concurso. Todos sabemos o que significa o sorriso de José Luís Arnaut, ex-ministro do PSD e atual presidente da ANA, ao entregar o relatório sobre a construção do novo aeroporto de Lisboa a Pinto Luz, atual ministro do PSD.
Enquanto o Governo brinca às concessões, por todo o país prosseguem, silenciosos, milhares de despedimentos coletivos nos setores têxtil e automóvel. Hayek os livre do planeamento económico estratégico que oriente o emprego e a transição energética. Em Portugal, o centrão não planeia a economia. Só planeia os negócios dos donos da economia.
* Deputada à A.R.- Coordenadora do Bloco de Esquerda.
IN "EXPRESSO" - 19/12/24