O melhor do mundo
Dizia Fernando Pessoa que o melhor do mundo são as crianças. Concordo: a concorrência é fraquíssima
As crianças gostam de toda a gente. Ao contrário de nós, que quanto
mais crescemos mais selectivos nos tornamos, as crianças são do tipo
brasileiro: abrem os braços a toda a gente, fazem um grande espalhafato,
e no entanto estão-se literalmente nas tintas para toda a gente, tal
como os brasileiros. Elas gostam das pessoas, de nós, mas não gostam ao
ponto de sentirem falta, de nos trocarem pela televisão ou pelo
computador, de se lembrarem de nós. Não há pessoa no mundo de uma
criança - tirando os pais - que consiga conquistar o lugar do computador
ou da consola no coração dessa criança.
As crianças, apesar de
gostarem de toda a gente - ou seja, de não embirrarem especialmente com
ninguém -, de quem elas gostam mesmo é dos pais, delas próprias e de
quem lhes oferece coisas ou lhes faz cócegas. Tudo o resto é mais ou
menos mato cerrado. As crianças gostam de forma pragmática. Não vêem os
corações para além das caras - só vêem caras e estão-se borrifando para
os corações. Não desconfiam de alguém que lhes dê um saco de gomas, só
desconfiam de quem vai a seguir tratar das cáries. É assim, é injusto,
mas é assim. As crianças, e esta é que é a verdade dolorosa, passam bem
sem nós e passam lindamente sem as outras crianças. Os pais e elas
próprias chegam e sobram para fazer a sua felicidade.
Dizia
Fernando Pessoa que o melhor do mundo são as crianças. Concordo: a
concorrência é fraquíssima. Mas elas são o melhor do mundo porque não
trazem mal ao mundo, não é por fazerem bem ao mundo - porque a verdade é
que elas não fazem bem nem mal. Comem, brincam, aprendem, choram e
pouco mais. É por aquilo que não fazem, como guerras, cobrar impostos,
poluir rios, fabricar bombas nucleares ou cometer crimes, que as
crianças devem ser consideradas o melhor que o mundo tem.
Mas nós
gostamos das crianças, especialmente das nossas - gostar das crianças
dos outros depende de algumas variáveis como sejam os gritos, os choros,
as birras, a quantidade de ranho que sai do nariz, etc. -, não porque
elas sejam o melhor do mundo, mas porque são queridas. É assim como os
animais pequeninos: são todos queridos. E a verdade é que toda a gente
gosta de coisas queridas. O critério, ser querido, chega e sobra para se
gostar de alguém. Aliás, é o mais justo e isento de todos.
O que
faz com que seja proibido não gostar das crianças - pois a verdade é que
este tema é muito pouco democrático, gostar das crianças é uma
obrigação moral, não temos escolha - é a sua inocência e o nosso
sentimento de culpa. Nós, adultos, estamos absolutamente convictos de
que se não fossemos nós as crianças podiam ser mais felizes quando
crescessem. Mas temos remorsos. Temos remorsos do mundo que lhes
deixamos e por isso bajulamos as crianças como forma de lhes pedir
desculpa. "Desculpem lá a fome em África, o terrorismo, a poluição, as
PPP e desculpem não vos podermos garantir que o mundo não acaba nos
próximos anos.
Mas fiquem bem." E a verdade é que apesar de tudo isso
elas gostam de nós. Mais: confiam em nós.
IN "i"
29/06/13
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