O desprezo de quem vende
por quem compra
Descaramento
e falta de respeito. Pior, desespero e desprezo. Foi o que demonstrou a
Volkswagen para com reguladores e clientes. Inimaginável, impensável
até à denúncia do caso que acabou por ficar conhecido como dieselgate. Enganar meio mundo e dar-se ao trabalho de inventar um software
para manipular os números das emissões de gases poluentes é um ato
inqualificável - eventuais responsabilidades criminais estão por apurar
-, que deixa muitas dúvidas sobre a capacidade de regeneração da marca.
Alguma vez imaginou que a fiável Volkswagen seria capaz de uma coisa
destas? Quanto tempo demorará a esquecer-se de tudo isto de cada vez que
se cruzar com um carro alemão?
A estas dúvidas juntam-se outras,
igualmente pertinentes. Para já, em que ponto fica, agora, a promessa
que a indústria fez de criação de um negócio de diesel cada vez mais
amigo do ambiente? É verdade o que dizem os fabricantes de automóveis e o
sector da refinação de petróleo de que a inovação tecnológica faz do
diesel uma solução de futuro, cada vez mais eficiente e menos poluidora?
Vale a pena renovar frotas e apetrechar-nos de modelos cada vez mais
recentes, ou é tudo a mesma coisa? Afinal, talvez tenham razão os que
defendem uma guerra contra os motores a diesel e chegam a pedir que se
proíba a circulação destes carros nos centros das cidades. Em quem
acreditar, se sabemos agora que, em alguns casos, as regras, cada vez
mais apertadas, que têm sido exigidas aos fabricantes de automóveis têm
sido cumpridas com recurso a esquemas e aldrabices?
E há ainda uma
dúvida mais pertinente, que nos assalta a todos enquanto consumidores,
que consiste em saber se podemos confiar nas marcas de consumo e se não
há por aí mais nenhum grande grupo a tentar vender-nos gato por lebre. O
escândalo Volkswagen abre mais uma brecha na sensível relação de
confiança entre consumidores e marcas globais. Até que ponto o produto
que compramos é realmente aquilo que julgamos ser, porque nos garantem
que assim é? Num mundo cada vez mais complexo, rápido, digital e
tecnológico, esta dúvida pode ganhar proporções alarmantes. Até que
ponto os cereais, o hambúrguer, o aparelho de ar condicionado ou o carro
que compramos são exatamente aquilo que nos é anunciado pelos
vendedores? Os consumidores são, hoje, mais exigentes, têm cada vez mais
informação, os ativistas, que no caso Volkswagen tiveram um papel
determinante, aumentam a sua influência, mas, depois disto, não será
apenas a McDonald"s a ter de provar que o seu Big Mac é feito com 100%
de carne nacional. A desconfiança é destrutiva, pelo que se espera que
este tenha sido um caso isolado - e desprezível - de desprezo de quem
vende por quem compra.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/10/15
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