HOJE NO
"DIÁRIO ECONÓMICO"
Túnel põe fim a velha expressão
"Para lá do Marão mandam os que lá estão"
O Túnel do Marão rasgou o mar de pedra que separa Trás-os-Montes do
Litoral e espera-se que ajude a eliminar o isolamento que suportava a
expressão: Para lá do Marão mandam os que lá estão.
O escritor Miguel Torga fala-nos de “um mundo” em que se vê “um nunca
mais acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a
pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de
angústia”.
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“De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza
desembainhada: - Para cá do Marão, mandam os que cá estão!... Sente-se
um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou?
Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o
grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena: - Entre! A
gente entra, e já está no Reino Maravilhoso”, conta Torga.
A sinuosa Estrada Nacional 15 (EN15), que serpenteia a serra do
Marão, foi durante anos e anos a principal via de ligação deste “Reino
Maravilhoso” para a zona do Porto.
Depois de anos de reivindicações por melhores acessibilidades, o
Itinerário Principal 4 (IP4) passou a ligar, por via rápida, Amarante a
Vila Real.
O IP4 encurtou a viagem, mas a ligação pela serra, com subidas
íngremes, curvas perigosas e sujeita às condições do tempo, nevoeiro e
neve, manteve a barreira natural que conduziu à expressão antiga e fez
com que a população e os políticos lutassem por uma autoestrada.
A Autoestrada do Marão, que inclui o maior túnel rodoviário da
Península Ibérica com quase seis quilómetros, deverá entrar em
funcionamento em abril, sete anos após o início da construção.
José Sócrates, o primeiro-ministro que lançou a empreitada, salientou
que a obra “vai acabar com a ideia de que haverá pessoas para cá do
Marão ou para lá do Marão” considerando tratar-se de uma “obra histórica
que ligará Trás-os-Montes à rede de autoestradas do país” e que
“marcará um antes e um depois”.
“Este é o ano em que acabará a barreira mítica do Marão, uma barreira
simbólica que fica agora definitivamente ultrapassada. Esta autoestrada
representa um fator de maior aproximação deste território ao litoral”,
afirmou o presidente da Câmara de Vila Real, o socialista Rui Santos.
Para o autarca, a nova autoestrada vai alterar o conceito de
distância e eliminar a “ideia de que havia perigo, que era uma viagem
incerta e que o tempo e as condições climatéricas muitas vezes não
permitiriam saber a hora a que se chegava ao destino”.
“O túnel vem acabar de vez, isso é verdade, com o estigma do
isolamento”, afirmou à agência Lusa Luís Ramos, presidente da concelhia
do PSD de Vila Real e deputado no Parlamento.
No entanto, para o parlamentar, este território já possui um conjunto
de ligações importantes, como a A24, que fazem com que a região “há
muito não esteja isolada do mundo”.
O presidente da Turismo do Porto e Norte, Melchior Moreira, referiu
que, com o túnel, passa a haver um canal que une o Marão e, assim,
geograficamente, deixa de existir “os de cá” e “os de lá”.
“Esta ligação traz consigo uma série mais-valias: aumenta a fluidez
do território, aumenta a visitação e aumenta a estada média, o que por
consequência aumenta os resultados financeiros para a cadeia do
turismo”, afirmou.
Luís Tão, presidente da Associação Empresarial Nervir, espera que a
nova via ajude a “desbravar a situação de encravamento” deste
território.
Mas o responsável olha para o provérbio de uma forma mais política e diz que “já há muito que os de cá não mandam nada”.
“Elegemos poucos deputados, elegemos menos deputados do que uma junta
de freguesia do Porto, portanto, no fundo, já deixamos de mandar há
muito tempo e acho que esse ditado já não tem sentido antes do túnel”,
frisou.
Para o empresário Jorge Santos, de uma transportadora de Vila Real, o
dito popular fica “esbatido” com o túnel, considerando mesmo que Vila
Real ficará com uma “maior centralidade” que lhe poderá conceder até o
título de “capital do Norte” numa eventual regionalização.
“Ficamos a 45 minutos do Porto e a 45 minutos de Bragança”, sustentou.
* Uma obra pública importante embora tardia.
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