A política do poucochinho
No dia seguinte às eleições, quando os portugueses já tiverem escolhido quem querem a governar o país, quase tudo o que andou a alimentar os debates mais participados das últimas semanas será irrelevante para os dias que se seguem.
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No dia seguinte às eleições, já poucos se lembrarão das
polémicas fotos nos cartazes do PS. Ou do que levou Joana Amaral Dias a
despir-se para uma capa de revista. Ou se houve jogos de futebol nesse
dia. Ou se alguém falhou a entrega de uma pizza de pepperoni à porta de
José Sócrates. Ou qual foi a sondagem mais certeira: se a que deu a
vitória num dia ao PS e, no outro, ao PSD/CDS. Porque no dia seguinte
às eleições, tal como hoje, nenhum desses temas será minimamente
relevante para a vida do país. Eles apenas revelam os vícios e fraquezas
que, cada vez mais, dominam a política e um país desencantado por quem
dela vive - e nela sobrevive.
No entanto, tem havido mais opiniões e fóruns de discussão à volta
desses temas do que daqueles que verdadeiramente vão influenciar a vida
do país nos próximos anos. E as perguntas a fazer são tantas... Qual o
plano para financiar a segurança social sem fazer mais cortes sangrentos
nas pensões e nos salários? Como melhorar a educação e a saúde sem
eliminar serviços fundamentais? Quais os meios para sustentar a máquina
do Estado sem aumentar mais os impostos? Como assegurar que o desemprego
se mantém em queda sem destruir mais empregos? Que relação queremos
manter com uma Europa em mudança? Como evitar que a economia tenha o
seu crescimento insuflado pelo consumo?
Como restaurar a confiança dos
portugueses e compensá-los pelos últimos quatro anos de sacrifícios?
Dar a resposta a estas (e muitas outras) questões é antecipar o
futuro. É saber com o que podemos contar nos próximos tempos. Daí que
seja imperativo fazer todas essas perguntas - e, mais do que isso,
exigir respostas - a quem tem a ambição de governar. E, tendo essas
respostas, garantir que são compromissos para o futuro e não apenas
promessas que ficam esquecidas no passado.
Elevar esse nível de exigência seria assim uma forma de contrariar a
pobreza e o vazio que se instalaram no debate político - um universo
nivelado pelo ‘poucochinho' que se sabe, que se constrói, que se debate,
que se respeita, que se cumpre. Já se sabe que a política nunca foi uma
casa de virtudes - mas nunca como agora essas fraquezas estiveram tão
escancaradas. Nunca como agora se viram tantas trocas de acusações,
desprezo pelas responsabilidades, jogos de empurra, descaramentos,
abusos e ilicitudes a descoberto, tanta futilidade a caçar votos. E,
também por isso, tantas razões a afastar os cidadãos da política,
motivos para não confiar, tantas pessoas desiludidas - e, claro, tantos
votos em branco, tanta desistência. É por isso pertinente que o país e
os seus políticos se importem com este estado de coisas e possam, de
facto, envolver o país e debater o que realmente importa no seu
futuro. Conseguir isso, sim, não é poucochinho.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
10/09/15
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