09/05/2010

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AS FAIXAS DE CAMPEÃO


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PEDRO IVO CARVALHO






A realidade do país e a ficção dos deputados

1- Saúda-se o ímpeto governamental que se rege pelo respeito à poupança, saúda-se a vontade determinada dos nossos líderes em querer racionalizar os recursos, em transformar o erário público num bem cada vez mais precioso. Em suma: temos de poupar. E perante isto não podemos dizer outra coisa que não seja: então, poupemos.
Os economistas mais avisados - e, por tradição, os que passam mais tempo a dar aulas na universidade e a consultar bibliografia de prémios Nobel do que a olhar nos olhos daqueles que ficam sem emprego todos os dias - apregoam a necessidade de haver um plano estratégico de longo termo, que não oscile em função dos amuos e excitações dos mercados bolsistas. E insistem: temos de poupar. Mas temos, sobretudo, de crescer, de fomentar trabalho.
Foi por isso que o Governo decidiu atacar o subsídio de desemprego. Para criar emprego. Confuso? Explica-se assim: ao apertar as regras segundo as quais um desempregado não pode recusar uma oferta de trabalho, coloca-se o beneficiário numa posição tal que a única alternativa é mesmo a de fazer-se à vida. O sacrifício colectivo, de acordo com a ministra do Trabalho, Helena André, vale realmente a pena, mesmo que os milhares que honestamente procuram um trabalho e não rejubilam com a possibilidade de passar o dia no cinema ou numa esplanada possam perder entre 30 e 50 euros por mês. Mas o Governo não quer poupar à custa dos desempregados, tenta convencer-nos a ministra. Até porque os 40 milhões de euros que espera alcançar-se com esta medida de longo termo não farão com que deixemos de andar a chupar a carninha junto aos ossos.
O subsídio de desemprego deve, na verdade, ser dado a quem precisa. E quem precisa não pode dar-se ao luxo de ficar em casa à espera que o futuro lhe caia no colo. De acordo.
Mas não deixa de ser questionável que, ao invés de reforçar os meios de fiscalização e criar incentivos que façam o desempregado querer regressar ao mercado de trabalho, a estratégia de longo termo do Governo seja cortar a direito numa salvaguarda básica para a qual todos contribuímos com os nossos impostos. Os mercados internacionais agradecem a mensagem: além de tesos, somos calaceiros.
2. Aconselho o caro leitor a fazer um exercício: tente arranjar um tempinho para, numa tarde destas, acompanhar, pela televisão, uma sessão da Comissão Parlamentar ao caso PT/TVI. Mas faça-o com uma abertura de espírito tal que lhe permita ficar sentado pelo menos uma meia hora. E não se deixe influenciar pelos resumos noticiosos a que assistiu minutos antes, enfadonhos, a crise para aqui, a crise para ali, mais uma fábrica a fechar, os juros a subir. Não se prenda com detalhes.
Encoste-se bem no sofá e assista a como os deputados de um país a arfar de angústia passam horas a fio a aprender como se fazem transacções, a perguntar a este se falou com aquele, a aqueloutro se conhecia este, a indagar com todos, afinal, se tiveram conhecimento do negócio e quando, na expectativa de que, numa tarde destas, alguém escorregue na banana e eles exultem com uma vírgula fora do sítio, uma incongruência geográfica ou temporal.
Se aguentar meia hora, vai ver como os deputados do Parlamento português vivem numa espécie de realidade virtual, que ainda não perceberam que o país que os escolheu tem mais com que se preocupar e que já não tem paciência para investimentos públicos de retorno democrático duvidoso. É nessa altura que deve procurar o comando do televisor.
in "JORNAL DE NOTICIAS"
06/05/10

TAMBORES SUIÇOS

PORQUE OS HOMENS NÃO FALAM ÀS MULHERES

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CONFISSÃO

TEM QUE FALAR EXPLICADINHO!


No confessionário:


- Meu filho, quais são os seus pecados?
- Padre, eu comunguei há três anos.
- Ok, meu filho, e quais são seus pecados?
- Eu comunguei há três anos.
- Está bem meu filho, eu sei que você comungou há três anos.

Isso não é pecado! Conte-me seus verdadeiros pecados....
- Padre, estou lhe dizendo:
EU - COMO - UM - GAY - HÁ - TRÊS - ANOS.

METAMORFOSES I - VICTOR MOLEV

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FRANCISCO CRAVEIRO LOPES

Francisco Craveiro Lopes
Francisco  Craveiro Lopes
Presidente de Portugal Flag of Portugal.svg Mandato: 21 de Julho de 1951 até
9 de Agosto de 1958 Precedido por: Óscar Carmona Sucedido por: Américo Tomás

Nascimento: 12 de Abril de 1894
Lisboa, Portugal Falecimento: 2 de Setembro de 1964 (70 anos)
Lisboa, Portugal Primeira-dama: Berta da Costa Ribeiro Arthur Partido: União Nacional Profissão: Militar Wp ppo.png

Francisco Higino Craveiro Lopes (Lisboa, 12 de Abril de 1894Lisboa, 2 de Setembro de 1964) foi um político e militar português, tendo sido o décimo terceiro presidente da República Portuguesa (terceiro do Estado Novo), entre 1951 e 1958.

Era filho de João Carlos Craveiro Lopes, general do exército português e governador-geral da Índia Portuguesa, e de Júlia Clotilde Salinas Cristiano.

Frequentou e concluiu o Colégio Militar a 23 de Julho de 1911, após o que ingressou na Escola Politécnica de Lisboa.

Alistou-se como voluntário no Regimento de Cavalaria 2, também em 1911.

Como primeiro sargento-cadete tira o curso de Cavalaria na antiga Escola do Exército, ingressando posteriormente na Aeronáutica Militar.

Em 1915 é mobilizado para a fronteira Norte de Moçambique, onde em Novembro de 1916, defrontando tropas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial, se destingue com bravura na defesa do forte de Newala e combates de Kiwambo:

Recebe por estas acções em 1917, aos 23 anos, a Cruz de Guerra e é feito Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada. Segundo reza o louvor: «Em Newala mostrou grande valor militar e coragem fazendo fogo com uma metralhadora do fortim, serviço que não lhe competia, expondo-se e arriscando a sua vida, porque o inimigo não poupava a sua posição...»

Casou em 1917 com Berta da Costa Ribeiro Arthur de quem teve 4 filhos: João Carlos Craveiro Lopes, coronel de cavalaria; Nuno Craveiro Lopes, alferes miliciano piloto aviador, e arquitecto; Maria João Craveiro Lopes; Manuel Craveiro Lopes, tenente-coronel da Força Aérea, e comandante de aviação comercial.

Tira em 1918 o curso de piloto militar, na Escola de Aviação francesa, em Chatres, sendo na altura promovido a tenente.

Dirige-se de novo a Moçambique em 1918.

Em Março de 1922, exerce as funções de instrutor de pilotagem, como capitão piloto aviador.

Em 1925 sofre um desastre tripulando um avião Fairey, ficando ferido. Em 1926, colocado na Aeronáutica Militar, é nomeado director da Divisão de Instrução da Escola Militar, cargo que exerce até 1929, voltando a exercer a mesma função em 1932, e também em 1939, por curtos períodos.

Faz o levantamento aéreo de Goa, Damão e Diu (1929) e ainda o 1.º voo de Correio aéreo Goa-Bombaim-Goa num avião monomotor De Havilland DH-80A "Puss Moth" (em 1930).

Nesse mesmo ano, como major, exerce as funções de chefe da Repartição do Gabinete do governador-geral da Índia.

De 1933 a 1934 ocupa a chefia do Gabinete do governador-geral da Índia, cargo que volta a exercer alguns meses em finais de 1936. É, em 1934, governador interino do distrito de Damão, cargo mais tarde confirmado com as atribuições de intendente, sendo mesmo encarregado do Governo-Geral da Índia em 1936, a título interino, cargo que desempenha até 1938.

Em 1939, como tenente-coronel, comanda a Base Aérea de Tancos.

Comandante-geral da Aeronáutica em 1941, negocia as condições de utilização da Base Aérea dos Açores pelos Estados Unidos, após o que é designado comandante da Base Aérea dos Açores.

Em 1943, tira o curso de Altos Comandos e é chamado para o Instituto de Altos Estudos Militares com funções docentes.

De 1944 a 1950, exerce as funções de comandante-geral da Legião Portuguesa.

De 1945 a 1949 é eleito, pelo distrito de Coimbra, representante na Assembleia Nacional, cargo que acumula com o de comandante da Base Aérea da Terceira.

Em 1945 é promovido a brigadeiro e em 1949 a general.

Em 1951 é nomeado comandante da terceira Região Militar, cargo que acumula com as funções docentes no Instituto de Altos Estudos Militares.

Nesse mesmo ano, pouco após a morte de Carmona, é indigitado pela União Nacional como candidato às eleições presidenciais, sendo eleito a a 21 de Julho de 1951. (interinamente, a presidência da república foi assumida por Salazar).

Apesar de ter sido julgado um candidato capaz de suscitar consensos, cedo viria a revelar a sua frieza nas relações com o Presidente do Conselho e a demonstrar até, uma certa simpatia pelos oposicionistas. Por isso mesmo, não foi proposto para um segundo mandato presidencial.

Depois de retirado da política activa, foi feito Marechal da Força Aérea; ao mesmo tempo, manteve sempre os contactos com os líderes da Oposição, e esteve associado ao golpe de Botelho Moniz, em Abril de 1961.

Veio a falecer em Agosto de 1964, aos 70 anos, durante a noite, em situação pouco clara (enfarte de miocárdio?).


Integridade moral

Sobre o seu carácter recto e integridade moral, é conhecido que todas as ofertas de estado e presentes pessoais que lhe ofereceram, foram doados a instituições e obras de caridade. Apenas guardou para sí algumas das medalhas e ofertas de menor valor.

Conta-se que seu filho, Nuno Craveiro Lopes com sua mulher, então grávida, se encontravam entre os passageiros do comboio da linha do Estoril que descarrilou devido à derrocada da barreira junto ao farol de Caxias, em 1952. Embora não tenham ficado feridos, no meio da confusão entre mortos e feridos a esposa terá se sentido mal. Não sendo possível arranjar transporte no local, o filho telefonou ao Presidente, no sentido de lhe enviar um carro da Presidência para os levar a casa. Francisco Higino, depois de se certificar de que se encontravam bem, retorquiu que não podia dar ordem para enviarem o carro pois estes eram exclusivamente para serviço oficial; que procurassem um taxi para o efeito. E seu filho assim fez: foram andando a pé em direcção a Lisboa e um pouco adiante conseguiram apanhar um taxi.

Como norma, nas viagens e visitas, não eram oferecidos objetos de valor, conforme o desejo do Presidente que era transmitido préviamente às entidades pelos elementos do protocolo. Apenas aceitava flores, medalhas comemorativas e diplomas honoríficos. Livros, só oferecidos pelos autores. Isto devia-se ao facto de que durante a inauguração das Feiras do Livro, era usual nos governos anteriores enviar uma camioneta que os livreiros faziam carregar com livros, facto que o Presidente achava despropositado. Do mesmo modo, nas visitas ao Ultramar, fez saber que não aceitava diamantes, metais de valor, peles, marfim, e coisas semelhantes. Até um boi que lhe foi oferecido pelo Rei do Congo, que não podia recusar por motivos de protocolo, foi abatido e comido pelo seu povo, com grande satisfação.

O Generalíssimo Franco ofereceu em Maio de 1953, quando este visitou oficialmente a Espanha, um automóvel Pegaso, na altura, um topo de gama desportivo, orgulho da indústria automóvel espanhola. Porque o General Craveiro Lopes, homem de grande honestidade e escrúpulo, não desejava conservar presentes recebidos durante o seu mandato de imediato o registou, em 5 de Abril de 1954, em nome do Estado Português, Presidência da República. Foi poucas vezes utilizado pelo General Craveiro Lopes mas o seu filho, Capitão Aviador João Carlos Craveiro Lopes, rodou alguns milhares de quilómetros até que em 1958, quando o Almirante Américo Tomás foi eleito Presidente da República, o Pegaso ficou imobilizado no Palácio de Belém. Mais tarde foi transferido para um armazém do Ministério das Finanças, em Xabregas, onde veio a sofrer graves danos com as inundações que assolaram Lisboa, em Novembro de 1967. Acabou por ser recuperado nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico de Alverca, obtendo-se um perfeito restauro na forma original. Encontra-se actualmente exposto no Museu do Automóvel do Caramulo em Portugal.

No fim do mandato de Presidente da República, o Governo de Salazar tentou "amenizar" a desfaçatez de não ter proposto o General Craveiro Lopes a um novo mandato com a sua promoção a Marechal, incluindo também a atribuição de uma casa para sua residência, e um automóvel do Estado, para seu uso pessoal. O ainda Presidente Craveiro Lopes, fez constar que não aceitaria qualquer benefício ou privilégio de parte do Governo, que não estivesse do antecedente, já publicado em lei. No respeitante a uma eventual promoção a Marechal, só a aceitaria se ela fosse da iniciativa das Forças Armadas e não do Governo. Entretanto, o General Botelho Moniz, indigitado novo Ministro de Defesa incitou o Presidente a aceitar a promoção nas condições que pretendia, pois assim não passaria à situação de reforma, continuando no activo, o que designou como "reserva de Nação". E foi assim que num dia do mês de Fevereiro de 1959, uma representação de Oficiais Generais foi recebida, pelo então ex-presidente, na casa alugada para sí por seus filhos, sita na Rua Sinel de Cordes, num 1º andar em Lisboa, onde o foram cumprimentar e transmitir a sua promoção a Marechal. Do mesmo modo a viatura que passou a dirigir, um modesto Ford Perfect, foi-lhe também oferecido por seus filhos.

O bastão e estrelas de Marechal da Força Aérea, para vergonha do governo de Salazar, foi-lhe oferecido em 1958, por subscrição pública da população de Moçambique que nutria por si um carinho e admiração especial, principalmente pelas posições que defendia, contrárias às políticas coloniais de Salazar. A iniciativa foi do Diário de Notícias de Lourenço Marques e foi um êxito, tendo-se recolhido uma pequena fortuna. Por seu desejo expresso, após a sua morte, foram oferecidos à população de Moçambique, ficando depositado no Museu Militar da Fortaleza de Lourenço Marques

