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HOJE NO
"OBSERVADOR"
"OBSERVADOR"
13 medidas do juiz Carlos Alexandre
para combater a corrupção
Através de abundantes citações de Almeida Santos e de outros juristas, Carlos Alexandre propõe um autêntico programa de combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira.
Num discurso escrito preparado para as Conferências do Estoril, mas que não foi lido na íntegra (longe disso), o juiz Carlos Alexandre preconiza
um autêntico programa para combater de forma mais eficaz a
criminalidade económico-financeira e organizada, com especial destaque
para o crime de corrupção.
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São mais de 31 páginas que foram distribuídas
aos jornalistas e a quem tenha assistido ao painel onde o juiz do
Tribunal Central de Instrução Criminal participou.
O ponto de partida do magistrado é simples: “A matéria da corrupção é tão antiga como o mundo. Sempre a houve e arrisco-me a prognosticar que nunca vai acabar”.
Para fundamentar a sua afirmação, Carlos Alexandre compara o Orçamento de Estado de 1928 da Ditadura Militar e do ministro Oliveira Salazar
(“às receitas corresponderiam as despesas e quem excedesse o
orçamentado, salvo motivo de força maior, era punido”) com a tese do
“Orçamento de Estado de base zero” defendido pelo “Conselheiro de Estado
e do Conselho Consultivo do Banco de Portugal, Prof. Francisco Anacleto Louçã“.
Porquê? Porque, teoricamente, a inexistência de défice público faria
com que “as possibilidades de ocorrerem tais fenómenos [de corrupção]”
ficassem “draconiamente limitados”.
Recorrendo a um conjunto diverso de autores, com especial destaque para Almeida Santos,
ex-presidente da Assembleia da República, fundador do PS e um dos pais
do sistema judicial democrático que morreu em 2016, Carlos Alexandre
avança com 10 soluções. “Não sou um citador nem um copista. Mas quando
encontro alguém que sabe expor com clareza as subtilezas e os perigos
que enfrentamos no que respeita à corrupção, apelo à consciencialização
e, a quem não concorde, à crítica”, diz Carlos Alexandre para explicar
por que razão recorre a palavras de outros juristas para fazer as suas
propostas.
1 - Colaboração premiada
Foi a primeira proposta de Carlos Alexandre. Na entrevista que tinha
dado à SIC, que levou o Conselho Superior da Magistratura a abrir e a
arquivar um inquérito disciplinar contra si, o juiz de instrução
criminal já tinha defendido de forma clara a criação do instrumento de
colaboração premiada em Portugal, seguindo o caminho que o Brasil
adoptou nessa matéria. Esta terça-feira, no seu discurso no Estoril, foi
ainda mais claro.
Como outros que já o têm defendido no espaço público, também eu me identifico com a ideia de que a clarificação das leis de combate à corrupção beneficiaria com o instituto do que vimos referido como sendo a colaboração premiada”, lê-se no seu discurso.
Trata-se de um “instrumento
jurídico típico de democracias maduras e reputadas como desenvolvidas,
como as da Alemanha, França, Itália, EUA, que a usam para combater o
terrorismo, o tráfico de droga e o crime organizado. Sem a colaboração
premiada, como teria a Itália derrotado a máfia na conjuntura dos anos
90 (curvo-me perante o heroísmo dos Juízes Falcone, Borselino, ainda
hoje reconhecido nele envolvendo todos os que com eles interagiram nesse
combate). E na Espanha? Temos aqui quem fala [Baltazar Garzon] com uma
propriedade e “know how” que eu nunca terei. E agora, diante
dos nossos olhos, no Brasil (BRIC sim mas que não pode haver qualquer
menosprezo nem a respeito da lucidez dos seus 200 milhões de habitantes,
nem de todos os profissionais e cultores da ciência jurídica nesse
país-continente)”, escreveu Carlos Alexandre.
O juiz de instrução
deixa claro que “estamos apenas a falar de colaboração com a justiça.
Ninguém defende que o Estado legisle no sentido de passar um ‘cheque em
branco’ ao denunciante”, nem a “colaboração premiada” “dispensa o MP de
aprofundar a investigação do que lhe é transmitido nesse âmbito e da
concatenação com os demais meios de prova, tais como prova documental,
pericial, testemunhal, entre outras. A justiça não fica dependente dos
arrependidos para obter mais resultados!”, enfatizou.
2 - Regimes especiais de proteção de testemunhas
Citando Almeida Santos no seu livro “Pare, pense e mude” (Dom
Quixote, 2002), Carlos Alexandre revê-se na ideia de “conceder proteção
especial às testemunhas que, sem essa proteção, se recusariam, por medo,
a colaborar com a justiça. Os grandes criminosos couraçam-se difundindo
medo, e usando, para difundi-lo, a arma da vingança”.
Existe um regime de proteção de testemunha em Portugal desde
1999, mas nunca teve grande aplicação à criminalidade
económico-financeira.
