11/04/2012





HOJE NO
"PÚBLICO"

Saúde mental
Responsável fala de listas de espera 
de um ano para doentes 
com tentativas de suicídio

Um responsável do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa alertou que os doentes urgentes podem esperar até um ano por uma consulta, mas o director do plano de saúde mental garante que a espera para casos não urgentes é de 40 dias.

O director da equipa A (Loures-Odivelas) do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), João Cabral Fernandes, disse que actualmente há listas de espera de três meses, seis meses ou um ano para consultas urgentes, nomeadamente casos de tentativa de suicídio, devido ao aumento da procura e simultaneamente à falta de pessoal.

A Lusa contactou o CHPL para tentar marcar uma consulta urgente – caso de depressão com tentativa de suicídio – e perceber qual o tempo de espera indicado, e o funcionário informou que não seria possível em menos de um mês porque os médicos são poucos e os doentes são muitos.

“Não se pode tratar pessoas com tentativas de suicídio, ataques de pânico ou depressões psicóticas ao fim de um ano. Devem ser atendidas na semana seguinte, mas não há médicos e cada vez há mais pessoas a pedir ajuda”, afirmou João Cabral Fernandes.

A crescente procura explica-a com o aparecimento de mais casos de depressão e ansiedade e com a fuga de doentes do serviço privado para o público, ambos fruto, em grande parte, da crise económica e social que o país atravessa.

“O que vejo no serviço é a experiência da miséria mais horrível do desemprego. Pessoas que não têm tecto, não têm dinheiro para medicamentos, não têm dinheiro para comer. Podemos receitar-lhes antidepressivos, mas isso não resolve o problema delas: os antidepressivos não matam a fome”, afirmou.

Esta ideia é igualmente defendida por Álvaro de Carvalho, director do Plano Nacional para a Saúde Mental, para quem os problemas de depressão, ansiedade e até suicídio muitas vezes não têm que ver com a componente mental, mas social.

“Se não houver simultaneamente políticas sociais que melhorem a situação, não há antidepressivos nem internamentos que resolvam o problema. Não é possível resolver o desemprego ou a fome com antidepressivos”.

No entanto, o médico desconhece a existência de listas de espera com o tempo referido por João Cabral Fernandes, afirmando que a monitorização feita pela Administração Regional de Saúde concluiu que o tempo de espera para consultas não urgentes não excede os 40 dias, pelo que as urgentes terão de ter necessariamente tempos de espera mais curtos.

Embora reconhecendo que há hoje “casos mais dramáticos que os profissionais de saúde mental não têm capacidade de resolver”, Álvaro de Carvalho diz não ter dados objectivos sobre o aumento, ou não, do número de consultas.

“Em princípio poderá haver para casos depressivos e ansiosos”, mas a situação não é de pânico ou pré-pânico, não estando recomendada sequer a adopção de medidas extraordinárias.


“Autópsia psicológica"

A reconstituição dos últimos meses de vida de uma pessoa permitiria perceber se se suicidou e porquê, mas essa metodologia não é usada por razões económicas e Portugal mantém-se no topo dos países com mais mortes por causas indeterminadas.

Para o coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro de Carvalho, a “autópsia psicológica” é uma investigação fiável para entender as causas de morte de uma pessoa, mas que “não tem sido desenvolvido em Portugal por razões económicas”.

Esta “metodologia científica é a mais segura” e consiste em reconstituir a vida de uma pessoa nos seus últimos meses de vida, para tentar perceber os passos que deu e como é que deu.

Para tal, um conjunto de profissionais, que inclui psiquiatras e psicólogos, tem de falar com familiares, vizinhos da vítima, ir aos últimos sítios que frequentou e tentar traçar o seu perfil psicológico e emocional antes de morrer.

“É como encontrar e abrir a caixa negra de um avião”, diz Álvaro de Carvalho, referindo que este instrumento já é usado em vários outros países, com sucesso.

Contudo mostra-se pouco convicto de que possa vir a ser aplicado em Portugal, devido aos custos que implica, mas não tem dúvidas de que seria um instrumento fundamental para reduzir as mortes por causa indeterminada, um dos objectivos traçados no programa nacional para a saúde mental. “Somos dos países da Europa com maior número de mortes por causa não identificada”, afirmou, defendendo a importância de descobrir os motivos, até para conseguir uma contabilização mais exacta do número de suicídios.

Álvaro de Carvalho tem como objectivo conseguir garantir que os certificados de óbito passem a ter causas de morte credíveis, reduzindo o número de casos desconhecidos.

Até lá, o responsável rejeita fazer associações entre a crise e um possível aumento de suicídios, alegando tratar-se de especulação.

“Todas as contas são inseguras. Não temos indicadores objectivos que nos permitam fazer essa identificação com segurança”, disse.

No entanto, o coordenador do programa lembra que, nos países menos desenvolvidos, a situação de crise inevitavelmente aumenta sempre o alcoolismo e o suicídio.



* João Cabral Fernandes é um médico reputadíssimo e sério, sabe o que está a dizer. O panorama da Saúde mental em Portugal é horrível e o que atenua o horror são os poucos intervenientes directos, médicos, psicólogos, enfermeiros e auxiliares.


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