TESTEMUNHOS
Anónimo

«Em Março de 1915 dá-se a declaração de guerra entre a Alemanha e Portugal. Receando-se um ataque a Moçambique vindo da colónia alemã do Tanganica (Malawi), organiza-se uma expedição a Moçambique sob o comando do coronel Moura Mendes. Dessa expedição faz parte o Aspirante de Cavalaria Craveiro Lopes. À chegada a Lourenço Marques, este recebe um estandarte bordado pelas senhoras, para o conduzir como porta estandarte da expedição. O comando, (4º Esquadrão do Regimento de Cavalaria 3 - Dragões de Olivença, com 9 Oficiais e 101 Praças) recebe ordem para tomar Kionga, uma pequena faixa de território junto á Baia do mesmo nome a sul do rio Rovuma, que tinha sido ocupada à força pelos alemães em 1894. A acção é executada com sucesso sem encontrar resistência, por retirada do inimigo. Estabeleceram-se então vários postos de observação ao longo do rio Rovuma, a partir dos quais se faziam reconhecimentos em território inimigo. Nestes reconhecimentos tornou-se notável a acção do então Alferes Craveiro Lopes, que por várias vezes entrou em contacto com o inimigo, sustentando vivo combate com intrepidez digna de louvor. De seguida a marinha tentou uma travessia do rio para ocupar a margem alemã, mas apesar da bravura nos combates, teve que retirar. Foi então decidido pelo comando da metrópole enviar outro contigente e organizar uma travessia e ocupação da margem alemã em maior escala, o que se veio a verificar com sucesso, tendo também o Alferes Craveiro Lopes tomado parte na operação. Após a ocupação da margem norte do Rovuma, organizou-se uma coluna militar para marchar á conquista da fortificação de Newala, que é tomada; Dessa coluna faz parte o Alferes Craveiro Lopes, que segue depois no destacamento comandado pelo Major Leopoldo da Silva que persegue os alemães em debandada. Craveiro Lopes comanda o serviço de reconhecimento e observação e mais uma vez é ele que primeiro troca tiroteio com o inimigo, e fá-lo de tal forma que mereceu os maiores louvores. Infelizmente o comandante do destacamento é morto por fogo inimigo e as forças tiveram que voltar para Newala, sob o comando firme e sereno do Alferes Craveiro Lopes. No entanto a forma deficiente como foram organizadas as expedições pelos comandos na Metrópole, nomeadamente a falta de rendição das tropas doentes, as faltas de abastecimentos e medicamentos, e os transportes para suprir as necessidades das tropas, tornaram inútil ou quase inútil todo o esforço desprendido nestas gloriosas acções: Newala foi cercada de novo pelos alemães e as tropas Portuguesas tiveram que retirar por falta de efectivos, falta de munições, falta de mantimentos e devido ás doenças que grassavam entre os sobreviventes
  • Dele escreveu Manuel Homem de Mello:
«Craveiro Lopes foi um homem em cuja família se respirou sempre os ares militares. Uma tradição mantida desde o século XIX. O bisavô e o avô tinham sido ilustres militares. Seu pai também o foi.
Com uma família de militares, era natural que Francisco Higino Craveiro Lopes seguisse também a carreira das armas.
O nome de Craveiro Lopes como um homem a ser indigitado para a Presidência da República surge por um mero acaso. Procurava-se um sucessor para o marechal Carmona, num momento político de melindre. Os militares estavam inquietos e a oposição também. Já se punha com alguma frequência a substituição de Salazar.
Craveiro Lopes era, na altura, um ilustre desconhecido com uma folha de serviço exemplar, de grande integridade pessoal, leal e isento de manipulação política. Visto pela óptica do regime, Craveiro Lopes, talvez fosse o homem ideal para reunir em torno da sua figura o consenso das oposições.
Candidato proposto pela União Nacional, acabou por ser o único candidato à Presidência, já que Ruy Luís Gomes seria rejeitado e Quintão Meireles desistiu antes das eleições.
A 21 de Julho, ao ser eleito nada fazia prever que esta Presidência acabasse por ser problemática, um verdadeiro estorvo, para o regime. Os problemas surgiram desde o início.
Entre Craveiro Lopes e o presidente do Conselho as relações foram sempre frias e formais. O feitio das duas personalidades nunca poderia produzir relações amistosas. Poderia, no entanto, ter havido alguma empatia o que nunca se verificou.
Craveiro Lopes com o decorrer dos anos vai-se sentindo cada vez mais humilhado e vexado. Os discursos eram modificados, os projectos recusados ou protelados, as convocações da Presidência ao Governo ignoradas.
Era uma personalidade que não estava habituada a ser apenas um elemento decorativo, a desempenhar um papel passivo, sem uma actuação directa e visível. Como militar fora habituado a agir.
Marcelo Caetano na sua obra Minhas Memórias de Salazar ao analisar a personalidade do Presidente refere que este não tinha sido talhado para aquele tipo de funções. Funções de um moderador, sem iniciativa, sem papel governativo. Um mero símbolo da unidade nacional e de guardião das instituições.
A oposição, por seu lado, foi-se acercando do Presidente.
Com Craveiro Lopes foi nascendo a esperança de mudança.
Por meio de cartas, pedidos de reuniões, audiências davam-lhe conta do que se passava no País. Veiculavam a questão da censura, da falta de liberdade de reunião, da questão do sufrágio, etc.
Do outro lado, o regime não pretendeu nunca um Presidente que quisesse exercer actividade governativa, ou que quisesse ter um papel activo. A situação foi-se tornando demasiado perigosa. Era necessário dar-lhe uma solução, antes que estivesse fora de controlo. Assim, o regime foi passando, a pouco e pouco, uma imagem negativa da personalidade de Craveiro Lopes, de forma a que pudesse ter justificação a sua substituição, em altura propícia.
Foi dando uma imagem do Presidente de inflexibilidade, de rigidez, de inacessibilidade. Acabou por ser conectado com a oposição ao regime, um homem disposto a substituir Salazar. Para passar esta última ideia Mário de Figueiredo foi o homem ideal ao fazer circular uma conversa, dita particular, que Craveiro Lopes teria tido com ele.
O ano de 1958 chegou. As eleições presidenciais também, tal como previsto pela Constituição.
Craveiro Lopes ambicionava um segundo mandato e Humberto Delgado afirmaria mesmo que não concorreria se o Presidente o fizesse.
A União Nacional, no entanto, escolheu Américo Tomás. Craveiro Lopes é afastado.
Recebe a distinção do macharelato ainda em 1958. Uma forma de compensação? Talvez! Ou uma forma de exigir lealdade? De qualquer forma era distinção atribuída aos Presidentes da República. No entanto, o seu envolvimento na tentativa de golpe militar de 13 de Abril de 1961 juntamente com Botelho Moniz e apoio dos EUA que estavam interessados na mudança de orientação da política Portuguesa nas colónias, é a manifestação concreta do seu inconformismo
«Um marechal na Conspiração - Apesar do verdadeiro "fascínio intelectual" que segundo os que o conheceram de perto, a personalidade de Salazar exercia sobre Craveiro Lopes, este jamais lhe perdoará a "traição" das presidenciais de 1958 em que lhe afirmou que o apoiaria e por trás manobrou para que fosse escolhido Américo Tomáz. Acha mesmo que o choque sofrido por D. Berta, sua esposa, poderá ter apressado a doença cardíaca que a leva à morte fulminante em Julho daquele ano, pouco tempo antes de abandonar as funções. E tudo isso, o leva a rever a sua ligação ao regime, a convencer-se do impasse do Salazarismo e a distanciar-se progressivamente da situação, após abandonar a presidência, durante a qual, por integridade pessoal, se tinha recusado a qualquer gesto de deslealdade.
Assim, Craveiro Lopes aproxima-se com outra intimidade dos movimentos reformistas, sempre sob a observação atenta da PIDE que nunca mais deixará de lhe seguir os passos e devassar a sua privacidade.
À espera do desenlace adiado das eleições de 1958, todas as correntes reformistas o encaram como "uma reserva e uma esperança da Nação". Na realidade Craveiro Lopes começa a aproximar-se de formas mais substanciais de conspiração. Provavelmente já teria tido algum contacto com a gorada "revolta da Sé", pois os oficiais que a promoveram, encabeçados pelo capitão Almeida Santos, estão perto da sua casa militar e são amigos de seu filho e ajudante-de-campo, major João Craveiro Lopes. Não admira por isso, que relativamente à "abrilada" de Botelho Moniz em 1961, o seu compromisso tenha sido total. Parece ter havido intenção por parte dos conspiradores de colocar Craveiro Lopes na chefia do Estado e Caetano à frente do Governo, apesar deste se ter distanciado sempre do "golpe". Ao contrário de Caetano que nunca aparece, Craveiro Lopes arrisca tudo. Enverga a farda de gala e vai para a Cova da Moura onde, na tarde do dia 13 de Abril, se reúne o comando do movimento para decidir do arranque militar.
É sabido como a conspiração terminou, pelas 5 horas da tarde, com os comandantes militares, na Cova da Moura, na presença do marechal Craveiro Lopes, já demitidos horas antes pela antecipação de Salazar, depois de um penoso processo de ameaças e hesitações arrastado pelos chefes militares desde os últimos dias de Março. Ou se ia para a desobediência e o afrontamento militar, ou se desistia. Os conjurados desistiram, insensíveis aos apelos de Craveiro Lopes. Apesar de os conspiradores terem tido as condições ideais para agir, tanto internamente como externamente, pois haveria inclusivamente um apoio disfarçado dos E.U.A., não há dúvida que a conspiração falhou pela inépcia, pela hesitação e pela cobardia política dos chefes militares golpistas, nos quais prevaleceu o espírito castrense da disciplina e o temor reverencial pelo poder instituído.
Profundamente desiludido com este novo desaire, Craveiro Lopes, a quem o regime não ousou tocar, retira-se praticamente da vida política.
Em finais de 1962 aceita ainda prefaciar um opúsculo de Homem de Mello, defendendo a necessidade de uma discussão nacional livre e aberta a todas as correntes da opinião Portuguesa, sobre a gravidade dos problemas que o País atravessa, nomeadamente sobre a questão da política colonial do regime, da qual sempre se tinha demarcado, propondo uma solução federalista. O livro foi apreendido durante algum tempo pela PIDE e o seu autor interrogado.
Depois foi o silêncio
«"Depois de deixar o Palácio de Belém, Craveiro Lopes demarca-se do regime que, além de o silenciar, o chantageia por causa do seu envolvimento com uma mulher casada e 26 anos mais nova. A PIDE investiga o caso com base em escutas telefónicas e fotografias de Rosa Casaco. Cartas anónimas ameaçam tornar pública a história. Sujeito a uma forte tensão, o ex-Presidente acaba por morrer com um ataque cardíaco.
São tranquilos, quase apagados, os sete anos do mandato presidencial do general Craveiro Lopes. No final, porém, o Presidente surpreende todos ao entrar em ruptura afectiva e política com Salazar. Ao deixar o Palácio de Belém, e apesar da promoção a marechal, passa a ser alvo de atenta vigilância por parte da PIDE e da Legião Portuguesa. Crescentemente crítico de vectores estruturantes da ditadura, participa na malograda tentativa de golpe de estado de Botelho Moniz, em Abril de 1961. No ano seguinte prefacia um controverso livro de Manuel José Homem de Mello, para, em 1963, em entrevista ao "Diário de Lisboa", reclamar abertamente o fim da censura e pôr em causa a política ultramarina. O Estado Novo não tem estofo suficiente para suportar um dissidente com o perfil, a dimensão e o prestígio do ex-Presidente. Sem olhar a meios para atingir os seus fins, a ditadura decide recorrer à chantagem mais baixa e soez para o silenciar. Menos de um ano depois, fortemente pressionado e incomodado, o marechal é acometido por um ataque cardíaco. Claramente fragilizado, não resiste e morre.
Liberto do sagrado dever de lealdade para com Salazar, que se impusera a si mesmo durante os sete anos de chefia do Estado, Craveiro Lopes estreita relações com sectores militares mais descontentes com o curso do regime. A ponto de se comprometer na tentativa de golpe de estado de Abril de 1961, liderada pelo ministro da Defesa. A ligação ao general Botelho Moniz é assegurada pelo ajudante-de-campo e pelo conselheiro: João Craveiro Lopes mantém-se em contacto com o homólogo do ministro, o capitão Bernardo Sá Nogueira; Homem de Mello, por seu turno, relaciona-se com Manuel Cotta Dias, genro do general (e futuro ministro das Finanças de Caetano).
Homem de Mello presenciou o encontro em que os dois oficiais-generais selaram o seu compromisso. "Foi num jantar em casa do ministro, na Damaia, nos primeiros dias de 1961. Fui eu e a minha mulher que transportámos o marechal, no nosso carro", conta. "Findo o jantar, foram os dois para a biblioteca, onde estiveram longamente, sozinhos". Muito provavelmente, foi nesse encontro que ficou assente que, em caso de tomada do poder, Craveiro reassumiria a Presidência; a chefia do Governo seria entregue a Botelho Moniz, que o cederia pouco depois a Caetano. Este cenário é confirmado por outro dos golpistas, Francisco da Costa Gomes, à data subsecretário de Estado do Exército. "Creio que o próprio Botelho Moniz achava que a pessoa indicada para primeiro-ministro era Marcello Caetano. Quanto ao Craveiro Lopes voltaria a ser Presidente", afiança o marechal Costa Gomes; "tínhamos toda a confiança na sua idoneidade moral e patriótica".
São conhecidos os pormenores da intentona e as razões que ditaram o seu fracasso. Planeada para 13 de Abril de 1961, os líderes golpistas reúnem-se, ao princípio da tarde, no EMFGA, no Palácio da Cova da Moura: Botelho Moniz, Costa Gomes, o ministro do Exército, coronel Almeida Fernandes, e muitas outras chefias militares. Craveiro comparece à civil, levando consigo uma mala, onde transporta a farda de marechal e um revólver. Salazar antecipa-se e demite os revoltosos dos seus postos no Governo e nas Forças Armadas. Assume ele próprio a pasta da Defesa e, a meio da tarde, numa manobra política ardilosa, fala ao país na rádio e televisão sobre... Angola, onde a guerra rebentara há dois meses. É o famoso discurso em que anuncia a ida da tropa para Angola, "rapidamente e em força". E é com Angola que justifica a remodelação governamental e a alteração de várias chefias militares. Nos dias imediatos, inevitável, corre o boato (naturalmente captado pela PIDE) da prisão de Craveiro e de Botelho Moniz.
Entre os oficiais mobilizados para Angola conta-se João Craveiro Lopes. Para o substituir como ajudante-de-campo do marechal é nomeado, em Dezembro de 1961, o capitão de Cavalaria Luís Vicente da Silva. "O coronel Mário Cunha foi quem sugeriu o meu nome". Colocado no Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), era instrutor de equitação dos oficiais que frequentavam o curso do Estado-Maior. Vicente da Silva pouco tinha que fazer na qualidade de ajudante-de-campo. "Limitava-me a acompanhá-lo nos passeios a cavalo, normalmente à quinta-feira", quase sempre em Monsanto; "ele tinha um alazão grande e bonito, que estava guardado nas cavalariças do IAEM".
Ao iniciar as suas funções, o novo ajudante constata com estupefacção que é o próprio marechal quem se desloca ao Estado Maior da Força Aérea, na Avenida da Liberdade, para levantar o soldo - um pouco mais de onze mil escudos. "Apesar de ter sido Presidente, o vencimento não lhe era entregue em casa nem depositado directamente no banco", protesta Vicente da Silva. "Era um sargento quem lhe entregava o envelope, lá numa cave - nem sequer um oficial". A partir de então é Vicente da Silva quem, mensalmente, passa a receber o vencimento do velho militar.
Igualmente humilhante foi a visita que um dia recebeu de um fiscal, alegadamente para verificar se possuía aparelho de televisão em casa e, em caso afirmativo, se pagava a taxa devida à RTP. Vicente da Silva refere que o fiscal, sem o mínimo respeito pela figura do marechal e ex-Presidente, e pese embora a informação de que não tinha aparelho, "obrigou-o a abrir a porta e entrou pela casa dentro. Ele, que nunca teve televisor. Uma vergonha!"
Abortado o golpe de estado - que ficou conhecido como "Abrilada" -, Craveiro Lopes não se remete ao silêncio e à inacção. A Legião, sempre atenta, assinala a sua presença, em Outubro de 1961, numa reunião "com um grupo de oposicionistas em Sanfins, Valpaços".
No ano seguinte escreve o prefácio para um livro de Manuel José Homem de Mello, onde comete o supremo pecado de defender a discussão, livre e sem censura, da política ultramarina. O reaparecimento público é registado pela Legião e pela PIDE, que capta o fatal rumor de que "está na forja um valente golpe militar". A liderança seria de Craveiro, que contaria com o apoio norte-americano...
Em 1962 o marechal viaja até Angola, até casa do filho João, em Ambrizete, onde estava em comissão de serviço. No ano anterior, fora o filho Nuno, arquitecto, que acolhera a visita do pai, em Lourenço Marques. Para a longa e extenuante deslocação a Angola, nada mais natural que se faça acompanhar pelo ajudante-de-campo. As autoridades, porém, recusam-se a custear as despesas do capitão Vicente da Silva. Resultado: o ex-Presidente faz a viagem sozinho.
No início de 1963, o marechal tem uma complicação cardíaca cujos contornos exactos são impossíveis de definir. Por um lado, no Hospital Militar nada consta sobre o seu passado clínico; por outro, tudo indica que desapareceram os registos do consultório de Ricardo Horta, o médico particular (falecido em 1985). Vicente da Silva fala num enfarte. Os filhos dizem que não terá chegado a tanto, mas confirmam a ocorrência de um problema cardíaco, senão mesmo de dois. Vicente da Silva recorda-se perfeitamente. "Foi numa quinta-feira" - que era o dia em que costumava acompanhar o ex-Presidente no passeio semanal a cavalo, antes de almoçarem juntos em sua casa. "Tenho ideia que estava um tempo outonal", mas é incapaz de precisar a data. "Lembro-me que eu ia de blusão. Ele apareceu-me no Triumph de dois lugares, com a capota fechada". Excelente observador, há um pormenor que o agora coronel reformado não mais esqueceu: "Ele apareceu com a barba por fazer - foi a única vez que o vi sem ter feito a barba. 'Senti-me muito mal esta noite', queixou-se". Desnecessário é dizer que, nesse dia, não houve passeio a cavalo. O marechal foi visto pelo seu médico de sempre, Ricardo Horta, ele próprio cardiologista, com consultório no Chiado, no nº 74 da Rua Garrett, junto a uma das casas de chá mais distintas de Lisboa.
Durante uns dias toma um medicamento prescrito pelo médico. Para descansar e retemperar forças vai ter com o filho mais velho, colocado em S. Salvador do Congo, onde se cruza com o então tenente-coronel António de Spínola, seu adversário na "Abrilada". A estada no Norte de Angola prolonga-se por cerca de dois meses. Em carta enviada a Homem de Mello confirma a sua desilusão relativamente à política ultramarina, a carecer de reforma urgente: "Tudo continua a processar-se como nós pensamos".
Refeito do ataque cardíaco, o marechal regressa a Lisboa a 9 de Abril. Ostensivamente marginalizado pelo regime, é com justificada surpresa que recebe o convite para participar na cerimónia do 10 de Junho - uma homenagem aos heróis e às vítimas da guerra colonial, iniciada em Angola e entretanto alargada à Guiné. Foi a única cerimónia oficial para que foi convidado, desde que deixou a Presidência. "No meu tempo de ajudante-de-campo, nunca tal aconteceu", confirma João Craveiro Lopes. O seu sucessor, Vicente da Silva, garante: "Durante os três anos em que desempenhei essas funções, foi essa a única cerimónia. O Estado Maior da Força Aérea enviou-lhe uma viatura a casa, para o transportar. Lembro-me perfeitamente, porque foi também a única vez que tive que me fardar como ajudante-de-campo".
