Direito de resposta:
Filha de Dinis Machado responde a
António Lobo Antunes
Rita Machado sobre a crónica publicada na VISÃO nº 1263, de 18 de maio de 2017, com o título “Subsídios para a biografia de Dinis Machado”
Quando
li esta crónica pela primeira vez, fiquei perplexa. Passa a ideia que o
meu pai era um homem absurdo, inadequado e incongruente. Efetivamente
tinha um lado que não se encaixava no mundo nem nos padrões das
organizações sociais, era uma pessoa muito singular. Lembrei-me então do
passado e da amizade profunda, que ele e o António tiveram. Na minha
adolescência, o que eu via do António em relação ao meu pai, era
admiração, orgulho. Frequentava a nossa casa e tinha fortes laços com os
meus pais. Dedicou-lhes a “Memória de Elefante”. É verdade que apoiou o
meu pai após morte da minha mãe e por isso lhe estou grata. Depois
houve uma rutura e o meu pai sofreu com isso.
Mas o estranho aqui é o conteúdo quase esquizofrénico desta crónica. Histórias inacreditáveis, ridicularização de pessoas mortas. O meu pai, que não passava por um indigente na rua sem lhe dar esmola, não recusaria um cigarro a ninguém. A minha bisavó tinha uma casa de prostitutas? Fiquei estupefacta. Pensei: Confunde realidade com ficção. É surreal. Mas, ficção ou realidade, são afirmações sobre a vida privada das pessoas que não se expõem nos media. São desprestigiantes e infames. Logo a palavra subsídios cheira a esmola, migalhas. Que levava toda a gente para casa?
Não, o meu pai não era toda a gente, naquele tempo. Era um amigo muito chegado. Há um misto de afeto condescendente com menosprezo. O António não tem o direito, principalmente com a responsabilidade que o seu estatuto público lhe confere, de dizer o que lhe apetece, ignorando as repercussões, precisamente porque tem um impacto e credibilidade nas massas, acima do normal. Ridicularizar e caluniar a memória do meu pai, com a agravante de ser numa altura em que estava fragilizado.
Ridicularizar o meu tio. Ridicularizar a memória do fadista Alfredo Marceneiro. Caricaturar publicamente pessoas reais e já mortas, sem possibilidade de defesa, como personagens de ficção, porque não é admissível cruzar elementos biográficos, factuais, com a deriva ficcional que nos faz não saber onde estamos. Senti uma arrogância narcisista de olhar os outros de cima. De querer contar a história de um pobre coitado que ajudou em tempos, para gritar ao mundo a sua enorme grandiosidade humana e colocar-se muitos degraus de valor acima dos outros.
Eu, como filha de um homem generoso, com um coração do tamanho do mundo, um talento genial, uma integridade absoluta e ao mesmo tempo uma simplicidade desarmante, que recusou cargos para subir na vida, recusou entrar nas máquinas dos lobbies das artes e da política, que viveu sempre de escrever e que despertava a maior admiração em quem o conhecia pela singularidade de uma personalidade rara e notável, não posso calar-me perante isto. Mas estes atributos não constam destes “subsídios para a biografia”. O meu pai tinha uma qualidade que eu considero a mais notável no mundo em que vivemos: Nunca se vendeu. E isso, sim, eleva-o acima de muita gente.
Mas o estranho aqui é o conteúdo quase esquizofrénico desta crónica. Histórias inacreditáveis, ridicularização de pessoas mortas. O meu pai, que não passava por um indigente na rua sem lhe dar esmola, não recusaria um cigarro a ninguém. A minha bisavó tinha uma casa de prostitutas? Fiquei estupefacta. Pensei: Confunde realidade com ficção. É surreal. Mas, ficção ou realidade, são afirmações sobre a vida privada das pessoas que não se expõem nos media. São desprestigiantes e infames. Logo a palavra subsídios cheira a esmola, migalhas. Que levava toda a gente para casa?
Não, o meu pai não era toda a gente, naquele tempo. Era um amigo muito chegado. Há um misto de afeto condescendente com menosprezo. O António não tem o direito, principalmente com a responsabilidade que o seu estatuto público lhe confere, de dizer o que lhe apetece, ignorando as repercussões, precisamente porque tem um impacto e credibilidade nas massas, acima do normal. Ridicularizar e caluniar a memória do meu pai, com a agravante de ser numa altura em que estava fragilizado.
Ridicularizar o meu tio. Ridicularizar a memória do fadista Alfredo Marceneiro. Caricaturar publicamente pessoas reais e já mortas, sem possibilidade de defesa, como personagens de ficção, porque não é admissível cruzar elementos biográficos, factuais, com a deriva ficcional que nos faz não saber onde estamos. Senti uma arrogância narcisista de olhar os outros de cima. De querer contar a história de um pobre coitado que ajudou em tempos, para gritar ao mundo a sua enorme grandiosidade humana e colocar-se muitos degraus de valor acima dos outros.
Eu, como filha de um homem generoso, com um coração do tamanho do mundo, um talento genial, uma integridade absoluta e ao mesmo tempo uma simplicidade desarmante, que recusou cargos para subir na vida, recusou entrar nas máquinas dos lobbies das artes e da política, que viveu sempre de escrever e que despertava a maior admiração em quem o conhecia pela singularidade de uma personalidade rara e notável, não posso calar-me perante isto. Mas estes atributos não constam destes “subsídios para a biografia”. O meu pai tinha uma qualidade que eu considero a mais notável no mundo em que vivemos: Nunca se vendeu. E isso, sim, eleva-o acima de muita gente.
IN "VISÃO"
07/06/17"
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