06/10/2015

SÍLVIA DE OLIVEIRA

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O desprezo de quem vende
 por quem compra

Descaramento e falta de respeito. Pior, desespero e desprezo. Foi o que demonstrou a Volkswagen para com reguladores e clientes. Inimaginável, impensável até à denúncia do caso que acabou por ficar conhecido como dieselgate. Enganar meio mundo e dar-se ao trabalho de inventar um software para manipular os números das emissões de gases poluentes é um ato inqualificável - eventuais responsabilidades criminais estão por apurar -, que deixa muitas dúvidas sobre a capacidade de regeneração da marca. Alguma vez imaginou que a fiável Volkswagen seria capaz de uma coisa destas? Quanto tempo demorará a esquecer-se de tudo isto de cada vez que se cruzar com um carro alemão?

A estas dúvidas juntam-se outras, igualmente pertinentes. Para já, em que ponto fica, agora, a promessa que a indústria fez de criação de um negócio de diesel cada vez mais amigo do ambiente? É verdade o que dizem os fabricantes de automóveis e o sector da refinação de petróleo de que a inovação tecnológica faz do diesel uma solução de futuro, cada vez mais eficiente e menos poluidora? Vale a pena renovar frotas e apetrechar-nos de modelos cada vez mais recentes, ou é tudo a mesma coisa? Afinal, talvez tenham razão os que defendem uma guerra contra os motores a diesel e chegam a pedir que se proíba a circulação destes carros nos centros das cidades. Em quem acreditar, se sabemos agora que, em alguns casos, as regras, cada vez mais apertadas, que têm sido exigidas aos fabricantes de automóveis têm sido cumpridas com recurso a esquemas e aldrabices?

E há ainda uma dúvida mais pertinente, que nos assalta a todos enquanto consumidores, que consiste em saber se podemos confiar nas marcas de consumo e se não há por aí mais nenhum grande grupo a tentar vender-nos gato por lebre. O escândalo Volkswagen abre mais uma brecha na sensível relação de confiança entre consumidores e marcas globais. Até que ponto o produto que compramos é realmente aquilo que julgamos ser, porque nos garantem que assim é? Num mundo cada vez mais complexo, rápido, digital e tecnológico, esta dúvida pode ganhar proporções alarmantes. Até que ponto os cereais, o hambúrguer, o aparelho de ar condicionado ou o carro que compramos são exatamente aquilo que nos é anunciado pelos vendedores? Os consumidores são, hoje, mais exigentes, têm cada vez mais informação, os ativistas, que no caso Volkswagen tiveram um papel determinante, aumentam a sua influência, mas, depois disto, não será apenas a McDonald"s a ter de provar que o seu Big Mac é feito com 100% de carne nacional. A desconfiança é destrutiva, pelo que se espera que este tenha sido um caso isolado - e desprezível - de desprezo de quem vende por quem compra.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/10/15

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