3 - Justificar a origem lícita da fortuna
“Dificultar, tanto quanto possível, a conversão, pelos patrões do
crime organizado, do seu poder económico em poder político. O perigo
maior é esse! E não o evitaremos mantendo o privilégio de que hoje gozam
de não serem obrigados a justificar e comprovar a origem lícita da sua
fortuna. Quem hoje é pobre e num ápice se converte num nababo, ou prova
de onde licitamente lhe veio a fortuna” deve “ser privado dela a
benefício da colectividade”, escreveu Carlos Alexandre, citando Almeida
Santos.
A institucionalização do crime de enriquecimento ilícito
ou injustificado foi aprovado por duas vezes na Assembleia da República
com os votos do PSD e do CDS e por duas vezes foi declarada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional por estar em causa a
inversão da prova.
Curiosamente, o ex-presidente da Assembleia da
República, jurista e advogado considerava que era necessário “inverter o
tradicional ónus da prova” para assim “se poder concretizar a
‘expropriação’ das fortunas ilicitamente adquiridas. Hoje, é princípio
civilizacional intocável o de que a prova compete a quem acusa. De
acordo com este princípio, é o acusador público quem tem de provar a
origem fraudulenta da mais suspeita fortuna. Essa prova é por regra
impossível. Mas a origem lícita de uma fortuna – quando ocorre – é o que
há de mais simples para o titular dela! A que título assegurar aos
patrões do crime organizado a garantia daquela impossibilidade,
dispensando-o desta facilidade? Como é óbvio, esta seria também uma arma
preciosa para perseguir os corruptos”, citou Carlos Alexandre.
4 - Vincular os bancos à obrigação de não eliminar registos de contas
Almeida Santos defendeu no seu livro (escrito em 2002) uma agilização
das regras do sigilo bancário que, entretanto, foram executadas. Uma
delas, contudo, ainda não terá sido implementada. “Talvez não seja
impossível vincular os bancos à obrigação do não apagamento do registo
das contas bancárias neles abertas, e da identidade dos respectivos
titulares. Basta que em casos excepcionais possa ser ordenado o
levantamento da garantia do sigilo, para que se justifique a exigência
desse registo”, escreveu o ex-presidente da Assembleia da República,
sendo agora citado por Carlos Alexandre.
A eliminação dos registos
bancários dificulta a reconstituição dos circuitos financeiros
essenciais para perceber a origem e o destino dos fundos que tenham
origem ilícita.
5 - Rever o enquadramento das ações ao portador
“Rever, à luz da necessidade de dificultar a ocultação de fortunas de
origem criminosa, o regime legal dos títulos ao portador. Hoje, um
título ao portador, eventualmente representativo de vultuosos capitais
de investimento, pode estar registado, na respectiva empresa, em nome de
quem nada teve a ver com o investimento, ou que inclusivamente é
inimputável, e jazer bem guardado no cofre-forte de um criminoso de
colarinho branco, que num ápice se desfaz da sua posse”, escreveu
Almeida Santos e recupera Carlos Alexandre.
Trata-se de uma
matéria que já foi aprovada em março na Assembleia da República. Por
proposta do PS e do Bloco de Esquerda, a lei que proíbe a existência de
ações ao portador foi aprovada por unanimidade.
6 - Questionar a presunção da inocência
Carlos Alexandre citou ainda Almeida Santos num pensamento polémico
do ex-presidente da Assembleia da República. “E porque não ir até ao
ponto de questionar o bem fundado da aplicação sem reservas, aos patrões
do crime organizado, do principio in dúbio pro reo [na dúvida
decide-se a favor do réu], ou mesmo o princípio da presunção de
inocência? Dúvida a favor do réu ou presunção da sua inocência, quando
num ápice aparece fabulosamente rico sem justificar a origem da sua
riqueza?”, questionou o fundador do PS no seu livro “Pare, pense e mude”
(Dom Quixote, 2002).
Estas são questões “julgávamos
definitivamente afastadas”, comentou Carlos Alexandre, não se
comprometendo com a defesa dessa ideia, mas sim tentando estabelecer um
debate à volta desta matéria.
7 - Os serviços secretos no combate à criminalidade organizada
É um dos assuntos tabus da comunidade jurídica portuguesa: a
participação dos serviços secretos de forma mais proativa na execução de
programas de segurança da comunidade. Ao contrário de boa parte dos
congéneres europeus que, por exemplo, podem realizar escutas telefónicas
(algumas delas com autorizações administrativas) ou aceder aos
metadados (informação que permite saber os números contactados por
determinado telefone e localizar o portador do mesmo), aos serviços de
informações portugueses estão vedados tais instrumentos.
Carlos
Alexandre pretendeu, ao citar Almeida Santos no seu discurso, provocar
um debate sobre a matéria. ” (…) deixar de questionar, por mal
empregados escrúpulos, a participação dos serviços secretos, sempre que
existam, na investigação do crime organizado. Porque não participariam?