No final de Junho, decepcionada, a Legião detecta o seu retorno à conspiração: "Tem andado activo juntamente com o general Beleza Ferraz à procura de uma oportunidade para desferirem um golpe no regime de Salazar".
Dois meses depois, dá uma importante entrevista ao "Diário de Lisboa". A entrevista começa por ser interditada pela censura - e disso se queixa um jornalista do vespertino, Raúl Rego, em carta ao coronel Hélder Ribeiro (um dos mais destacados vultos da oposição republicana), interceptada pela PIDE. A entrevista acaba por ser autorizada e publicada na edição de 10 de Agosto, sob o título "Julgo que deveriam discutir-se livremente certos aspectos fundamentais da política geral, a evolução da vida económica e os problemas ultramarinos". Nas suas declarações, o marechal vai bastante mais longe que no prefácio ao livro de Homem de Mello. Defende "uma evolução gradual do regime", com "a abolição da censura" e o respeito pela "livre informação" - o que, na boca de um ex-Presidente, é um desafio e uma heresia. "Como complemento lógico", reclama "a liberdade de discussão e de expressão". No campo económico, critica a recente integração no espaço EFTA, "quando todos sabem que os principais interesses do nosso comércio externo se situam na zona do Mercado Comum". Quanto às colónias, o ex-Presidente, profundo conhecedor de Angola e Moçambique, sentencia: "Não soubemos aproveitar as oportunidades para estabelecer a evolução gradual que está na tradição da nossa administração ultramarina". E numa alusão à cegueira e à rigidez de Salazar, afirma que há que reconhecer "com coragem e com senso as realidades da hora presente, por mais duras e dolorosas que sejam". Uma crítica implícita mas inequívoca à guerra como solução para o problema africano.
A entrevista - a única que concedeu desde a saída de Belém - é uma demarcação pública e formal em relação à ditadura. Não admira, pois, o seu impacto internacional - nas chancelarias e na Imprensa. Sintomática é a notícia do "Jornal do Brasil", que titula na primeira página da edição de 12 de Agosto: "Craveiro pede mais liberdade em Portugal".
Ao tempo em que Craveiro Lopes faz as bombásticas declarações ao "Diário de Lisboa" já a PIDE investigava, afanosa e pérfida, uma informação que lhe chegara sobre um alegado romance do marechal. Tratar-se-ia de uma senhora casada, de ascendência espanhola, bastante mais nova, bela e distinta, Elizabeth Humanes Dias.
Viúvo vai para cinco anos, vivendo sozinho no seu apartamento na Rua Sinel de Cordes, apreciador da companhia feminina, ignora-se como é que Craveiro Lopes se travou de amores com Elizabeth - e muito menos quem os apresentou e onde se conheceram. Como se ignora quando e como é que a polícia política tomou conhecimento da paixão do ex-Presidente por Elizabeth. O que é indiscutível é que se inicia nessa altura um processo de autêntica "agressão moral" a Craveiro (como assinalam Alfredo Caldeira e Santos Carvalho, em A Tirania Portuguesa).
A primeira referência existente no Arquivo da PIDE/DGS data de 3 de Agosto de 1963, quando um inspector-adjunto da Secção Central manda averiguar a "identidade e modo de vida" de Carmen Garcia e Elizabeth Dias, aparentemente a residirem na Avenida da República, 44, 3º Dtº. Consciente do que está em causa, o responsável da polícia política sublinha que "dentro das possibilidades, estas averiguações devem ser efectuadas com discrição". A informação solicitada chega um mês e meio depois, a 17 de Setembro. "As duas senhoras citadas são sócias da casa Carmen Modas" - uma das mais distintas "boutiques" da alta sociedade lisboeta. As duas têm ascendência espanhola. Elizabeth é casada e vive na Rua Praia da Vitória; Carmen, por sua vez, é divorciada e habita na Rua Tomás Ribeiro. "Ambas as senhoras" - lê-se na informação, colhida por dois agentes da PIDE - "se deslocam frequentemente ao estrangeiro, a fim de, segundo consta, contactarem com os grandes centros da moda feminina".
A investigação policial sobre as duas mulheres prossegue. São solicitados dados à Divisão de Estrangeiros da própria PIDE, bem como à Direcção dos Serviços de Identificação. Abertas as inevitáveis fichas individuais, as informações recolhidas são guardadas no processo nº 490-CI(1), em nome de ambas. Ao processo é junto, em data desconhecida, uma fotografia (de estúdio) de Elizabeth, bem como o respectivo negativo.
Elizabeth e Carmen tornam-se familiares aos olhos e ouvidos dos agentes encarregados de vigiar o marechal. O nome de Carmen Garcia é mesmo referido numa das escutas telefónica, efectuada pela PIDE a 11 de Setembro. As duas mulheres são vistas com frequência a tomar chá com o ex-Presidente na pastelaria Versailles, um dos estabelecimentos mais "in" da capital, três quarteirões acima da Carmen Modas. Diz quem acompanhou o namoro que ao encontro de Craveiro e Elizabeth na Versailles comparecia sempre uma terceira pessoa - um "chaperon", como se dizia -, para não provocar suspeitas.
Apesar da suprema discrição de ambos, cedo o caso cai na coscuvilhice. Porteiras e vizinhos logo se põem a imaginar coisas. O mesmo sucede às clientes e empregadas da Carmen Modas e aos criados e frequentadores da Versailles, que não querem perder uma pitada que seja de uma história que se adivinha picante. O sussurro deixa de se cingir ao eixo "Carmen-Versailles", chega ao cabeleireiro Martins, na Duque d'Ávila, onde Elizabeth se arranja, e espalha-se à Lisboa alcoviteira e às redacções dos jornais. "Ouvia-se falar muito nisso", confirma o cabeleireiro Vítor Hugo. "É claro que não se falava directamente, porque neste meio social as coisas não se dizem, insinuam-se, ficam no ar". Vítor Hugo, um dos nomes sonantes do "métier", a trabalhar actualmente na Casa Ayer, prossegue: "A partir de certa altura já se falava tanto que eles acharam melhor encontrarem-se em locais públicos, para disfarçar. Mas sempre acompanhados por alguém".
Incapaz sequer de imaginar que a PIDE está a devassar miseravelmente a sua intimidade, Craveiro Lopes não altera o seu comportamento quotidiano. Em Outubro de 1963, a Legião verifica que se reúne "com frequência" numa propriedade de Homem de Mello - a quinta da Aguieira, em Águeda - com alegados "elementos oposicionistas de grande vulto". Dias antes, à respectiva ficha fora acrescentado mais um dado: "Consta que pensa ser Presidente do Concelho um dia que isto mude".
Com Humberto Delgado a sofrer a erosão do longínquo exílio e os militares da "Abrilada" punidos, desarticulados ou mobilizados para a guerra colonial, Craveiro Lopes passa a ser encarado pelo regime como um dos seus principais adversários. Tanto mais que possui a credibilidade de quem foi Presidente durante sete anos e o prestígio de ser o único marechal das Forças Armadas. Aos 69 anos é erigido pelos sectores mais retrógrados e rancorosos do salazarismo como um inimigo. E na mais implacável lógica da ditadura os inimigos são para combater - e, se necessário, abater...
É seguramente nesta altura que a PIDE é chamada a um patamar superior de actuação. Ignora-se o grau de envolvimento do ministro do Interior, Alfredo Santos Júnior - que tutelava a polícia política - e do próprio Salazar, com quem o novo director-geral da dita, major Silva Pais, despachava regularmente. No entanto, é pouco verosímil que o Presidente do Conselho não fosse ao menos informado de uma operação contra um antigo Presidente.
Certo é que o inspector Rosa Casaco é chamado a intervir. Fotógrafo de grande qualidade e com acesso directo ao ditador, polícia implacável e habituado a missões de elevado melindre, é encarregado de obter um flagrante. "Fui fotografar o Craveiro de longe, quando ia para um encontro com uma amante. Fiz a foto dele a entrar em casa - só isso". O polícia-fotógrafo não se lembra de quem partiu a ordem, mas admite que tenha sido de Pereira de Carvalho, o número três da PIDE, encarregado das operações especiais. "O Pereira de Carvalho é que tratava da vigilância ao Craveiro", explica o inspector que, em Fevereiro de 1965, haveria de chefiar a brigada que assassinou o general Humberto Delgado. Rosa Casaco tem ideia de que o apartamento era "na Avenida Visconde Valmor, mesmo ao pé do Técnico". Este local, contudo, não coincide exactamente com o apontado por Homem de Mello, que julga ter sido numa paralela, na Avenida Miguel Bombarda. Já Manuel Garcia e Lourdes Maurício (no livro O Caso Delgado - Autópsia da "Operação Outono") admitem que o local dos encontros seria "uma casa próxima da Feira Popular". Um outro lugar seria fora de Lisboa, em Fontanelas, perto de Sintra, numa quinta que seria propriedade da própria Elizabeth.
Conhecedor do romance do velho marechal com uma senhora casada, e na posse dos elementos de prova obtidos pela PIDE, alguém altamente colocado no interior do regime decide passar à chantagem. Com o objectivo de controlar os seus passos, de condicionar as suas incursões pela política, de o domesticar - no limite, de o silenciar.
José Manuel Homem de Mello testemunhou pessoalmente a manobra chantagista. Um dia, em data que é incapaz de especificar, recebeu uma chamada telefónica do marechal.
Alvoraçado, "queria falar comigo, ainda antes do nosso almoço semanal". Chegado ao apartamento na Rua Sinel de Cordes, reparou que o anfitrião "estava visivelmente nervoso. Muito contrafeito, até porque havia uma grande diferença de idade entre nós, confessou que tinha um romance com uma senhora casada". Em seguida, contou que estava a ser objecto de chantagem. Recebera, com efeito, "uma carta apócrifa", cuja autoria era levado a atribuir a alguém da Legião Portuguesa, uma instituição que bem conhecia e que era useira e vezeira neste tipo de pressões. "O marechal deu-me a carta para ler, de onde tinha recortado com uma tesoura o nome da senhora. Dizia que havia fotografias comprovativas e ameaçava contar tudo ao marido e publicar a história na imprensa brasileira". A escolha do Brasil não era por acaso: sem censura, era um país onde o nome do marechal era bem conhecido e com uma numerosa colónia portuguesa.
Vivamente indignado e disposto a apurar a origem da chantagem, "pediu-me para ir falar com o director da Polícia Judiciária, porque tencionava apresentar uma queixa-crime". Homem de Mello foi falar com o responsável da PJ, Orlando Gomes da Costa, de quem era conterrâneo e conhecido. "Quando lhe falei no assunto, ele ficou aflito" - certamente por ter antevisto o dedo da PIDE por trás do caso. "Pediu para tirar uma fotocópia da carta, o que eu permiti, mas aconselhou-me a não fazer queixa, porque não dava nada". Afinal, o que podia fazer a PJ ante a toda-poderosa PIDE?
Orlando Gomes da Costa, o então director da PJ e actualmente conselheiro na reforma, não se lembra do caso, mas admite que possa ter sucedido: "Se o Manuel José Homem de Mello diz que aconteceu, é porque aconteceu". O professor Antunes Varela, à época ministro da Justiça, com a tutela da Judiciária, desconhece o caso. E duvida: "Acho muito estranho o Homem de Mello nunca me ter dito nada". Este, porém, mantém a sua versão e é peremptório: "Dou a minha palavra de honra!" Da fotocópia da carta, contudo, não há qualquer rasto na PJ.
O coronel Vicente da Silva teve conhecimento de uma outra tentativa de chantagem, a partir das gravações das chamadas telefónicas e de um alegado filme, mas com objectivos completamente diferentes. "Foi ele próprio quem me contou, durante um dos nossos passeios a cavalo. Recebera uma carta anónima, exigindo a entrega de 50 contos numa determinada data e local". Não muito avultada, a verba a ser extorquida era equivalente a cinco vencimentos mensais de um marechal, o que hoje em dia andaria à volta de quase cinco mil contos. Em caso de recusa, "a carta ameaçava com o envio ao marido da senhora de uma cópia de um filme e das transcrições das fitas magnéticas". Feita uma investigação sumária, verificou-se - assegura Vicente da Silva - que os autores eram um casal da PIDE, dos muitos encarregados da vigilância e das escutas. O agora coronel na reforma - que tem a pintura como hobby - garante que o marechal recusou a chantagem; em resposta, "consta que o marido da senhora recebeu o filme e as escutas".
Simples coincidência ou não, as últimas movimentações do marechal detectadas, quer pela PIDE, quer pela Legião, são as de Outubro de 1963, já referidas. A partir daí, e a acreditar nos registos daquelas duas diligentes organizações, Craveiro Lopes desaparece de cena, finalmente remetido ao silêncio e obrigado à inacção. Consequência directa da chantagem a que passou a estar submetido? É muito provável. Não só por si, mas, cavalheiro como sempre foi, também para proteger a reputação de Elizabeth.
Meia dúzia de meses depois, a 2 de Setembro de 1964, o marechal morre. Na véspera, recorda o filho João, tinha ido jantar com uns amigos a um afamado restaurante, na Avenida Fontes Pereira de Melo. Segundo o assento de óbito, faleceu às 11 horas, em sua casa, na Rua Sinel de Cordes. Oficialmente, os irmãos Luís Sousa e Faro e Maria Amélia Rito, sobrinhos do marechal, foram os primeiros a verificar o óbito. "O marechal telefonou de manhã cedo para o médico, dr. Ricardo Horta, a dizer que se sentia muito mal", recorda Maria Amélia. "Como ele vivia no Estoril, o dr. Horta telefonou de imediato para o meu irmão, que residia em Alvalade, pedindo-lhe para ele ir a casa do tio, ver o que se passava". Luís Sousa e Faro e a irmã Amélia metem-se num carro e correm ao nº 3 da Sinel de Cordes. "Chegámos lá ainda não eram 10 horas. O tio já estava morto. Encontrámo-lo deitado na cama, de pijama". Só depois é que aparece Ricardo Horta e, mais tarde, o filho João, que entretanto fora avisado pelo telefone. Quando este, vindo de Cascais, entra em casa do pai, já estava tudo consumado: "O corpo estava composto, deitado na cama, vestido com um pijama e a face barbeada".
O assento de óbito nada adianta quanto a eventuais testemunhas do falecimento. Segundo João Craveiro Lopes, a velha criada Maria não estaria em casa naquela manhã. Amélia Rito tem a mesma impressão. A hipótese de Elizabeth ter assistido aos últimos momentos de vida do marechal não pode ser inteiramente afastada. Basílio Horta, o filho do médico Ricardo Horta, baseado naturalmente em confidências paternas, adianta que "ele morreu ao pé dela. Segundo vim a saber mais tarde, ele tinha mesmo uma paixão pela senhora". A versão de Homem de Mello é coincidente: "O dr. Ricardo Horta disse-me que ele tinha morrido nos braços da senhora". Esta versão chegou aos ouvidos de Irene Piçarra, que durante mais de trinta anos secretariou aquele que viria a ser o segundo marido de Elizabeth. O ajudante-de-campo nada adianta de concreto: "Soube da morte pelo telefone, pelo filho mais velho", conta Vicente da Silva, já em vias de ser substituído por João Craveiro Lopes, entretanto regressado de Angola. A causa da morte, constante da certidão de óbito, foi uma "cardiosclerose" - designação muito vaga que significa "doença arterioesclerótica das coronárias". O diagnóstico foi feito pelo médico Ricardo Horta, sem que tivesse havido autópsia. É impossível determinar com exactidão a causa próxima do ataque cardíaco que vitimou o marechal. Homem de Mello, que terá sido quem mais de perto lidou com as circunstâncias da referida chantagem, não hesita em estabelecer uma relação de causa e efeito entre esta e a síncope. "Tanto mais que ele já tinha tido, uns tempos antes, um 'malaise' cardíaco. Deste ponto de vista, a morte até nem me surpreendeu completamente".
Idêntico é o parecer de Vicente da Silva, que destaca "as inúmeras afrontas" a que fora sujeito durante anos. "Era um homem seriíssimo, de grande honestidade, que não gostava nada que o pisassem. Imagino como se terá sentido quando procuraram desonrá-lo de forma tão vergonhosa, mesquinha e inqualificável".
Aos filhos do marechal só muito depois do 25 de Abril chegaram vaguíssimos rumores do romance. Desconhecedor da chantagem de que o pai foi vítima, o filho João admite que ela possa ter estado na origem da morte. "É muito natural", declara o primogénito, "até porque ele já tinha tido um ou mesmo dois problemas cardíacos. Lembro-me que o dr. Ricardo Horta o examinara dias antes. Disse-me depois que ele estava bem, mas que qualquer circunstância anómala poderia ter aquele desfecho".
Também Basílio Horta ignorava a história da chantagem. "Não sabia! Mas se isso aconteceu, magoá-lo-ia muito, é evidente". O futuro dirigente do CDS era o único dos quatro filhos do médico Ricardo Horta que vivia com o pai, o que lhe proporcionou um estreito convívio com o marechal, "que era uma visita frequente de nossa casa. Andávamos os dois a cavalo: íamos até ao Estádio Nacional. Além disso, ele emprestava-me o seu Triumph". Para Basílio Horta, Craveiro "era um homem de bem, de carácter. Não duvido que, para ele, uma chantagem desse género seria terrível".
O corpo foi para a capela do Hospital Militar Principal, na Estrela, onde, porém, não foi encontrado qualquer registo clínico.
O funeral, organizado pelo Departamento da Defesa Nacional, decorreu com as honras devidas a um ex-Presidente, que, significativamente, não teve direito a luto nacional. Presentes Américo Thomaz, Salazar e todo a nomenclatura política e militar. Antes, Salazar indagou junto da família se haveria algum inconveniente na sua participação nas cerimónias. Para tanto, enviou um emissário, na pessoa do coronel Rafael Alves, que contactou com o filho mais velho do falecido. O corpo foi transportado, em cortejo automóvel, do Largo da Estrela até ao cemitério dos Prazeres, sempre acompanhado por uma guarda de honra composta por elementos dos três ramos das Forças Armadas. À chegada ao cemitério, e antes de ser depositado no jazigo de família, o corpo de Craveiro Lopes foi saudado por uma salva, disparada pelo Batalhão da Armada, enquanto a banda da Força Aérea tocou uma marcha fúnebre e, por fim, o hino nacional. Apesar de ter sido um funeral nacional, organizado pelo Estado, este não pagou as despesas contraídas junto da agência, a Alfredo Magno & Jaime Gomes. A família foi informada que, para tanto, deveria apresentar o indispensável requerimento. Os filhos recusaram-se a tamanha humilhação e decidiram arcar com os custos.
Por iniciativa da família, no dia 9 de Setembro foi rezada a missa do sétimo dia, na igreja de Santo Condestável. Esta última homenagem, contudo, foi pouco menos que ignorada pelo regime que teve Craveiro Lopes como supremo magistrado da Nação. O Presidente da República fez-se representar pelo secretário-geral. Não compareceu nenhum membro do Governo: nem sequer os ministros militares. O mesmo aconteceu com o Chefe de Estado Maior da Força Aérea - por sinal, a arma do falecido marechal. Mas a ausência mais densa de significado foi, sem sombra de dúvida, a de Salazar, que, segundo o "Diário de Notícias", nem se fez representar na celebração. O matutino oficioso deu ao evento uma envergonhada local, ao fundo da segunda página. Rancorosa e vingativa, a ditadura ajustava as últimas contas com o ex-Presidente da República:.»
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ESTADO NOVO

