09/10/2014

ANA BACALHAU

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«Se não eu, quem?»

Apenas conhecia Emma Watson pelo seu trabalho de actriz na saga Harry Potter. Mas, pela postura que demonstrava em even tos públicos e entrevistas, parecia-me ser uma jovem mulher do seu tempo, com estilo e muita «pinta», que sabe o que quer e não tem medo de o dizer ou fazer. Há anos, uma mulher com estes predica dos seria descrita como feminista, porque pertenceria ao grupo de mulheres que tentavam libertar-se de uma série de preconceitos de género e de um destino que lhes impunha o casamento e a mater nidade como únicos e últimos objectivos a alcançar.

De há algum tempo para cá, ser ou descrever-se como femi nista passou a ser visto por uma boa parte das mulheres como algo demasiado radical e agressivo. O feminismo passou a estar relacio nado com uma aversão ao masculino e a tudo o que representava. Para além disso, fruto de todas as conquistas das feministas dos anos 1960 e 70, já não se sentia como necessária a «inscrição» numa «luta» contra a desigualdade de género que fosse tão acintosa e ar regimentada. A confusão entre o ser-se feminista e o ser-se anti masculino ajudou a que o conceito se tornasse pouco simpático à sociedade em geral. Mesmo as mulheres que claramente seguiam o caminho aberto por todas as que as antecederam e que conti nuavam a quebrar barreiras e preconceitos demonstravam alguma hesitação em apelidar-se de feministas.

Porém, nos últimos tempos, o número de mulheres com poder que têm vindo a afirmar-se como feministas tem aumentado, tal vez mercê de notícias preocupantes que dão conta de crimes de gé nero a acontecer cada vez mais perto de «casa» (leia-se: Ocidente) e de mentalidades que ou regridem com grande rapidez ou nunca progrediram e sentem-se agora confortáveis o suficiente para se mostrar numa sociedade ocidental cada vez mais confundida.

Emma Watson fez um interessante e importante discurso nas Nações Unidas, no qual se assumia como feminista, depois de algu mas experiências que a fizeram perceber que havia ainda muito ca minho a percorrer na luta pela igualdade de género. Experiências que poderão ser partilhadas por muitas mulheres, desde o conside rar-se uma mulher que dá a sua opinião de forma clara e decidida como «mandona» ou «arrogante», não fazendo idêntico juízo de va lor para um homem nas mesmas condições, até ao escrutínio total ou parcial do seu corpo e comportamento.

Preocupante é certamente a tendência crescente para a cul pabilização da vítima feminina em crimes sexuais ou passionais. Ou porque a mulher, se não quer ser atacada, se deve vestir de cer ta maneira, ou comportar de certa maneira, ou porque, se não quer ser perseguida ou morta pelo seu companheiro, deve apresentar-se como modelo de virtudes, para evitar a «vergonha» e a «desonra» do homem, como se de mera propriedade se tratasse. A mulher não é propriedade de nenhum homem, porque o ser humano é ineren temente livre e igual perante o seu semelhante. Tanto mulheres co mo homens são semelhantes na medida em que são seres humanos. Como tal, a liberdade e a igualdade das mulheres em relação aos ho mens é, para mim, inquestionável.

Não falo, obviamente, das pequenas diferenças que nos carac terizam. Falo, sim, das enormes características que nos aproxi mam. Isso, principalmente isso, leva a que me considere como fe minista: como alguém que lutará sempre contra uma sociedade que considere inferiores as mulheres, que lhes queira impor certos com portamentos, atitudes, códigos morais que visem o seu domínio ou subjugação.

A luta não é (se é que alguma vez foi) contra os homens, o univer so masculino ou sequer as mulheres que não se inscrevam nos ideais feministas. A luta será contra duas coisas que estão na base de todas as injustiças: a ignorância e a vontade cega de poder.

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
05/10/13


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