The Good Wife, o feminismo
e a sua versão para TV
A série que agora termina pôs tudo em causa, até as versões mais estereotipadas do feminismo. E da sua história.
Nesta semana acabou The Good Wife, a série
de culto, deixando órfãos os que a seguiam. O título não foi traduzido
em português. E não por acaso. Como fazê-lo? A boa esposa? A boa mulher?
A mulher devota? Pois. Tudo soa muito mal e retira a ironia que o
título em inglês esconde.
Durante toda a trama, foi sempre isso que esteve em causa. Quem
inventou a personagem de Alicia Florick – Juliana Marguiles, numa versão
madura da enfermeira que contracenou com George Clooney na série ER
– desafiou os estereótipos do que é ser uma boa mulher. E, com isso,
transgrediu as regras e os modelos a que estamos habituados com heróis e
heroínas – ou anti-heróis e anti-heroínas – televisivos.
Alicia foi a mulher traída que fica – e não fica – com o marido. A
mulher livre no privado mas casada em público. Que se apaixona mas tem
problemas de consciência. A «esposa» que volta ao trabalho depois de os
filhos estarem crescidos mas vive no dilema de não ser uma boa mãe. A
política reticente e a advogada que defende os clientes para além do bem
e do mal.
O subtexto de The Good Wife é o da definição do papel da
mulher na sociedade contemporânea – na mouche nos tempos que correm.
Nesse sentido, um final em que Alicia fica, sobretudo, sozinha é um
marco. Mesmo no variado panorama televisivo, as mulheres acabam sempre
dependentes de personagens masculinas – veja-se o maior exemplo disso, Scandal,
também a passar em Portugal na Fox Life. Para serem felizes precisam de
se casar, ficar com alguém, são alvo e objeto de paixões arrebatadas,
mas muito poucas vezes dominam a narrativa, sobretudo se forem
personagens principais.
«De forma notória, estavam ausentes da série as discussões sobre as mulheres poderem ter tudo», escrevia o jornal inglês The Guardian.
«Alicia era a mulher que tinha tudo – e cada vez mais, ela não estava
certa de querer tudo.» Alicia foi-se tornando cada vez mais forte, mais
decidida. Mesmo que as decisões tenham sido sempre dela – deixar de
viver com o marido, retomar a paixão da faculdade, sair da firma que a
acolhera, voltar, candidatar-se a um cargo político, desistir –, a sua
força foi sobretudo sendo revelada ao longo da série. A força, até, de
abraçar as zonas cinzentas da sua personalidade. Como, por exemplo, o
elevado sentido de humor.
Tudo isto se enquadra da discussão tantas vezes contraditória do que é
o feminismo hoje. E há duas confrontações interessantes com os
estereótipos feministas neste final de The Good Wife. Uma é
dita pela futura e inesperada nora de Alicia, que, ao elogiá-la por ter
«ficado com o seu homem», preconiza um género
cada-mulher-é-livre-de-fazer-o- que-lhe-apetece. A outra centra-se no
questionamento das típicas amizades femininas.
The Good Wife termina, como começou, com uma estalada na
cara. No primeiro episódio, Alicia era a traída e a autora da agressão.
No último, ela é a traidora e a vítima de um bofetão que lhe é dado por
Diane, e que põe fim não só à amizade entre as duas como ao sonho de
fazer a maior firma de advogadas de Chicago. The Good Wife trouxe para os mass media a modernidade e a revolução dentro do feminismo. E por isso ganhou um lugar na sua história.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
05/06/16
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