A Europa na Líbia
A sociedade Ocidental está a colapsar. Não sou catastrofista, tenho poucos medos, mas sinto em cada dia com mais amargura que a Europa perdeu valores civilizacionais, projectos dignos de futuro e lideranças.
Ao contrário do que possam pensar, não estou a falar da crise financeira ou de uma qualquer dívida externa. Estou a falar da nossa incapacidade de nos rebelarmos contra as formas mais degradantes de exibir perante o mundo o resultado das contradições execráveis que os donos do poder civilizado desenvolvem na sua política externa.
Nunca gostei do coronel Muammar Kadhafi.
Não gosto de ditadores de direita nem de esquerda, ponto.
Se ele tivesse mandado torturar os meus filhos, os meus amigos ou os filhos dos meus amigos, não sei como reagiria à sua morte.
Não condeno os líbios, que em filas intermináveis esperaram horas para poderem constatar que ele, o comandante, o senhor, o monstro, era de carne e osso e também morria sem honra nem glória.
Quem sou eu para condenar a expressão do sofrimento recalcado de um povo esmagado em nome de uma pseudo-revolução de esquerda?
O que eu me sinto já no direito de criticar é a hipocrisia ocidental. Há muito pouco tempo, líderes do Ocidente recebiam-no como um estadista – bizarro, mas estadista –, mandavam aviões participar em festivais que ele inventava para se glorificar, e iam tomar chá de menta à sua tenda, perante o olhar lascivo das valquírias. Ora, passado menos de um ano, mandavam talvez os mesmos aviões bombardear o seu palácio e chamavam-lhe vilão.
DIZEM que foram defender o povo líbio. Mas qual?
O que lhes parecia que ia ganhar a guerra e ao qual, portanto, era preciso conquistar já a confiança?
A lógica da guerra é sempre criminosa e patética.
Os senhores do poder, cujas campanhas eleitorais foram em muitos casos financiadas por Kadhafi, cedo trocaram de ‘dono’ e chamaram à sua venda ‘acção humanitária’.
Nós, os civilizados patetas de serviço na douta Europa, fomos brindados durante dias com as imagens infra-humanas de homens em fúria a torturar o anterior carrasco.
As crianças do meu país não têm que ver a reprodução destes crimes.
Algumas, muitas, não têm em casa um adulto tão adulto que seja capaz de desligar o televisor nas horas dos noticiários, embora saibamos todos que essa não é a solução.
Depois, os ‘bons’, aqueles que a civilizada Europa foi ajudar, puseram o corpo em exibição pública e declararam que não lhe fariam autópsia, mas lhe fariam um enterro digno. Digno de quê e de quem?
Pressões diplomáticas, que como sempre desconhecemos, lá os levaram a dizer que tinham feito uma autópsia e que o homem tinha morrido de tiros. Pois se eles foram disparados quase em directo, a novidade é espantosa!
É demasiado sujo e medíocre para se chamar a isto ‘direito à informação’.
Já me basta saber que isto acontece, não preciso que me sirvam as imagens directamente no prato.
Pelo que ouvi dizer ao chefe provisório dos ‘rebeldes’, agora no poder, a Constituição vai abolir todas as normas que sejam contra os ensinamentos do islamismo. Que islamismo?
Mudam as moscas – e nós, os desenvolvidos, os civilizados, a servir de Sheltox.
Tão importante foi o assassinato de Kadhafi que os media europeus quase não tiveram tempo de festejar a decisão do que restava da ETA de terminar unilateralmente a luta armada.
Foi no mesmo dia.
IN "SOL"
31/10/11
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