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A comunicação que vive do
ruído: De Toscani ao Chega
A máxima publicitária “não interessa que falem bem ou mal de mim, o
importante é que falem” ganhou notoriedade com Oliviero Toscani, o
criativo que revolucionou as campanhas da Benetton nos anos 80 e 90. A
sua abordagem rompia deliberadamente com os padrões então vigentes,
substituindo personalidades conhecidas ou modelos vistosos por imagens
cruas, mas impactantes: doentes com SIDA, condenados no corredor da
morte, recém-nascidos ainda ligados ao cordão umbilical. As vantagens
desta estratégia são evidentes. Num mundo saturado de mensagens, captar a
atenção é uma arte.
Claro que uma estratégia destas não está
isenta de inconvenientes. O choque como instrumento comunicacional tende
a desgastar-se e, com o tempo, gera saturação. A linha entre provocar
reflexão e explorar sofrimento é ténue e Toscani foi muitas vezes
acusado de instrumentalizar tragédias para daí obter dividendos
comerciais.
Curiosamente, a utilização da polémica como motor de
visibilidade está muito associada a dinâmicas contemporâneas da
comunicação política. Foquemo-nos em Portugal. Sabe-se que o Chega adota
uma postura que privilegia o elevado impacto na opinião pública. Em vez
de evitar confrontos, parece procurá-los como forma de reforçar a
presença no palco mediático e mobilizar eleitores desiludidos que
rejeitam o wokismo e o politicamente correto.
Veja-se o caso da recente campanha “Isto não é o Bangladesh” e “Os ciganos têm de
cumprir a lei”. Qualquer espírito são e desapaixonado dirá que frases
como estas são autênticos disparates. Foi, aliás, o que fizeram inúmeros
analistas competentes, sérios e respeitados: explicar racionalmente o
óbvio, expondo as contradições da campanha.
Só que o objetivo de André Ventura não é ter razão, mas sim criar buzz,
nem que para isso seja necessário apelar ao disparate indutor das
paixões mais primárias. E aí ganha em toda a linha: quantos mais
analistas competentes, sérios e respeitados criticam a campanha, mais o
Chega ganha em presença mediática.
Do ponto de vista
comunicacional, só falta que um tribunal qualquer mande retirar os
cartazes. Nesse caso, Ventura, revelando a falsa indignação em que é
mestre, irá regozijar-se por duas ou três semanas de polémica com o
Chega no topo do espaço mediático.
Agora vêm as presidenciais e the show must go on.
O candidato da extrema-direita, apesar de não desejar ser Presidente da
República, continuará igual a si mesmo: agressivo, polémico, teatral;
os outros candidatos e a generalidade dos analistas gastarão tempo,
palavras e neurónios a rebater as suas inverdades e despropósitos; e no
final Ventura irá gabar-se de que foi o candidato que atraiu mais
audiências nos debates e mais a atenção dos comentadores.
* Presidente da Ordem dos Economistas
IN "DINHEIRO VIVO" - 22/11/25.