17/09/2013

HENRIQUE MONTEIRO

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A imoralidade do corte das pensões

(e outras imoralidades)


Há um certo consenso sobre a imoralidade inerente ao corte de pensões. Por um lado, porque há uma quebra de confiança num contrato com o Estado; porque atinge pessoas que não têm idade nem capacidade de, contando com aqueles rendimentos, poderem ir buscar outros (arranjar emprego, emigrar, fazer biscates); porque, enfim, a maioria não tem organizações representativas que os defendam, que façam lóbi.
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Ou seja, que a medida é imoral não me levanta dúvidas.
O problema é o que fazer para cortar a despesa do Estado. Henrique Medina Carreira que foi visto como uma Cassandra, mas que é hoje evidente que tinha razão, afirmava há anos que só havia duas maneiras de equilibrar as contas - cortar nos salários da administração pública e nas prestações sociais (porque isso corresponde a quase 80% da despesa). Claro que há muito por fazer noutros setores, nomeadamente em privilégios inacreditáveis que subsistem (e que por não terem ainda sido feitos, tornam o corte das pensões ainda mais imoral).
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É vergonhoso que um país tenha chegado a esta situação, da qual, mesmo a crescer 1% como aconteceu no último trimestre, demorará oito anos a sair. Tem de haver culpados -e não só no BPN e não só na banca; e não só na regulação do Estado sobre a banca; e não só na construção civil e nas traficâncias entre os partidos os empreiteiros. Era preciso haver Justiça, porque toda a política se faz para que haja justiça. Para que - havendo mais ricos e mais pobres - isso decorra da Justiça do esforço, da capacidade, do conhecimento, da criatividade serem recompensados. Mas em Portugal nada disto é recompensado, porque os impostos chegaram a níveis extrativos em que o Estado saca aos trabalhadores esforçados e preparados, metade, dois terços ou mais daquilo que o patrão gasta com eles. E isto também é imoral porque obriga um indivíduo a entregar cada vez mais dinheiro ao Estado em troca de cada vez menos. 
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Curiosamente, o corte nas pensões - que escandaliza (e bem) tantas personalidades, elas próprias pensionistas - leva a que o líder da oposição venha dizer (sem saber se o pode fazer) que reporá a situação anterior quando for Governo. Mas não ouço ninguém prometer o resto.
Ou seja, prometer-me a mim e aos muitos que estão na minha situação:
1)      Que repõem os  impostos ao nível de, digamos, 2002;
2)      Que repõem a perspetiva de reforma que eu tinha quando já trabalhava, por exemplo, há 30 anos (2008);
3)      Que devolvem as deduções aos impostos que tínhamos direito quando ganhávamos, em termos líquidos e absolutos, mais do que hoje;
Porque isto não é menos imoral do que o prometido aos reformados. É que, ainda menos do que aqueles, os quadros médios, os trabalhadores por conta de outrem que têm salários razoáveis ou bons, acima da baixíssima média portuguesa, são provavelmente os mais entalados nesta crise e ninguém os defende. Nem as associações patronais, a que não pertencem, nem os sindicatos que os têm por feitos com o patronato. Aqueles que, como eu, dentro dos oito anos que isto leva a compor-se, já entraram na idade legal da reforma, nem esperança têm.
E aqui têm porque já nem sequer me indigno. 
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Eu sei que isto vai ser cada vez pior.
Não tenho dúvidas. O britânico Antony Beevor, um dos grandes historiadores do nosso mundo, dizia sexta-feira ao 'Diário de Notícias' esta ideia que eu (com a  devida vénia, como se dizia) aqui deixo para reflexão: "Na Europa, nos últimos tempos, começámos a convencer-nos de que um certo nível de vida se tornou, de alguma forma, um direito humano básico (...) A presunção de que iremos continuar a usufruir de um certo estilo de vida simplesmente porque vivemos na Europa é uma ilusão perigosa. Não podemos pôr de parte a possibilidade de partes da Europa poderem vir a regredir para os níveis dos países em desenvolvimento".
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Há ainda quem pense que se trata apenas de uma conspiração. Mas para quem conhece o mundo isto é muito claro.

IN "EXPRESSO"
15/09/13
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