HOJE NO
"OBSERVADOR"
Morreu Francisco Nicholson,
um inovador na revista e na televisão
O ator, dramaturgo e argumentista Francisco Nicholson morreu esta
segunda-feira, disse à agência Lusa fonte da família. Nome fundamental
do teatro e da televisão portuguesas, construiu carreira também entre o
cinema e a música. Morreu em casa, aos 77 anos.
Francisco
Nicholson começou a fazer teatro aos 14 anos, no antigo Liceu Camões,
sob direção do encenador e poeta António Manuel Couto Viana, a convite
do qual veio a pertencer ao Grupo da Mocidade, que integrou com, entre
outros, Rui Mendes, Morais e Castro, Catarina Avelar e Mário Pereira.
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Até aos 21 anos esteve entre os palcos, os estudos e a marinha
mercante. Só depois se dedicou ao teatro de corpo inteiro. Recordou
esses tempos em entrevista à revista Sábado, em 2014: “Naquela altura
ninguém queria. Os meus pais exigiram que eu tirasse um curso. Quando
tivesse 21 anos podia seguir o que quisesse. De maneira que fui para a
Marinha Mercante, tirei o curso de pilotagem e embarquei. Aos 19 anos,
era oficial e dava ordens aos marinheiros barbudos, mas não podia ter
autoridade sobre mim.”
Estudou em Paris, frequentando a Academia Charles Dullin, do Théatre
Nacional Populaire, privando com grandes nomes do teatro francês, como
Jean Vilar, Georges Wilson, Gerard Philipe. Regressou a Portugal em 1960
e passou pelo Conservatório mas só durante três meses — abandonou
depois de um desentendimento com uma colega. Estreou-se como
profissional no Teatro Gerifalto, com a peça “Misterioso até Mais Não”,
um espetáculo infantil que o próprio Nicholson escreveu.
A
Companhia Nacional de Teatro e o Teatro Estúdio de Lisboa foram alguns
dos palcos por onde passou e onde interpretou obras de Strindberg,
Kleist ou Bernard Shaw. Foi ainda um dos atores que inaugurou o Teatro
Villaret, fundado por Raul Solnado. “O Inspector Geral”, de Nicolau
Gogol, esteve no Villaret em 1965 e tinha Nicholson como um dos nomes do
elenco.
Entre a revista e a TV
A revista foi uma das principais áreas de trabalho de Francisco
Nicholson, com o ABC, no Parque Mayer, como palco privilegiado das suas
interpretações e criações. Em “Bikini” teve o espaço que precisava para
se mostrar enquanto artista que ocupava todos os lugares: autor,
encenador e ator. Contracenou com Ivone Silva, Irene Cruz, Manuela Maria
ou João Maria Tudela. “É o Fim da Macacada”, “Tudo a Nu” (a revista que
tinha em cena no 25 de abril de 1974) ou “Não Batam Mais no Zezinho”
(escrita com Henrique Santana, Mário Zambujal, Rogério Bracinha e
Augusto Fraga) foram outras das peças que levou ao Parque Mayer e que
mais sucesso lhe deram.
Foi um dos responsáveis pela cooperativa teatral Teatro Adoque, a
mesma onde trabalhou a bailarina Magda Cardoso, que seria mulher de
Nicholson. Pelo Adoque passou gente como José Raposo, Maria Vieira,
Virgílio Castelo, Ana Bola, Henrique Viana e também António Feio. “Vai
de Em@il a Pior” (2011), revista que escreveu para o Teatro Maria
Vitória, com produção de Hélder Costa, e foi um dos seus últimos
trabalhos.
Foi também figura importante das primeiras décadas da televisão
portuguesa. Em 1964 fez parte de “Riso e Ritmo”, enquanto ator mas
também assinando a autoria e cumprindo as funções de produtor. Neste
programa trabalhou em conjunto com Armando Cortez e Luis Andrade, num
formato inovador para o humor televisivo da época.
Já no “Canto
Alegre”, outra série de humor transmitida em 1988, contracenou com
Marina Mota, António Montez, Magda Cardoso, Vera Mónica, Fernando
Mendes, Vieira de Almeida, Carlos Ivo, José Raposo e Maria João Abreu,
entre outros.
O papel de diretor em televisão desempenhou-o em
diferentes ocasiões mas ficaria também na história como autor de
novelas, especialmente a primeira do género produzida em Portugal, “Vila
Faia”, em 1982, que criou em conjunto com o colega de profissão e amigo
Nicolau Breyner, Thilo Krassman e Nuno Teixeira. Outras novelas, como
“Origens”, “Cinzas”, “Os Lobos” ou “O Olhar da Serpente” contaram também
com a assinatura de Nicholson.
“Homem de talentos”
Em declarações à RTP, o ator e encenador Rui Mendes, lamentou a morte
“Chico Nicholson”. “Conheci-o talvez com os meus 12, 13 ou catorze anos
no Liceu Camões, onde começámos a fazer teatro”, recorda. “Depois fomos
para o teatro do Gerifalto com o António Manuel Couto Viana, que foi o
nosso primeiro diretor e encenador. E aí o Nicholson já começava a
escrever. Escreveu duas ou três peças de teatro infantil.”
