Overdose sem sal
Foi com uma intervenção sem sal que
Cavaco Silva se despediu das tradicionais mensagens de Ano Novo ao país,
confirmando que o seu canto de cisne foram as palavras crispadas
dirigidas contra os partidos de Esquerda aquando da indigitação de
Passos Coelho. Palavras que, poucos dias depois, foi obrigado a engolir,
aceitando que António Costa assumisse o cargo de primeiro-ministro.
É
igualmente insossa que se anuncia a pré-campanha para as Presidenciais
deste mês, que ontem fez arrancar nas televisões a maratona de debates
previstos até ao próximo dia 9. Ao mesmo tempo que o presidente do
passado falava aos portugueses, os telespectadores mais pacientes
puderam circular por diferentes canais e ouvir as propostas de quem
preferem para o futuro.
Se sete candidatos já esperados
resultavam, em modelos de conversa a dois, numa ementa de dezenas de
horas de frente-a-frente, a validação de três candidaturas adicionais
provocou o caos. Aos debates parcelares há ainda que juntar dois
encontros dos dez candidatos, um deles em rádio e outro em televisão. Em
ambos os casos estão prometidas cerca de duas horas de conversa, que se
adivinha seguramente polifónica.
Marcelo Rebelo de Sousa, que
todos os dias elogia o facto de se perspetivarem debates "como nunca
houve", apressou-se ontem a explicar ter sugerido que também os debates a
quatro fossem a dois, multiplicando assim ainda mais os confrontos em
causa. As grelhas de programação têm sido obrigadas a grande
flexibilidade e é provável que este instável cenário venha ainda a
sofrer ajustamentos.
O que ganhamos com tantas dezenas de horas de
conversa? Muito pouco, atrevo-me desde já a dizer. Uma tão grande
overdose dificilmente não causará desgaste e afastamento dos eleitores. E
aos que estoicamente resistirem ao massacre, não é a multiplicação de
confrontos que equilibra a possibilidade que cada um dos dez tem de se
fazer ouvir. Pelo contrário, tanto frente-a-frente só beneficia quem,
como o eleito-antes-de-o-ser Marcelo, está habituado a falar para quem o
ouve em casa.
Modelos a cinco, ao estilo americano, facilitariam a
apresentação equilibrada das várias propostas. E pelo menos
assegurariam melhor espetáculo. Bem vistas as coisas, é isso que sobra
na hora de ver quem vence quem, muito mais do que respostas objetivas
quanto ao que propõe cada candidato.
*Subdirectora
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/01/16
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