17/05/2012

ADRIANO MOREIRA


  

Os oráculos dispensáveis 

Por muito que a vida habitual tivesse uma promessa nas revoluções promissoras de futuros mais felizes, a programação dos princípios necessários e das práticas indispensáveis eram regularmente expressas em textos normativos que serviam de memória, de referência e também de informação. 

A desordem que os factos introduziram na ordem prometida pelos generosos textos do fim da Segunda Guerra Mundial viu progressivamente florescerem os centros de poder mais adivinhados do que conhecidos, e, por outro lado, mas estes mais visíveis na intervenção, os oráculos délficos de curto prazo, que em regra são inspirados por deuses sem boa intenção e com humildade. 

Sem boa intenção porque cuidam de anunciar agravos sobre o futuro dos povos, e humildes porque em cada dia corrigem facilmente os erros de vésperas, e de regra para enegrecer o nível das notícias desanimadoras. Tornam-se mais conhecidas as agências de avaliação, às quais os fiéis pagam os tributos indispensáveis para lhes animar a criatividade, não esperando que sejam condicionadas pelo tempo e hora do exercício da função de anunciadores. 

Na tremenda crise que nos envolve, é por isso que a coincidência dos discursos divinatórios com as datas em que fragilizam inevitavelmente os esforços dos países que mais são objeto da debilitação financeira, continua acreditada como sabedoria que decorre certamente de um livre exercício das regras das artes, e não das oferendas dos, ao mesmo tempo vítimas e fiéis, que lhes financiam a atividade.

 Conhecem-se sugestões no sentido de aumentar a concorrência pela criação de outras redes mais fiáveis, de intenção mais bem orientada para os interesses europeus, designadamente dos países mais atingidos pela crise, mas poucas se conhecem no sentido de deixar de pagar tributo às existentes, o que pode significar respeito pelos deuses desconhecidos que as inspiram. 

Em todo o caso, ainda que mantendo o nível do custo das propinas, seria mais de esperar uma capacidade de previsão a longo prazo, do que uma febre discursiva que por vezes nem sequer facilita entender uma profecia antes que apareça outra, mais urgente, mais destrutiva de vontades, de esperança, e de confiança na solidez dos fundamentos. De vez em quando, uma sede mais autorizada e reconhecida pela ordem que ainda consegue subsistir, como é o caso, por exemplo, do FMI, avisa também o mundo dos negrumes do futuro, mas a articulação do discurso oficial com as mensagens dos oráculos nem sequer ajuda o público destinatário a conseguir assumir uma linha média de conduta credível, tudo com irremediável descrédito para a pregada convicção de que as autoestradas da informação contribuíram para criar uma opinião pública responsável e sabedora, capaz de escolher lideranças fiáveis e programas credíveis que ajudem à superação da crise com um civismo que aceite ordeiramente os sacrifícios, como quem aceita tomar lugar numa frente de combate. 

A UNESCO teve uma das suas primeiras e graves crises no século passado, quando o problema de opinião pública mundializada não era tão premente, ao exigir uma regulação que preservasse o Sul pobre do mundo, dos abusos do poder informativo do norte rico, o que lhe custou a retirada dos EUA e da sua contribuição orçamental. 

 Não foi uma lição de autenticidade da ordem internacional, mas foi um aviso no sentido de reforçar as capacidades preventivas dos atingidos. 

 Nesta ocasião em que o globalismo é o facto, impor uma disciplina aos oráculos, que apenas favorecem fiéis desconhecidos, já não é apenas uma exigência do Sul pobre, é uma urgência da mundialização da desordem, que permite a extensão da falência dos Estados e das sociedades civis. 

 Os oráculos da dívida soberana não avisaram atempadamente da crise mundial que nascia à sua porta de residência e nacionalidade, e que se tornaria mundial, acompanhada, por vezes, da imputação da culpa a terceiros. 

Talvez fosse aconselhável recolherem exclusivamente ao trabalho doméstico, dando finalmente espaço à intervenção dos órgãos responsáveis pela ordem mundial, que ainda não foram chamados.



 IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" 
 15/05/12 

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