Um debate que encobre
o essencial
Custa-me a aceitar que pessoas com alguma cultura e algum bom senso
julguem que um país como Portugal, que viveu anos e anos 10% acima dos
seus recursos, pudesse corrigir esse desequilíbrio brutal sem
'empobrecer', quando a anterior 'prosperidade' era a crédito e com a economia quase estagnada. No entanto, é isso que sugerem vários políticos, incluindo na área da actual liderança do PS.
Infelizmente,
deles não ouvimos uma explicação sobre como cortar a despesa do Estado
sem reduzir salários da função pública, pensões, apoios sociais, etc.
Parto do princípio que nenhum socialista admite aumentar a presente, e
excessiva, carga fiscal. Talvez quando, e se, o PS for Governo nos
revele o seu segredo e o milagre aconteça.
Entretanto prossegue o
debate sobre a saída do ajustamento acordado com a troika: 'à
irlandesa', com programa cautelar, com um outro tipo de almofada, etc.
Mas raramente se fala num Tratado que está em vigor, o Tratado
Orçamental, subscrito por todos os membros da UE, com excepção do Reino
Unido e da República Checa.
Este acordo reforça a disciplina
orçamental, por imposição da Alemanha. A participação portuguesa no
Tratado foi aprovada no Parlamento com os votos do PSD, do CDS e do PS. O
Tratado exige que, a prazo, o défice estrutural das contas públicas
(isto é, descontando os efeitos conjunturais do ciclo económico) não
exceda 0,5% do PIB - este ano, com sorte, o nosso ficará em 4%. E quando
a dívida pública ultrapassar 60% do PIB (a nossa é mais do dobro dessa
percentagem) o país em causa terá de a reduzir a uma taxa média de um
vigésimo por ano.
Parece-me este tratado um exagero de rigidez.
Mas é um compromisso que Portugal assumiu e terá de cumprir, sob pena de
os mercados nos exigirem juros incomportáveis, além das sanções
previstas no Tratado. Ora o PS não tira daí as inevitáveis
consequências: teremos austeridade orçamental por longos anos. Note-se
que ela seria ainda mais violenta caso Portugal recusasse cumprir aquilo
a que se comprometeu.
A discussão sobre como sair do programa da
troika é útil, em princípio. Mas arrisca-se a encobrir o essencial, que
é o imperativo de continuar a reduzir a despesa pública, de modo
permanente e estrutural e não apenas pontual, com as reformas e os
cortes que isso implica.
A querela sobre o programa cautelar
entrou na luta político-partidária, com eleições à vista. Os partidos da
coligação governamental encaram uma saída 'à irlandesa' como um trunfo
eleitoral. O PS, depois de ainda há meses garantir ser inevitável um
segundo resgate, considerou um programa cautelar uma derrota do Governo,
para corrigir mais uma vez o tiro e dizer que, afinal, talvez fosse
preferível um tal programa (pessoalmente também acho, mas os nossos
parceiros europeus - leia-se, a Alemanha - não parecem para aí virados).
Mas o que mais importa é a correcção a sério do défice orçamental, seja
qual for a saída do programa de assistência.
A pedagogia da
austeridade não foi o forte deste Governo, embora nos últimos tempos
tenha havido progressos. A pedagogia anti-austeridade da esquerda incita
os portugueses a voltarem ao despesismo, uma vez atenuada a crise.
Percebe-se da parte dos partidos de mero protesto, mas como enfrentará o
PS essa ilusão, que ele próprio alimenta, quando for Governo?
IN "SOL"
12/04/13
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