Estado Novo é o nome do regime político autoritário e corporativista de Estado que vigorou em Portugal durante 41 anos sem interrupção, desde 1933, com a aprovação de uma nova Constituição, até 1974, quando foi derrubado pela Revolução do 25 de Abril. Ao Estado Novo alguns historiadores também chamam "II República" [1], embora tal designação jamais tenha sido assumida pelo próprio regime.[2]

A designação oficiosa "Estado Novo", criada sobretudo por razões ideológicas e propagandísticas, quis assinalar a entrada numa nova era, aberta pela Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926, marcada por uma concepção antiparlamentar e antiliberal do Estado. Neste sentido, o Estado Novo encerrou o período do liberalismo em Portugal, abrangendo nele não só a Primeira República, como também o Constitucionalismo monárquico.

Como regime político, o Estado Novo foi também chamado salazarismo, em referência a António de Oliveira Salazar, o seu fundador e líder. Salazar assumiu o cargo de Ministro das Finanças em 1928, tornou-se, nessa pasta, figura preponderante no governo da Ditadura Militar já em 1930 (o que lhe valeu o epíteto de "Ditador das Finanças") e ascendeu a Presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) em Julho de 1932, posto que manteve até ao seu afastamento por doença em 1968. A designação salazarismo reflecte a circunstância de o Estado Novo se ter centrado na figura do "Chefe" Salazar e ter sido muito marcado pelo seu estilo pessoal de governação. O Estado Novo, todavia, abrange igualmente o período em que o sucessor de Salazar, Marcello Caetano, chefiou o governo (1968-1974). Caetano assumiu-se como "continuador" de Salazar [3], mas vários autores preferem autonomizar este período do Estado Novo e falar de Marcelismo.[4] Marcello Caetano ainda pretendeu rebaptizar publicitariamente o regime ao designá-lo por Estado Social, "mobilizando uma retórica política adequada aos parâmetros desenvolvimentistas e simulando o resultado de um pacto social que, nos seus termos liberais, nunca existiu", mas a designação não se enraizou.[5]

Ao Estado Novo têm sido atribuídas as influências do maurrasianismo[6], do Integralismo Lusitano[7], da doutrina social da Igreja, bem como de alguns aspectos da doutrina e prática do Fascismo italiano, regime do qual adoptou o modelo do Partido Único e, até certo ponto, do Corporativismo de Estado.

A Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo de Salazar e Marcello Caetano (1933-1974) foram, conjuntamente, o mais longo regime autoritário na Europa Ocidental durante o séc. XX, estendendo-se por 48 anos.


Nascimento do Estado Novo



A Ditadura Nacional (1926-1933)[8], regime de excepção dirigido por militares, com uma estrutura constitucional provisória e suspensão das garantias consignadas na Constituição Portuguesa de 1911, precedeu a instauração formal do Estado Novo (1933). Após a eleição por sufrágio directo, mas em lista única, do General Óscar Carmona para Presidente da República em 1928, este, tendo em atenção a incapacidade dos anteriores governantes, nomeadamente o General Sinel de Cordes, para resolver a crise financeira, chamou António de Oliveira Salazar, especialista de Finanças públicas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para assumir o cargo de ministro das Finanças. Salazar aceitou o encargo com a condição, que lhe foi garantida, de poder supervisionar os orçamentos de todos os ministérios e de ter direito de veto sobre os respectivos aumentos de despesas. Impôs então uma forte austeridade e um rigoroso controlo de contas, principalmente aumentando os impostos e reduzindo as despesas públicas, conseguindo assim um saldo orçamental positivo logo no primeiro ano de exercício (1928-29).

Aconselhado e apoiado por António Ferro, que viria a chefiar o aparelho de propaganda do Estado Novo, o SPN, Salazar soube servir-se da imprensa (que lhe era maioritariamente favorável, mantendo a restante sob apertada censura), assim como das recém-criadas emissoras de rádiodifusão — o Rádio Clube Português, a católica Rádio Renascença e a Emissora Nacional estatal, todas suas apoiantes. Soube também aproveitar as lutas entre as diferentes facções da Ditadura, especialmente entre Monárquicos e Republicanos, para consolidar o seu poder e ganhar mais prestígio. Tendo-se tornado indispensável à Ditadura, o Presidente da República consultava-o em cada remodelação ministerial.

Salazar procurou então, com o apoio do General Carmona, dar um rumo estável à Revolução Nacional que impedisse um "regresso à normalidade constitucional" da Primeira República, para que alguns generais da Ditadura se inclinavam. Por isso, em 1930, depois de vencida por Carmona a resistência do General Ivens Ferraz, Salazar criou, a partir do governo e com fundos provenientes do Orçamento de Estado, a União Nacional, espécie de "frente nacional", como lhe chamou, a qual devia proporcionar o apoio necessário à construção de um novo regime, o Estado Novo, concebido e integralmente desenhado por Salazar.

A União Nacional era uma organização em parte idêntica aos partidos únicos dos regimes autoritários surgidos na Europa entre as duas guerras mundiais, se bem que, ao contrário desses, tivesse sido integralmente construída de cima para baixo e não se apoiasse num pujante movimento de massas pré-existente. A União Nacional, cujo papel foi sempre muito pouco determinante na prática política do Estado Novo, simbolizava acima de tudo o carácter nacionalista, antidemocrático e antipluralista do regime.

Nenhuma lei proibia expressamente os partidos políticos enquanto tais, mas Salazar considerava que, existindo a União Nacional, os antigos partidos tinham sido colocados fora da lógica do novo regime, acabando todas as organizações e movimentos políticos existentes por ser obrigados a coibir-se de qualquer actuação pública. Alguns, como o Partido Comunista (PCP) ou o movimento Anarcossindicalista da Confederação Geral do Trabalho passaram a actuar na clandestinidade ou no exílio, outros, como o Partido Socialista Português e o Integralismo Lusitano, foram levados a extinguir-se em 1932-1933. O Movimento Nacional-Sindicalista, de Francisco Rolão Preto foi proibido após a tentativa de revolução levada a cabo por elementos seus a partir do quartel da Penha de França, acrescentando a nota oficiosa de 29 de Julho de 1934, que decretava a sua extinção, que se tratava de um movimento inspirado em "certos modelos estrangeiros".

Em 1932 foi publicado o projecto de uma nova Constituição, que seria aprovada por referendo popular em 1933 (embora o texto da constituição mencionasse plebiscito, na realidade o que houve foi tecnicamente um referendo). Nesse referendo as abstenções foram contadas como votos favoráveis, falseando o resultado. Com esta constituição, Salazar criou finalmente o seu modelo político, o Estado Novo, e tornou-se o "Chefe" da Nação portuguesa. Não deixa contudo de ser curioso que tenha sido essa a primeira constituição da História portuguesa a dar o direito de voto às mulheres e a assegurar determinadas regalias para as chamadas classes operárias.

Caracterização geral e concisa do Estado Novo

O Estado Novo (1933-1974) foi um regime autoritário, conservador, nacionalista, corporativista de Estado de inspiração fascista, parcialmente católica e tradicionalista, de cariz antiliberal, antiparlamentarista, anticomunista, e colonialista, que vigorou em Portugal sob a Segunda República. O regime criou a sua própria estrutura de Estado e um aparelho repressivo (PIDE, colónias penais para presos políticos, etc.) característico dos chamados Estados policiais, apoiando-se na censura, na propaganda, nas organizações paramilitares (Legião Portuguesa), nas organizações juvenis (Mocidade Portuguesa), no culto do líder e na Igreja Católica.

Um regime fascista?

O Estado Novo apresenta aspectos semelhantes aos regimes autoritários instituídos por Benito Mussolini na Itália, Francisco Franco na Espanha, Engelbert Dollfuss na Áustria, Miklós Horthy na Hungria, Metaxas na Grécia, Juan Perón na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil e, em muito menor grau, por Adolf Hitler na Alemanha.

É, todavia, assunto de debate entre os estudiosos se o Estado Novo constitui verdadeiramente, ou não, um regime fascista, visto apresentar algumas diferenças em relação ao regime italiano, que serve naturalmente de "padrão" do fascismo, e ainda maiores relativamente ao nazismo. Salazar (que manteve durante algum tempo a fotografia emoldurada de Mussolini em cima da sua secretária de trabalho, mas que acabaria por afirmar que o ditador italiano era demasiado vaidoso e defensor de uma intervenção excessiva do Estado na vida da nação), nunca reivindicou para o seu regime o qualificativo de fascista, recusando igualmente o seu carácter totalitário, reflexo de quem pretendia ser associado à recusa da "estatolatria" e do totalitarismo pela Igreja Católica e pelo Papa Pio XI.

Independentemente do modo como o regime de Salazar se via a si próprio, a questão gira em torno de saber em que características, essenciais ou secundárias, o Estado Novo diferiu do padrão fascista: existência ou não de movimento de massas, papel do partido único, estrutura, lugar e papel dos sindicatos e corporações no Estado, características e estilo de governação do chefe carismático, grau de autonomia do poder judicial, liberdades públicas, nível de repressão das oposições políticas, independência da Igreja Católica. Nos pontos citados, com efeito, há diferenças e semelhanças entre o Estado Novo e o fascismo: há diferenças flagrantes no papel atribuído ao "movimento de massas" e no estilo de governação do chefe; há semelhanças muito vincadas no papel do partido único e no lugar dos sindicatos e das corporações na estrutura do Estado, assim como no cercear das liberdades públicas e no nível de repressão das oposições políticas.

Para muitos, parece não haver dúvida que se trata de um regime fascista, quase fascista ou, até, segundo o politólogo Manuel de Lucena, de um "fascismo sem movimento fascista" [9]. Para outros, tratar-se-ia de um regime autoritário e conservador de inspiração simultaneamente católica e fascizante (especialmente durante a sua primeira fase, até ao final da Segunda Guerra Mundial) — o que, por sua vez, tem levado certos autores a apontar a influência doutrinária do denominado clero-fascismo (clerico-fascismo em italiano, clerical-fascism em inglês), que aproximaria o Estado Novo do regime austríaco de Dollfuss (também dito Austro-fascismo) e, em parte, do Franquismo. O Estado Novo, materialização do pensamento político de Salazar, foi certamente um regime político com algumas características singulares no panorama dos regimes autoritários do seu tempo — como o foram, aliás, todos os outros movimentos e regimes autoritários nascidos na Europa da primeira metade do século XX.

Em matéria de política externa, sobretudo, o Estado Novo marcou uma sensível diferença relativamente aos regimes do Eixo, embora já não tanto em relação a Espanha, tendo os dois países signatários do Pacto Ibérico[10], de 1939, mantido uma difícil neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial e adoptado, depois desta, uma semelhante política de aliança com a Europa Ocidental e os Estados Unidos da América no quadro formal da NATO (Portugal) ou à margem desta (Espanha).

Características principais do Estado Novo

Corporativismo

O Estado Novo foi considerado pelos seus ideólogos como um "Estado corporativo", definindo-se oficialmente como uma "República Corporativa", devido à forma republicana de governo e à vertente doutrinária e normativa corporativista, reflectida no edifício das leis (Constituição política, Estatuto do Trabalho Nacional e numerosa legislação avulsa) e na configuração do próprio Estado (Câmara Corporativa, Corporações, Ministério das Corporações, Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, Sindicatos Nacionais de direito público, Grémios Nacionais, Casas do Povo, Casas dos Pescadores, Comissões Reguladoras, etc.).

Salazar considerou o corporativismo como a faceta do seu regime com maiores potencialidades futuras, mas a sua implantação prática foi muito gradual e, sobretudo, obedeceu a um padrão de "corporativismo de Estado" e não a um figurino de "corporativismo de associação", que poderia ter conferido um maior papel à iniciativa privada e à autorregulação da sociedade civil.

Várias personalidades apoiantes do Estado Novo apresentaram aquele regime político como tendo sido inspirado nas doutrinas corporativas do Integralismo Lusitano[11]. Os integralistas lusitanos, no entanto, cedo se demarcaram daquele regime [12], considerando-o como um corporativismo de Estado de inspiração fascista e, como tal, uma falsificação grosseira das suas doutrinas corporativas de associação [13] . O integralista Hipólito Raposo, ao classificar em 1940 o Estado Novo como um regime autocrático - a "Salazarquia" [14] - foi preso, e deportado para os Açores.

Antiparlamentarismo e antipartidário

O regime político-constitucional que vigorou durante o Estado Novo é considerado antiparlamentar e antipartidário, uma vez que o único partido político aceite pela força política, que na altura era responsável pela apresentação de candidaturas aos órgãos electivos de poder, foi a União Nacional, sendo que os restantes foram ilegalizados, o mesmo aconteceu mais tarde com as associações políticas. Eram permitidos em alguns actos eleitorais a apresentação de listas não afectas à União Nacional, mas a sua existência era apenas consentida momentaneamente e era impossível a eleição de qualquer candidato destas listas, pois a fraude eleitoral ou a repressão provocada pela poderosa polícia política (PIDE) provocava o esvaziamento de candidatos afectos a estas ou porque se encontravam presos ou porque desistiam por falta de condições.

Concentração de poderes no Presidente do Conselho de Ministros

Neste regime autoritário, o Governo tem simultaneamente o poder executivo e legislativo (o Governo pode decretar decretos-leis que sobrepõe as leis aprovadas pela Assembleia Nacional), e por sua vez os poderes do Governo estão fortemente centralizados e reforçados nas mãos do Presidente do Conselho de Ministros (Chefe do Governo). O Presidente da República tinha somente funções meramente cerimoniais, embora tivesse o poder de escolher e demitir o Presidente do Conselho de Ministros. Mas este poder nunca foi utilizado visto que o cargo de Presidente da República era sempre ocupado por um partidário da União Nacional e apoiante do Presidente do Conselho de Ministros.

