Orgulho e preconceito
Melhoremos a formação de educadores e professores, mas noutros aspectos.
O ministro Nuno Crato manifestou (mais uma vez, mas agora com a
gravidade ministerial) uma posição crítica relativamente às Escolas
Superiores de Educação (ESE) e às Ciências da Educação. Estas, sendo
essencialmente um saber, assente, tanto quanto possível, em dados
científicos baseados na experiência, constituem parte significativa do
currículo daquelas escolas de formação de educadores de infância e de
professores dos 1.º e 2.º ciclos.
A verdade, porém, é que essa posição reflecte um preconceito que o seu orgulho não lhe permite reconhecer:
– Os únicos testes internacionais em que o desempenho dos alunos portugueses ficou claramente acima da média foram o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study)
em Língua Materna (compreensão de leitura), tendo os alunos portugueses
de 10 anos ficado em 13.º lugar em 45 países (no mesmo nível da Itália e
da Alemanha e à frente da Austrália ou da França…); o TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study)
em Matemática (os alunos portugueses de 10 anos ficaram em 14.º lugar
em 50 países, à frente da Alemanha, por exemplo…) e em Ciências (em 16.º
lugar nos mesmos 50 países). (1)
Estes resultados datam de 2012,
correspondem a testes efectuados em 2011 – não há forma de os considerar
indicadores de que alguma coisa fosse mal na formação de educadores de
infância e professores do 1.º ciclo…
– Mais ainda: como Portugal
tinha participado no TIMMS em 1995 é possível avaliar a evolução dos
respectivos resultados neste período de 16 anos. O que se constata é que
Portugal foi o país que mais evoluiu em Matemática e o segundo dos que
mais evoluíram em Ciências. Ora o número de educadores e professores
formados pelas ESE só pode ter aumentado durante este período.
Não
digo que estes sejam os únicos dados a considerar na apreciação da
qualidade de formação de educadores e professores, mas são os únicos que
consistem em resultados quantitativos, objectivos, isentos e
transparentes tão do agrado do sr. ministro. Segundo os seus próprios
critérios, a qualidade da formação de educadores de infância e
professores do 1.º ciclo não pode, pois, estar em causa – a não ser que o
sr. ministro disponha de alguns outros estudos de que não nos dê
conhecimento – o que não é certamente possível depois de tantos anos a
defender a divulgação dos resultados dos testes internacionais.
A
formação de professores pode – e deve – certamente melhorar – mas acho
que não no sentido que o sr. ministro aprioristicamente desejaria.
Bem
podem os estudantes aprender Trigonometria que não será só por isso que
ensinarão melhor as operações aritméticas a crianças de sete ou oito
anos.
Bem podem os estudantes especializar-se em Camilo, Eça ou
Saramago ou no infinito pessoal da Língua Portuguesa que não será só por
isso que saberão ensinar melhor crianças pequenas a aprender a ler.
Bem
podem os estudantes tornar-se peritos em Cristalografia que não será só
por isso que satisfarão melhor a avidez de descobrir o mundo e a vida
de uma criança de cinco ou 10 anos.
Entendamo-nos: aprenderem mais
só lhes fará bem. Serem apaixonados pela sua área de estudo será sempre
uma vantagem. Mas há um saber específico para lidar com crianças pelo
menos até aos 11 ou 12 anos que é absolutamente necessário para se ser
educador ou professor e que é o que cabe às ESE.
Melhoremos, pois,
a formação de educadores e professores, mas noutros aspectos, por
exemplo, através da criação de um ano de indução (uma espécie de estágio
acompanhado nas escolas de 1.º e 2.º ciclos), findo o qual seria
admissível uma avaliação externa que contasse para a nota final dos
candidatos; ou através de um sistema de formação contínua cuja nota de
avaliação contasse para as colocações.
Tudo isto, é claro, dá
muito mais trabalho do que instaurar um exame arbitrário cuja única
função é responsabilizar os próprios pelo seu despedimento já decidido
noutras instâncias.
1) Ver CNE, O Estado da Educação, 2012., pp. 142 – 148. E Filomena Matos,
“Avaliações internacionais: Celebremos o que há a celebrar! In JL de 27/4/2013
Membro do Conselho Nacional de Educação
IN "PÚBLICO"
24/12/13
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