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Rui
Mendes descreveu-o como “um homem com imensos talentos, que escreveu as
melhores novelas que se fizeram neste país”. Referiu-se ainda a “O Olhar
da Serpente”, da SIC (2002-2003), como “uma excelente novela”.
“O
Nicholson com o Mário Alberto e outros atores foram responsáveis pela
renovação da revista portuguesa no ABC e depois no Teatro Adoque, a
partir de 1974, 75”, lembrou Rui Mendes: “Era um homem de imenso
talento. E tenho dito que ele era melhor argumentista do que ator. Foi
das pessoas que melhor escreveu revista, melhor escreveu telenovela
neste país, enquanto foi vivo, enquanto pôde, enquanto teve saúde. É com
muita tristeza que eu recebo a notícia da morte de mais um irmão para
se juntar ao Nicolau, ao Henrique Viana, ao Solnado e a tantos outros.”
“A
minha memória do Francisco Nicholson é muito forte e muito particular”,
confessou esta terça-feira Virgílio Castelo, também à RTP. “Estreei-me
com ele. E tive a sorte de encontrar um homem que era muito completo,
representava, dirigia, escrevia poemas de canções, fazia programas de
rádio.”Era um homem muito eclético”, disse o ator, que ainda classificou
Francisco Nicholson como “artista completo, um homem que fazia tudo e
grande parte das coisas fazia muito”.
Virgílio Castelo aponta
também a revista como uma das “grandes paixões” de Nicholson. Lembra-o
como “inovador, sobretudo a partir de 72-73”, também aproveitando
“alguma abertura de Marcelo Caetano” em relação aos textos. “A seguir ao
25 de abril, ele e o Mário Alberto, que era um grande cenógrafo e
artista plástico, inventaram uma companhia de teatro de revista [Adoque]
completamente independente do sistema, onde eu me estreei.” Recorda
dias num teatro “sem qualidade física”, um verdadeiro “barracão, como
nós lhe chamávamos”. Castelo recordou que era “o miúdo da companhia”:
“Fiquei com o Francisco e passei três anos a viver com ele,
praticamente. A beber dele grande parte daquilo que aprendi.”
Sobre
Nicholson enquanto escritor, Virgílio Castelo diz que Nicholson era
“brilhante”: “A dirigir e a escrever tinha uma eficácia muito maior do
que a representar.” Acrescentou, na mesma declaração: “Acho que ele
nunca foi dirigido. Como tinha aquela autoridade toda e com o prestígio
que tinha, talvez nunca tenha sido dirigido por ninguém suficiente forte
que pudesse extrair dele o que ele tinha lá dentro, como ator.”
À
agência Lusa, o escritor Mário Zambujal recordou Francisco Nicholson
como “uma pessoa rara, de uma grande educação, de um talento enorme, com
muito sentido de humor e muita graça”. Afirmou ainda tratar-se de um
homem “cheio de talento”, que fez coisas “muito interessantes também no
teatro musical” e que era “muito respeitado” por todos com quem
trabalhou.
A escrita e as canções
Ainda entre os palcos e a televisão, foi um dos autores do tema
“Oração”, com que António Calvário ganhou a primeira edição do Grande
Prémio TV da Canção. A música foi, aliás, outra das suas áreas de
trabalho, muitas vezes participando em concursos e festivais, com o da
Figueira da Foz, que ganhou em duas ocasiões, e até nas Marchas de
Lisboa, onde foi distinguido como autor em três edições.
Em 2014 estreou-se nos romances, ao lançar Os Mortos não dão Autógrafos
(Esfera dos Livros). Dizia nessa altura, na mesma entrevista à Sábado:
“É uma aventura que me rejuvenesce. Agora só me faltava ganhar o prémio
revelação. Há 50 anos já tinha amigos poetas a dizerem-me para fazer um
romance.”
Nasceu a 26 de junho de 1938. O pai, inglês (John Francis Quintela
Nicholson), foi um dos responsáveis pela Automática Elétrica Portuguesa.
A mãe (Maria Alice de Vasconcelos Marques) foi doméstica até começar a
trabalhar também no teatro, depois da morte do pai de Francisco
Nicholson — foi nessa altura que trabalhou em guarda-roupas, nos
bastidores.
Adepto do Belenenses, Nicholson vivia em Brejos de
Azeitão, onde escreveu o seu livro. Foi distinguido com a Medalha de
Ouro da Cidade de Lisboa e com o Prémio Beatriz Costa. Pai da atriz
Sofia Nicholson, o ator era casado com a bailarina e também atriz Magda
Cardoso.
Nos últimos anos, o estado de saúde de Francisco
Nicholson, doente hepático, agravou-se. Fez dois transplantes de fígado,
o último em 2011. Recentemente voltou a piorar e esteve novamente
internado no hospital Curry Cabral.
As cerimónias fúnebres do ator
e encenador começam quarta-feira, na Basílica da Estrela. O funeral
parte no dia seguinte, pelas 10h00, para o Crematório do Cemitério do
Alto São João.
* A cultura portuguesa enviuvou.
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