04/01/2016

INÊS CARDOSO

.



Overdose sem sal

Foi com uma intervenção sem sal que Cavaco Silva se despediu das tradicionais mensagens de Ano Novo ao país, confirmando que o seu canto de cisne foram as palavras crispadas dirigidas contra os partidos de Esquerda aquando da indigitação de Passos Coelho. Palavras que, poucos dias depois, foi obrigado a engolir, aceitando que António Costa assumisse o cargo de primeiro-ministro.

É igualmente insossa que se anuncia a pré-campanha para as Presidenciais deste mês, que ontem fez arrancar nas televisões a maratona de debates previstos até ao próximo dia 9. Ao mesmo tempo que o presidente do passado falava aos portugueses, os telespectadores mais pacientes puderam circular por diferentes canais e ouvir as propostas de quem preferem para o futuro.

Se sete candidatos já esperados resultavam, em modelos de conversa a dois, numa ementa de dezenas de horas de frente-a-frente, a validação de três candidaturas adicionais provocou o caos. Aos debates parcelares há ainda que juntar dois encontros dos dez candidatos, um deles em rádio e outro em televisão. Em ambos os casos estão prometidas cerca de duas horas de conversa, que se adivinha seguramente polifónica.

Marcelo Rebelo de Sousa, que todos os dias elogia o facto de se perspetivarem debates "como nunca houve", apressou-se ontem a explicar ter sugerido que também os debates a quatro fossem a dois, multiplicando assim ainda mais os confrontos em causa. As grelhas de programação têm sido obrigadas a grande flexibilidade e é provável que este instável cenário venha ainda a sofrer ajustamentos.

O que ganhamos com tantas dezenas de horas de conversa? Muito pouco, atrevo-me desde já a dizer. Uma tão grande overdose dificilmente não causará desgaste e afastamento dos eleitores. E aos que estoicamente resistirem ao massacre, não é a multiplicação de confrontos que equilibra a possibilidade que cada um dos dez tem de se fazer ouvir. Pelo contrário, tanto frente-a-frente só beneficia quem, como o eleito-antes-de-o-ser Marcelo, está habituado a falar para quem o ouve em casa.

Modelos a cinco, ao estilo americano, facilitariam a apresentação equilibrada das várias propostas. E pelo menos assegurariam melhor espetáculo. Bem vistas as coisas, é isso que sobra na hora de ver quem vence quem, muito mais do que respostas objetivas quanto ao que propõe cada candidato.

*Subdirectora
  
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/01/16


.

Sem comentários: