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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/03/16
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Não somos todos iguais
Os últimos dias foram preenchidos com os
elogios à visita de Barack Obama a Cuba e aos modos suaves do presidente
americano, decisivos para que o degelo com meio século abra uma nova
oportunidade nas relações entre os dois países. Apesar de a prisão de
Guantánamo não ter sido ainda encerrada, o caminho também começou a ser
feito, reforçando esta ideia de grande moderação estratégica da Casa
Branca nas relações externas.
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No Iraque
e no Afeganistão, embora em ritmos diferentes, aconteceu o mesmo. Obama
adotou a mesma suavidade, lançando as bases para o diálogo e a retirada
militar onde antes reinava apenas confronto e belicismo. O acordo da
América com o Irão, permitindo o regresso de Teerão ao comércio
internacional de petróleo e a alguma normalidade nas relações
diplomáticas, é outro dos exemplos mais recentes desta viragem da Casa
Branca, que tem na Síria e no caos que a envolve mais um sinal da
vontade do atual poder de Washington de deixar de ser o promotor único
da paz mundial, reduzindo a sua esfera de influência.
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Os
EUA, com Barack Obama, deixaram de ser o polícia irrefletido que se
impunha no centro de grande parte dos principais conflitos planetários
e, depois, pagava a fatura. A América não saiu de cena, mas já não quer
assumir a liderança da mesma forma explícita, como aliás ficou claro a
seguir aos atentados de novembro em Paris. Na altura, o presidente
americano sublinhou que o terrorismo islâmico era uma ameaça, mas que
teria de ser combatido de outra maneira, com mais diálogo, com mais
paciência e com espaço para que os europeus, vizinhos do caos, dessem um
passo em frente. Isto Obama não disse, não assim, não com estas
palavras, mas estava no subtexto.
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O que
os atentados de ontem em Bruxelas, capital política europeia - que não
restem dúvidas nenhumas disto -, vieram confirmar foi que este recuo dos
EUA, concretizado ao longo dos últimos oito anos, deixou um vazio
explosivo que expôs a fragilidade da União Europeia e as suas enormes e
talvez insanáveis contradições.
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A
guerra na Síria confrontou e confronta os europeus com a chegada de
milhões de refugiados - um problema que não se resolve com um cheque
endossado à Turquia - e tornou ainda mais evidente a indisponibilidade
das comunidades imigrantes islâmicas para respeitarem os princípios e os
valores dos povos que as acolheram. O que acontece em Molenbeek, o que
se passa em Paris e em várias cidades francesas e noutras pela Europa
fora traduz esta intolerância militante e abrasiva que, de recuo em
recuo, cedência em cedência politicamente correta - a permissão do uso
de hijab sem limites, a eleição de fundamentalistas para cargos
públicos, o financiamento das mesquitas por países que sustentam o
terrorismo -, permitiu que o islamismo radical explorasse a desigualdade
em seu benefício.
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O proselitismo
islâmico agressivo, ancorado em versões primárias e primitivas da
religião, alimentou descaradamente esta espécie de niilismo geracional
que nos trouxe até aqui. E onde estamos hoje?
Estamos em guerra, embora muitos não queiram acreditar e insistam nas virtudes mágicas da tolerância universal. A paz e a grande moderação americana de Obama são, em si, saudáveis, são desejáveis, são para onde devemos caminhar. Mas não resolvem sozinhas o problema. A desintegração de Schengen, o regresso das fronteiras por razões de sobrevivência - não apenas de segurança - é a prova de uma derrota cultural e política que, a não ser emendada, rasgará a Europa.
Estamos em guerra, embora muitos não queiram acreditar e insistam nas virtudes mágicas da tolerância universal. A paz e a grande moderação americana de Obama são, em si, saudáveis, são desejáveis, são para onde devemos caminhar. Mas não resolvem sozinhas o problema. A desintegração de Schengen, o regresso das fronteiras por razões de sobrevivência - não apenas de segurança - é a prova de uma derrota cultural e política que, a não ser emendada, rasgará a Europa.
Estamos em
guerra, disse ontem François Hollande - e disse bem. O medo está entre
nós. Viajar significa arriscar - porque os atentados já entraram na
rotina. Tiramos os sapatos no aeroporto, fiscalizamos o passageiro do
lado, olhamos por cima do ombro, habituamo-nos ao terror. Comecemos
então pelo óbvio: não somos todos iguais. Ao reconhecer essa diferença -
evitando a islamofobia - fica mais claro quem somos, o que temos de
fazer, quem e o que devemos combater.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/03/16
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