António de Oliveira Salazar, no sentido de inviabilizar a vitória do General Humberto Delgado à Presidência da República em 1958, por este ser contra a ideologia do regime, propôs a revisão constitucional onde a eleição que até naquela altura era feita por sufrágio directo passou a ser feita por sufrágio indirecto, através de um colégio eleitoral.

Esta medida, a par com a inviabilização dos partidos políticos que já tinham sido ilegalizados na constituição original, sendo permitidos no entanto candidaturas de movimentos independentes, levou a um aumento e a uma concentração dos poderes no Presidente do Conselho de Ministros, que era já visto como o real detentor dos destinos de Portugal.

Outras características do regime

  • Tal como outros regimes autoritários da época, o Estado Novo possuia lemas para mostrar resumidamente a sua ideologia e doutrina: "Tudo pela Nação, nada contra a Nação" e "Deus, Pátria, Família" são os mais conhecidos e utilizados;
  • O Estado Novo autoritário declarava-se limitado pelo Direito e pela Moral cristã, considerando, por isso, não ser classificável como um regime totalitário, considerando-se sempre um Estado de direito;
  • O culto do Chefe, Salazar (e depois, sem grande êxito, Marcello Caetano), é representado como um chefe paternal, mas austero, eremita "casado com a Nação", sem as poses bombásticas e militaristas dos seus congéneres Francisco Franco, Mussolini ou Hitler; Salazar era muitas vezes mencionado como um "ungido de Deus", o "salvador da Pátria", ou o "redentor da Nação";
  • Um serviço de censura prévia às publicações periódicas, emissões de rádio e de televisão, e de fiscalização de publicações não periódicas nacionais e estrangeiras, protegendo permanentemente a doutrina e ideologia do Estado Novo e defendendo a moral e os bons costumes;
  • O regime apoia-se na propaganda política (fundando o Secretariado de Propaganda Nacional, a SPN) para difundir os bons costumes, a doutrina e a ideologia defendida pelo Estado Novo;
  • Apoia-se nas organizações juvenis (Mocidade Portuguesa) para ensinar aos jovens a ideologia defendida pelo regime e ensiná-los a obedecer e a respeitar o líder;
  • Uma polícia política repressiva (conhecida por PIDE), omnipresente e detentora de grande poder, que reprime apenas qualquer oposição política expressa ao regime, de acordo com critérios de selectividade pontual, nunca se responsabilizando por crimes de massas, ao contrário das suas congéneres italiana e especialmente alemã, a PIDE semeia o terror, o medo e o silêncio nos sectores oposicionistas que fossem activos na sociedade portuguesa, protegendo o regime de qualquer Oposição organizada, e com visibilidade pública; os opositores políticos mais activistas eram interrogados e, aqueles que apoiavam ou pertenciam a organizações que defendiam a luta armada contra o Regime ou que tinham ligações às potências inimigas de Portugal eram por vezes torturados e detidos em prisões (ex: Prisão de Peniche e Prisão de Caxias) e campos de concentração (ex: Tarrafal);
  • Além da PIDE, o regime apoia-se também nas organizações paramilitares (Legião Portuguesa) para proteger o regime das ideologias oposicionistas, principalmente o comunismo.
  • Um discurso e uma prática anticomunistas, tanto na ordem interna como na externa, que leva o regime a combater o Comunismo e a aliar-se ao lado dos E.U.A, durante a Guerra Fria, juntando-se à NATO, em 1949;
  • O sistema educacional é controlado pelo regime (uma educação nacionalista e ideológica) e centra-se na exaltação dos valores nacionais (ex: o passado histórico, o grande Império Colonial Português, a religião, a tradição, os costumes, o serviço à comunidade e à Pátria, a solidariedade humana numa perspectiva cristã, o apego à terra...), no ensinamento e difusão da ideologia estatal aos jovens; teme as pessoas de correntes políticas diferentes que têm um nível educacional alto e que defendem ou o Capitalismo ou o Comunismo, com os quais Salazar mantinha uma relação de desconfiança (no primeiro caso) ou até mesmo de rejeição (no segundo caso), visto que ele se orientava pela Doutrina Social da Igreja, que defendia uma solução económica de pequena iniciativa privada (para maior distribuição de riqueza) e de maior protecção dos assalariados/trabalhadores do que aquela que existia normalmente nos sistemas capitalistas de então;
  • Um projecto nacionalista e colonial que pretende manter à sombra da bandeira portuguesa vastos territórios dispersos por vários continentes, "do Minho a Timor", mas rejeitando a ideia da conquista de novos territórios (ao contrário do expansionismo do Eixo) e que é mesmo vítima da política de conquista alheia (caso da Índia Portuguesa) e no qual radica a manutenção de uma longa guerra colonial começada em 1961, uma das causas do desgaste e queda do regime, para proteger os seus territórios ultramarinos;
  • O regime era extremamente cauteloso nas relações diplomáticas, principalmente durante a década 30 e 40, que leva Salazar, por um lado, a assinar um pacto com a vizinha Espanha franquista e anticomunista e, por outro, a hesitar longamente entre o Eixo (compostos por ditaduras) e os Aliados (compostos por democracias e pela União Soviética, um regime comunista) durante a Segunda Guerra Mundial;
  • Uma economia capitalista controlada e regulada por cartéis constituídos e supervisionados pelo Governo, detentores de grandes privilégios, conservadores, receosa da inovação e do desenvolvimento, que só admitirá a abertura da economia e a entrada regulada de capitais estrangeiros numa fase tardia da história do regime, na década de 50;
  • O regime era muito conservador, tentando controlar o processo de modernização do País, pois Salazar temia que se esta não fosse controlada, iria destruir os valores religiosos, culturais e rurais da Nação. Este medo de uma modernização segundo os modelos capitalistas puros que imperavam no Mundo Ocidental contribuiu, depois da Segunda Guerra Mundial, para o distanciameto progressivo de Portugal em relação a outros países ocidentais, principalmente nas áreas das ciências, da tecnologia e da cultura;
  • O regime, devido sobretudo ao carácter conservador e algumas vezes arrogante de Salazar, teimava e prevenia a sua evolução a par das tendências políticas mundiais, optando por se isolar quando sujeito a pressões externas que exigiam a sua mudança, e somente nos seus últimos anos, durante o período de Marcello Caetano, experimentou uma renovação "liberal" tentativa, logo fracassada pelo bloqueio da extrema-direita;
  • Uma forte tutela sobre o movimento sindical, proibindo todos os sindicatos, exceptuando aqueles controlados pelo Estado (os Sindicatos Nacionais), e procurando organizar os operários e os patrões de cada profissão em corporações, organizações controladas pelo Estado que pretendiam conciliar harmoniosamente os interesses do operariado e do patronato, prevenindo assim a luta de classes e a agitação social e protegendo os interesses/unidade da Nação (objectivo principal do regime).
  • A ilegalização da Maçonaria em Portugal, através da Lei n.º 1901, de 21 de Maio de 1935[15]. Todos os funcionários públicos eram obrigados a assinar uma declaração rejeitando a Maçonaria e garantindo não serem membros dela, antes de poderem tomar posse nos seus cargos. A sede do Grande Oriente Lusitano (o Grémio Lusitano), foi confiscada e encerrada sendo entregue à Legião Portuguesa que nela instalou a sua sede. Dentro do regime, no entanto, havia várias personalidades destacadas com um passado de filiação ou afinidades maçónicas, caso do Presidente da República, Óscar Carmona (sendo esta informação não confirmada), e do primeiro presidente da Assembleia Nacional, José Alberto dos Reis, mas que, todavia, não opuseram qualquer resistência à ilegalização das chamadas «associações secretas»,e que, pelo contrário, a apoiaram.

Presidentes da República durante o Estado Novo

Presidentes do Conselho de Ministros durante o Estado Novo

Lemas

  • "Deus, Pátria, Família."
  • "Tudo pela Nação, nada contra a Nação."
  • "Persistentemente, Teimosamente, não somos demais para continuar Portugal"
  • "Enquanto houver um Português sem trabalho e sem pão a Revolução continua"
  • "Temos uma Doutrina. Somos uma Força"
  • "Orgulhosamente sós" [16]

Reorganização geral de Portugal levado a cabo pelo Regime

Nos primeiros anos do Estado Novo, Salazar, o seu "Chefe", teve o difícil trabalho de efectuar uma reorganização geral de Portugal, particularmente nas áreas política, económico-financeira, social e cultural. O seu principal objectivo era restabelecer a ordem e a estabilidade nacional. Mas, mesmo que estas já estivessem restauradas em Portugal, Salazar defendia que ele iria continuar a Revolução Nacional enquanto que no País ainda continuasse a haver uma única pessoa sem condições de vida aceitáveis. Com esta afirmação, ele revelou que não iria abandonar o poder.

Economia e Finanças

Quando Salazar chegou ao poder, ele efectuou muitas reformas económico-financeiras, como a diminuição substancial das despesas do País e a instituição de inúmeras taxas, conseguindo assim equilibrar as Finanças (naquele tempo e mesmo agora, era considerado um "milagre" para muitos portugueses) e aumentando o valor do escudo. Tentou combater a inflação, regulando simultaneamente os preços dos produtos e os salários.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo conseguiu manter Portugal neutro deste conflito militar sangrento. Devido ao desiquilíbrio dos sistemas de produção da maioria dos países europeus, Portugal ficou privado de importações e isto causou o aumento da produção nacional, incentivado pelo regime. Durante boa parte do conflito, a balança comercial portuguesa manteve saldo positivo, com as exportações a ultrapassarem as importações, facto que não se verificava desde há dezenas de anos, e que até à actualidade ainda não voltou a verificar-se. Portugal exportava predominantemente produtos têxteis, metais e volfrâmio para os países europeus em guerra (fossem eles apoiantes do Eixo ou dos Aliados), acumulando assim muitas divisas e desenvolvendo de certa forma a economia portuguesa. Esta situação económica conseguiu também atenuar os problemas provocados pela Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e pela própria Segunda Guerra Mundial, que trouxeram consigo o racionamento dos alimentos e um disparo temporário da inflação.

Na década de 50, começou a abrir a economia ao estrangeiro e permitiu a entrada regulada de capitais estrangeiros, desenvolvendo muito a economia (principalmente a indústria química e metalomêcanica, o turismo, os transportes e o sector energético) e as infraestruturas, principalmente pontes, estradas e barragens. É também neste período que o País entrou na Associação Europeia de Livre Comércio (1959). A partir desta década até à morte de Salazar (1970), o PIB de Portugal teve um crescimento anual de 5.66%.

