HOJE NO
"OBSERVADOR"
Médicos choraram quando o bebé nasceu
Médicos falam em situação "inédita" e emocionante. O bebé está, para já, de perfeita saúde e teria nascido mesmo que a família não quisesse pois o Ministério Público assim o tinha decidido.
Uma “situação inédita”, um “fenómeno da vida”, “uma história de
contrastes”. Cada um usou uma expressão diferente, mas todos os médicos —
das equipas que acompanharam a gravidez da mulher que estava em morte
cerebral desde fevereiro, no Hospital de S. José –, partilharam, esta
manhã, em conferência de imprensa, o mesmo sentimento, e atribuíram
méritos aos intensivistas que garantiram que a mãe pudesse ser uma “incubadora viva” do próprio filho que nasceu na terça-feira.
A equipa de cuidados intensivos fez um trabalho extraordinário. Esta mulher foi uma incubadora viva que doou o corpo ao seu filho”, ilustrou Gonçalo Ferreira, presidente da Comissão de Ética.
E foi essa comissão que optou por uma “decisão pró-vida” do feto,
decidindo pelo prosseguimento da gravidez, na medida em que tudo
indicava que aquele bebé era viável. E para garantirem que o mesmo
nasceria, até porque “a mãe tinha reiteradamente” expressado essa
vontade e porque já tinha sido ultrapassado o tempo legal para
interrupção voluntária da gravidez, estes especialistas contactaram o
Ministério Público que, “de uma forma inédita (…), aceitou tutelar
autonomamente esta vida fetal, caso houvesse contradições”.
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Em resumo, mesmo
que o pai da criança não quisesse que a gravidez prosseguisse ou
rejeitasse a criança, o Ministério Público garantiria a vida e a
proteção dessa criança porque “os pais não são donos dos
filhos”, explicou Gonçalo Ferreira. Esta criança era o segundo filho
daquela mulher e o primeiro do homem.
A verdade é que não foi
precisa a intervenção do Ministério Público pois, como qualificou o
diretor clínico do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa
Central (CHLC), Sousa Guerreiro, a família foi “impecável” e participou
em todo o processo desde o primeiro momento, assistindo ao desenrolar
da gravidez — com o que isso pressupõe como o crescer da barriga — com a
mulher ligada às máquinas. O filho que a mulher de 37 anos já tinha de
outra relação chegou a ir despedir-se da mãe à unidade.
Já a
presidente do conselho de administração, Ana Escoval, dedicou umas
palavras a toda a equipa: “Gostava de agradecer aos profissionais a sua
elevada disponibilidade, profissionalismo, competência, amor, dedicação e
emoção com que ao longo destas mais de 15 semanas foram fazendo
acontecer este fenómeno da vida. É com muito orgulho que estou à frente
deste centro hospitalar e que lidero estas equipas.”
“E foi interessante ver que as pessoas que estão habituadas a
todos os dias cuidarem, ver nos seus rostos a emoção, a lágrima, quando
aconteceu o nascimento”, rematou a administradora.
Susana Afonso, que estava a representar a unidade de cuidados
intensivos de neurocríticos, confirmou que “do ponto de vista emocional é
impossível não ficar afetado” com uma história como esta e contou que
“no início havia muita apreensão”, mas que “ao longo do tempo” se foram
sentido mais reconfortados.
Isto apesar das “muitas complicações”
que foram surgindo durante estes quase quatro meses. “Surgiram muitas
complicações e dificuldades que passaram por questões infecciosas e que
foram sendo diagnosticadas precocemente e sendo tratadas”, descreveu.
Bebé está “de perfeita saúde” e, se tudo correr bem, terá alta daqui a três semanas
O bebé, de sexo masculino, que nasceu no bloco operatório da unidade
de cuidados intensivos de neurocríticos do Hospital de S. José, foi,
ainda ontem, transferido para a unidade de cuidados intensivos de
neonatais da Maternidade Alfredo da Costa.
Ana Escoval garantiu que “o bebé nascido há quase 24 horas está
de perfeita saúde”, o que foi confirmado mais à frente por Teresa Tomé,
diretora da unidade de neonatologia da MAC: “Já fez ecografia e até ao
momento não revela sequelas importantes”.
Contudo, a médica da MAC fez questão de não dar garantias em relação ao futuro.
“O bebé nem tem ainda 24 horas. Não nos podemos comprometer com o
desenvolvimento futuro do bebé. Mas os exames feitos até agora não
revelam lesões. Só com 40 ou 42 semanas fará uma ressonância magnética
cerebral que vai precisar o grau eventual de lesão cerebral.”
Teresa Tomé sublinhou porém que 32 semanas é “uma idade gestacional com uma sobrevivência muito elevada”.
Confrontada
pelos jornalistas com o peso deste bebé prematuro — 2,350 quilos — a
médica respondeu que ainda não sabem explicar o porquê de ser bastante
superior ao que é habitual em prematuros. “A mãe foi mantida
artificialmente com todos os níveis hormonais e analíticos dentro de um
padrão médio”, garantiu a médica, acrescentando que “provavelmente
foram dadas hormonas à mãe para estabilizar o seu nível hormonal, em
relação ao que sabemos que está dependente do crescimento fetal, mas
felizmente o bebé ainda não manifestou, até ao momento, qualquer tipo de
alteração que nos leve a ficar apreensivos.”
Já em
relação à utilização de fármacos durante a gravidez, isso aconteceu “já
depois da fase da embriogénese (que é a fase inicial de desenvolvimento
dos órgãos) e portanto já foi numa fase bastante protetora em relação a
uma patologia malformativa”, além de que “os fármacos foram usados para
manter os níveis normais”, esclareceu Teresa Tomé. Também Ana Campos,
obstetra da MAC, já tinha dito que “os fármacos utilizados foram aqueles
que os nossos órgãos produzem quando estamos com as funções vitais
intactas”.
Este caso é inédito em Portugal e a nível mundial,
segundo a médica Susana Afonso, um estudo de 2010 apontava para um
período de 107 dias como o máximo que uma grávida em morte cerebral
tinha sido mantida artificialmente até o bebé nascer. Neste caso foram
também 107 dias. E, em média, nos casos conhecidos a nível mundial, os
bebés tinham 22 semanas de gestação quando a morte cerebral da mãe foi
declarada, neste caso o bebé tinha 17 semanas. Já as cesarianas
ocorreram, em média, às 29 semanas e meia. Este bebé nasceu às 32
semanas.
* Não é milagre da ciência, é ciência pura, o milagre está no coração de todos os que trabalharam para que este bébé nascesse.
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