Por serem secretos e transportarem consigo uma carga de má memória? É
preciso não confundir o papel desses serviços numa democracia e numa
ditadura! E não são ainda mais radicalmente secretos os que concebem e
executam as maléficas determinações dos big brothers que se faz mister combater?”, escreveu Almeida Santos.
8 - A universalização do combate à corrupção
“Encarar, decididamente, formas de combate a nível transnacional. A
criminalidade universal” não é combatida com “respostas nacionais, ou
mesmo supranacionais, de espaço limitado. A soberania dos Estados – em
fase de superação – tem funcionado como um entrave a respostas globais.
Têm, aliás, sido realçadas pela doutrina as tendências do direito
internacional dos nossos dias para a universalização, a
institucionalização, a funcionalização, a individualização, a
codificação, a jurisdicionalização e a constitucionalização”, escreveu
Alexandre, citando Almeida Santos.
O juiz Baltazar Garzon tem
defendido desde a década de 2000 o princípio jurídico da jurisdição
universal que pode permitir a um Estado investigar e sancionar crimes
contra os direitos humanos que tenham ocorrido noutro Estado.
9 - Uma jurisdição europeia
“É positiva a ideia da criação de um espaço jurisdicional único europeu.
Mas, se hoje consideramos exíguos e entorpecentes os espaços
jurisdicionais dos Estados membros da União Europeia, é por igual exíguo
um espaço jurisdicional que não cubra sensivelmente a mesma área em que
o crime organizado actual. A ideia de uma «jurisdição global», para a
qual convirjam as jurisdições nacionais, revela-se cada vez mais
sedutora. Como escreveu o Comissário português António Vitorino, a
realidade empurra-nos para a ambição de um corpus juris de vocação universal, para crimes de «matriz global»”, cita Alexandre, numa homenagem ao pensamento de Almeida Santos.
10 - Tribunais internacionais
“Tribunais de jurisdição penal com competência plurinacional, enquanto
não puder ser universal. O Tribunal Penal Internacional é um bom
exemplo. Mas porquê só para o restrito tipo de crimes para que nasce
competente?”, perguntava Almeida Santos — e Carlos Alexandre revê-se na
mesma interrogação. Na mente de Carlos Alexandre está, obviamente, a
criminalidade económico-financeira que tenha consequências
plurinacionais.
11- Pragmatizar as leis penais
“Reduzir o excesso perfeccionista, burocrático e formal dos Códigos
e, em geral, das leis penais e processuais penais, pragmatizando-os e
agilizando-os, nomeadamente dispensando incidentes e recursos
dispensáveis, ou de efeito suspensivo perfeitamente evitável”, cita o
juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Parte deste ponto
foi alcançado com a última reforma penal de 2012, que limitou os
recursos que podem chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, eliminou de
forma significativa os incidentes processuais que podem se levantados
pelas defesas e alargou a suspensão da contagem dos prazos de
prescrição.
12 - Reduzir o excesso de garantias constitucionais
“Reduzir, para os crimes de excepcional gravidade, como são os cometidos
por organizações criminosas operando a nível transnacional, o excesso
garantístico do direito constitucional, penal e processual penal dos
modernos Estados de Direito. Perante a gravidade do crime organizado, a
lógica dos princípios deve, em casos excepcionais, e dentro de limites
razoáveis, ceder perante o pragmatismo das soluções necessárias à
salvaguarda dos mesmos princípios”, defende Carlos Alexandre, recorrendo
a Almeida Santos.
13 - Formar a juventude
“Promover campanhas de informação e educação cívica – na escola, na
televisão, nas empresas, em todos os futuros agentes de um ensino
integrado e continuado, do berço à cova – de sensibilização contra os
riscos consumados e potenciais do crime organizado, por forma a provocar
uma reação colectiva saudável de fiscalização e combate ao nível de
cada coletividade e de cada cidadão”.
Já esta terça-feira, durante
o seu discurso nas Conferências do Estoril, Carlos Alexandre apelou a
que a “sociedade civil se indigne porque fomos sempre contemporizadores
com muitas destas situações”.
Estas são as propostas do juiz Carlos Alexandre que, no discurso escrito, não deixou de citar o Papa Francisco:
Os graves casos de corrupção recentemente descobertos requerem uma séria e consciente conversão dos corações a um renascimento espiritual e moral, bem como a um renovado empenho em construir uma cidade mais justa e solidária, onde os pobres, os débeis e os marginalizados estejam no centro das nossas preocupações e do nosso agir quotidiano. É necessária a presença diária de uma grande atitude e liberdade cristãs para se ter a coragem de proclamar, na nossa cidade, que devemos defender os pobres, e não nos defendermos dos pobres, que devemos servir os débeis, e não nos servimos dos débeis!”
Para evitar novas queixas para
o Conselho Superior da Magistratura, Carlos Alexandre fez de dizer, no
final do seu discurso, que “nada do que disse, no meu espírito, nas
minhas palavras, pode ser assacado a um caso concreto qualquer que tenha
em mãos”.
* Tratado ou utopia? O leitor decidirá.
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