Mas, mesmo com este grande crescimento económico, a economia portuguesa, continuando a ser predominantemente rural e a ser altamente supervisionada pelo regime, continuava a ser atrasada em relação às grandes economias da Europa, embora menos do que durante a 1ª República. No fim da década de 60, Portugal era um dos países com um rendimento per capita mais baixo da Europa, significando que possuía uma mão-de-obra barata e que muita gente vivia da agricultura de subsistência, que não é geradora de rendimentos, embora tal não signifique que existisse desemprego real, ou que não houvesse produção abundante de alimentos. Havia contudo fortes desequilíbrios regionais em Portugal, com as cidades (principalmente as que ficam junto ao litoral) a expandir-se e a beneficiarem do crescimento económico, e as zonas rurais a continuarem a não se desenvolver ao mesmo ritmo, apesar do crescente número de vias de comunicação e outras infra-estruturas (rede eléctrica, etc.) que nelas iam sendo construídas. O atraso no desenvolvimento das zonas rurais, aliado ao súbito aumento da população a chegar à idade adulta (provocado pela melhoria das condições de saúde e pela diminuição da mortalidade infantil), fez com que se verificasse um excesso populacional e uma certa aversão ao atraso que se vivia nos campos, o que levou quase 2 milhões de pessoas, na grande maioria delas oriundas das zonas rurais, a emigrar ou para as cidades que então estavam a crescer, ou para o estrangeiro, principalmente França, Estados Unidos da América, Canadá e Alemanha (entre os que emigraram para o estrangeiro, contavam-se também muitos jovens que desejavam apenas fugir ao cumprimento do serviço militar em África).

Com o decorrer da Guerra Colonial Portuguesa, o desenvolvimento de Portugal a nível económico-financeiro abrandou, devido sobretudo às enormes despesas militares efectuadas pelo regime.

A Questão do Ultramar

O Estado Novo mantém a ideologia colonialista da 1ª República pelo que procurou activamente manter as suas possessões ultramarinas, consideradas pelo regime uma das fontes do prestígio e orgulho nacional. Por esta razão, Salazar sempre se preocupou com os problemas do Ultramar e tentou resolvê-los. Logo em 1930, promulgou-se o Acto Colonial, mas na década de 50 e 60, apareceram novos problemas e necessidades, por isso Salazar e os seus Governos começaram a evoluir o Conceito Ultramarino Português e terminaram por se definirem uma Solução Portuguesa e uma Política Ultramarina Portuguesa, correctas no acerto, realismo e modernidade, para resolver tais problemas. Mas, devido aos erros efectuados por Salazar (com uma idade já muito avançada naquela época) e ao novo panorama internacional (a condenação do colonialismo e a descolonização em massa de muitas colónias), os povos das províncias ultramarinas portuguesas começaram também a procurar a sua autodeterminação e isto causou a Guerra do Ultramar (1961-1974). Esta longa guerra causou muitas mortes, arruinou Portugal e o país começou a sentir muitas dificuldades económico-financeiras, dificuldades estas que a Nação já não sentiu durante muito tempo, e uma forte pressão internacional (a ONU, principalmente os E.U.A., condenava o colonialismo).

Os problemas do Ultramar foram mal resolvidos e estes problemas causaram o alargamento da oposição ao Estado Novo, a Guerra do Ultramar (1961-1974), dificuldades económico-financeiras e sociais, e, posteriormente, a queda do regime.

Ordem e estabilidade

Salazar, além de reorganizar as finanças e de reanimar a economia, investiu nos sectores da educação básica (construção de milhares de escolas primárias), da saúde (construção de um número considerável de hospitais e centros de saúde, então designados por "Casas do Povo") e das infra-estruturas (barragens, estradas e abastecimento eléctrico a algumas vilas e aldeias portuguesas), trouxe também estabilidade e ordem ao País, efectuando a corporativização da Nação. Contudo, esta estabilidade foi conseguida à custa da proibição de todos os partidos políticos (à excepção da União Nacional), à repressão e por vezes perseguição dos alegados "destabilizadores" da Nação (designação que era aplicada tanto àqueles que defendiam uma Oposição organizada como aos bombistas ou elementos de partidos com ligações a potências inimigas de Portugal, suspeitos de espionagem a favor das mesmas), aliados ao controlo do ensino, à formação de organizações juvenis e paramilitares a favor do Estado, à proibição de greves e à censura de certas publicações. Outro factor que contribuiu para a obtenção da estabilidade foi a manutenção da neutralidade portuguesa em vários conflitos, como a Segunda Guerra Mundial, e a reparação das relações entre Portugal e a Igreja Católica (a maioria dos portugueses são católicos, muitos deles devotos) com uma concordata.

Mas, na década de 60, o País começou a sentir alguma instabilidade por causa da crescente acção dos opositores democráticos que iam tornar-se cada vez mais fortes porque cada vez mais pessoas queriam a liberdade e, principalmente, o fim da Guerra do Ultramar (1961-1974). Esta situação instável veio a agravar-se na década de 70, com a continuição da Guerra e com a "renovação em continuidade" de Marcello Caetano (ele, o substituto de Salazar, afirmava querer renovar e tentar "liberalizar" o Regime, mas não teve sucesso, o que resultou num enfraquecimento ainda maior do mesmo).

O Estado Novo e a Guerra Civil Espanhola

Na Guerra Civil Espanhola, deflagrada em Julho de 1936, estava fundamentalmente em causa a implantação de um regime republicano parlamentar ou por um fascista em Espanha, que poderia influenciar toda a Península Ibérica e até o resto da Europa. Por esta razão, o Estado Novo, liderado pelo antiparlamentarista Salazar, alinhou-se com o General nacionalista Francisco Franco, sendo discutido pelos historiadores se foram ou não enviadas forças militares portuguesas para Espanha (o que nunca foi reconhecido oficialmente).

A posição e acção (sobretudo diplomática), a nível regional e internacional, de Portugal sobre o conflito espanhol contribuíram muito significativamente para que a causa não-parlamentar republicana vencesse em Espanha. Esta grande ajuda do Estado Novo aos nacionalistas/fascistas espanhóis levou com que Portugal e Espanha assinassem mutuamente, em 17 de Março de 1939, o Tratado de Amizade e Não Agressão Luso-Espanhol, que mereceu um protocolo adicional em 29 de Julho de 1940.

O Regime e a Segunda Guerra Mundial

Relativamente à Segunda Guerra Mundial, a atitude e a actuação de Salazar e do seu Governo podem sintetizar-se em 4 aspectos dominantes:

  • o de preservar a população portuguesa dos efeitos mais dolorosos da guerra, pelo que Salazar tentou a todo o custo e conseguiu manter a neutralidade portuguesa neste conflito. Próximo ideologicamente do Eixo, o regime português escuda-se nisso e também na aliança com o Reino Unido para manter a tão desejada política de neutralidade. Esta assentava num esforço de não afrontamento a qualquer dos lados em beligerância. Mas, mesmo assim, em Portugal continuava a sofrer de falta de produtos alimentares e de inflação.
  • a contribuição muito significativa, igualmente quase decisiva, para a manutenção da neutralidade da Espanha. O alinhamento espanhol com o Eixo iria pôr seriamente em perigo a independência de Portugal e o controlo do Atlântico pelos Aliados. Este alinhamento iria também ter projecção negativa de dimensão imprevisível no decurso e resultado da guerra;
  • a colaboração secreta com o regime nazi, como investigado por António Louçã (por exemplo em livros como "Conspiradores e traficantes. Portugal no tráfico de armas e de divisas nos anos do nazismo. 1933-1945"), ao mesmo tempo que, por outro lado, Portugal era a porta de fuga de milhares de judeus da Europa para os Estados Unidos da América, embora muitos destes o tivessem feito ao arrepio do regime como prova o tratamento que Aristides de Sousa Mendes levou ao passar milhares de vistos de entrada em Portugal a Judeus e outros;
  • o apoio oportuno dado aos Aliados, com a concessão de facilidades, nos Açores, às forças armadas aliadas. Este apoio, sem qualquer afectação à soberania nacional, constitui um acto de grande relevância e contribuiu muito para a sobrevivência do Estado Novo no pós-Guerra;

Com a vitória dos Aliados, em 1945, verificou-se no Ocidente uma expansão dos regimes democráticos pluralistas, adoptado já por inúmeros países aliados (exceptuando, claro, a União Soviética e a sua àrea de influência da Europa de Leste em que tratou de implantar regimes semelhantes ao seu). Estes países queriam democratizar toda a Europa Ocidental, incluindo a Península Ibérica. Esta atitude pôs seriamente o Estado Novo em perigo.

Assim, Salazar, teve de lutar arduamente, a nível externo, contra estas pressões, procurando fazer aceitar internacionalmente a continuação do Estado Novo com as características que tinha e sempre tivera, e que saldou por um sucesso. Este reconhecimento deveu-se ao facto de o regime ser muito anticomunista, promovendo-o a um parceiro não desprezível dos E.U.A.. Foi mesmo ingressado na NATO (1949), onde ficou a par precisamente das democracias ocidentais vencedoras da Segunda Grande Guerra, na ONU (1955) e também na Associação Europeia de Livre Comércio, em 1959.

Principais abalos internos sofridos pelo Estado Novo

O regime sofreu diversos abalos provocados:

  • Pelas tentativas golpistas efectuadas pelos militares democráticos (ex: Golpe Botelho Moniz, em 1961);
  • Pelas acções de luta armada realizadas por oposicionistas ao regime, nomeadamente a Acção Revolucionária Armada (ARA), ligada ao Partido Comunista Português, e as Brigadas Revolucionárias (BR). Entre outras acções destacam-se o assalto a bancos e a destruição de material militar;
  • Pela Operação Ducineia, realizada em 1961, comandanda pelos capitão Henrique Galvão e apoiada pelo general Humberto Delgado, que sequestrou o transatlântico português Santa Maria e o levou para águas brasileiras. Com esta operação, considerada o primeiro acto de pirataria dos tempos modernos, procurava-se chamar a atenção mundial para os problemas causados pela ditadura de Salazar. O Santa Maria foi sequestrado em 22 de janeiro de 1961. Os passageiros e a tripulação que apoiaram a acção receberam asilo político no Brasil, em 3 de fevereiro por Jânio Quadros. O fotógrafo Antônio Lúcio e o repórter Miguel Urbano Rodrigues, ambos do jornal O Estado de S. Paulo, encontraram o navio em águas brasileiras, em 29 de janeiro e contribuíram para uma ampla difusão do acto.
  • Pela acção dos jovens, principalmente universitários, a partir da década de 60, que queriam a democracia, o fim da guerra colonial e a liberdade (uma das mais célebres acções foi a "Crise académica de 1962");
  • Pela forte emigração portuguesa (maioritariamente clandestina) a outros países europeus (ao todo, emigraram cerca de 2 milhões de portugueses), especialmente França, começada a partir da década de 60.

Queda do Estado Novo

O Estado Novo, após 41 anos de vida, é finalmente derrubado no dia 25 de Abril de 1974. O golpe que acabou com o regime foi efectuado pelos militares do Movimento das Forças Armadas - MFA. O golpe militar contou com a presença da população, cansada da repressão, da censura, da guerra colonial e da má situação económico-financeira. Ficou conhecida por Revolução dos Cravos. Neste dia, diversas unidades militares comandadas por oficiais do MFA marcharam sobre Lisboa, ocupando uma série de pontos estratégicos. As guarnições militares que supostamente eram apoiantes do regime renderam-se e juntaram-se aos militares do MFA. O regime caiu sem ter quase quem o defendesse. Os acontecimentos deste dia culminaram com a rendição de Marcello Caetano, sitiado pelo capitão Salgueiro Maia, no Quartel do Carmo. Foi uma revolução considerada "não-sangrenta" e "pacífica", sendo que no dia 25 de Abril propriamente dito houve apenas quatro mortos, vítimas de disparos da polícia política, junto à sua sede.

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