Insuficiências
Queriam que ficássemos mais pobres, e o
país empobreceu. Queriam-nos mais flexíveis, mais baratos, e o país
criou o seu batalhão de precários quinhentos-euristas. Queriam-nos mais
dóceis, e o país aguentou. Aguentou a troika e o Governo Passos/Portas.
Aguentou o ataque aos salários, os impostos e a humilhação. Porque em
terra de cristãos a culpa não morre solteira, a preguiça é um pecado e
os povos honrados pagam sempre as suas dívidas. Ou assim nos foi dito.
Tudo
o que Portugal recebeu desta Europa na última década foi autoritarismo e
austeridade. Uma terapia de choque sem qualquer fundamento económico ou
racional. Puro radicalismo ideológico misturado com uma boa dose de
preconceito. Afinal, as declarações de Dijsselbloem não são mais do que
uma interpretação rasca do discurso oficial da irresponsabilidade dos
países do Sul.
Se excluirmos os juros,
Portugal tem hoje o saldo orçamental mais elevado da Europa. Demasiado
foi sacrificado para obter esse resultado, mas dizem-nos que não chega. O
Banco Central Europeu quer agora sancionar o país pelos desequilíbrios
macroeconómicos. É claro que não importa para esta história que, segundo
as regras, o BCE não possa interferir com o poder político. E também
não interessa que, segundo o mesmo procedimento que o BCE invoca, a
Alemanha deveria ser multada. Sim, porque é tão desequilibrado o défice
comercial em excesso como é o excedente predatório. Não interessa nada. A
Alemanha é Alemanha, a França é a França, e em Portugal não chega.
Não
chega para o BCE nem para a Comissão Europeia, que veio ontem
recomendar mais cortes, mais permanentes. E também no sistema financeiro
não chega. Não basta vender uma parte do Novo Banco, querem garantir
que o Estado não manda, mesmo quando paga. Não chega, nem nunca vai
chegar.
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Pois vai sendo tempo de dizer
que uma Europa onde só cabe quem obedece é uma Europa onde a democracia
não chega, nem nunca vai chegar. E esse, sim, é o défice mais
insuportável de todos.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/03/17
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