À atenção de todos nós,
consumidores
A função da lei é a de nos proteger contra a fraude de outrem, mas não a de nos dispensar do uso da nossa própria razão
No
contexto de uma economia mundial devastada, em especial desde 2008, por
uma crise económico-financeira grave, onde a economia paralela
apresenta valores a rondar os 2 mil milhões de euros, i.e., cerca de
18,5% de toda a atividade económica da Europa, é proveitoso que todos
nós, cidadãos e consumidores, exacerbemos a nossa intrínseca capacidade
de vigilância e atenção, como modo de proteção contra o risco de
práticas criminosas que lesam a nossa dignidade e os nossos bolsos -
estima-se, em cerca de 5% da totalidade do nosso consumo.
Como
bem esclarecia Portalis, eminente jurista francês do século XVIII, a
função da lei é a de nos proteger contra a fraude de outrem, mas não a
de nos dispensar do uso da nossa própria razão. Não podemos portanto,
pacificamente confiar que nas mãos das entidades criadas para nos
proteger, na qualidade de consumidores, reside a salvação. A imbricada
teia administrativa e a frágil capacidade ao nível dos recursos, diminui
drasticamente a eficácia operacional das mesmas.
A fraude ao
consumidor enquadra-se genericamente num cenário subtil, não
aparentemente agressivo, e muitas vezes comercialmente apelativo. As
vítimas - nós, consumidores - somos facilmente distorcidos no nosso
comportamento económico, por fraudes que se traduzem em fenómenos
complexos, sofisticados e multifatoriais. Contudo, a nossa
vulnerabilidade é determinada com base no nosso conhecimento do mercado.
Sabemos que estamos a adquirir contrafação, se o artigo ostentar uma
marca que não olvidamos de preço substancialmente mais elevado; se nos
apresentarem preços inferiores para determinados tratamentos, facilmente
percecionamos a eventual menor qualidade dos produtos utilizados e se
comprarmos medicamentos pela internet, compreendemos implícita a
potencial lesão para a nossa saúde, que aqueles representam. É
efetivamente através de um julgamento sobre o valor, consubstanciado na
comparação entre o sacrifício do dispêndio monetário na compra e a
qualidade do produto, que decidimos. Porém, nem sempre é assim tão
simples.
Ao falarmos de fraude alimentar, os pressupostos
alteram-se necessariamente. Se não sou especialista em espécies
aquáticas, consigo diferenciar choco, de tiras de pota? Se adquiro uns
suculentos hambúrgueres de vaca, é fácil perceber que na sua composição
pode estar cavalo? Eventualmente doente antes do abate? E como aconteceu
o abate? Em condições legais e higio-sanitárias adequadas? Bom, aqui
chegados, resta-nos pugnar para que as tais entidades competentes façam
rigorosamente o seu trabalho e que, no capítulo legislativo nacional e
comunitário, sejam criadas as condições para uma eficiente investigação e
posterior punição eficaz dos delinquentes económicos.
Com
efeito, apesar da União Europeia não ter ainda definido fraude
alimentar, ao contrário de outros países, é comummente aceite que aquela
se verifica se, na ação delituosa, se reunirem três pressupostos: a
substituição ou adição intencional ou fraudulenta de uma substância a um
produto – aumentando desse modo o valor aparente do mesmo, com a
finalidade de ganho económico indevido – com a intenção de enganar o
consumidor, provocando ou não, perigo/efetiva lesão na sua saúde.
Concatena-se hoje, com laivos particularmente perigosos e alarmantes, o
risco de fraude, na pressão que o setor retalhista e outros sofrem na
atual conjuntura económica, para a diminuição dos custos de produção e
maximização do lucro, criando desvios significantes no nosso direito à
saúde pública e à sã concorrência.
A fraude alimentar é punida no
nosso ordenamento jurídico. O Decreto-Lei nº 28/84 de 20 de janeiro,
nos seus artigos 23º e 24º, tipifica dois crimes económicos, porque o
seu cometimento não é suscetível de criar perigo para a vida ou para a
saúde e integridade física alheias, mas antes lesa interesses económicos
dos adquirentes de determinado produto, a própria confiança do
consumidor e a economia na sua globalidade. Por seu turno, e previsto no
código penal, no artigo 282º, pune-se a criação de perigo para a vida
ou integridade física de outrem, através da corrupção de substâncias
alimentares ou medicinais.
Importa, por fim, que nesta atual
sociedade de risco, desconfiemos metodicamente por precaução, estejamos
atentos aos sinais de alerta comportamentais exibidos pelos autores da
fraude e criemos, em definitivo, uma atitude de consumo responsável.
IN "VISÃO"
25/02/15
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