HOJE NO
"OBSERVADOR"
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“Vergonha!”
Parlamento aprova alterações
à lei do aborto
Os deputados despediram-se para férias no dia em que o tema 'aborto' regressou em força ao Parlamento. Gritos de protesto e trocas acesas de acusações marcaram uma tarde longa de votações.
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Foi ao som de gritos de protesto vindos das galerias – “Vergonha!
Vergonha!” – e do muito ruidoso barulho de fundo das bancadas da
oposição, que o Parlamento votou e aprovou esta terça-feira as
alterações à lei do aborto, que obrigam, entre outras coisas, ao
pagamento de taxas moderadoras nos casos de interrupção voluntária da
gravidez e a uma consulta de aconselhamento psicológico prévia à decisão
da mulher. O Parlamento, que realizou hoje a sua última sessão
plenária da legislatura, despediu-se assim entre gritos de revolta e
aplausos fervorosos.
Depois de quase cinco horas de votações
exaustivas na maratona final da sessão legislativa, estava reservado
para o fim o ponto mais aceso da sessão: o regresso do tema quente da
interrupção voluntária da gravidez, que a direita tentou empurrar para a
próxima legislatura mas que acabou por ter de ser votado ainda nesta
última sessão à boleia de uma iniciativa legislativa de cidadãos “pelo
direito a nascer”. Através de textos de substituição aprovados em
comissão parlamentar, a maioria PSD/CDS-PP acabou por aprovar a
obrigatoriedade de aconselhamento psicológico e social e de consultas de
planeamento familiar às mulheres que recorrem à Interrupção Voluntária
da Gravidez (IVG), assim como o fim do registo dos médicos objetores de
consciência. O mesmo para a introdução das taxas moderadoras, que passam
agora a ser obrigatórias em caso de interrupção voluntária da gravidez.
Mas fê-lo sozinha. E debaixo de chuva torrencial. No final,
aprovados os diplomas, as bancadas da esquerda a recuperarem o grito
inicial e voltaram a clamar “vergonha”. Os ânimos exaltaram-se e foi
preciso a Presidente da Assembleia intervir: “Fomos eleitos para sermos
livres e seguirmos as nossas opções”, disse, pedindo respeito pelas
opiniões contrárias. Uma vez mais, a intervenção mereceu aplausos da
maioria e a reprovação da oposição.
O argumento da maioria PSD/CDS
para abafar a chuva de críticas é de que “não vale a pena travestir o
debate” porque o que está em causa “não é recuperar o debate sobre a
despenalização da interrupção da gravidez, que ficou resolvida pela
sociedade portuguesa em referendo”, disse o deputado Carlos Abreu
Amorim. “Não vale a pena gritar”, chegou a pedir em tom mais calmo a
deputada centrista Teresa Anjinho. O que está em causa, disseram, é
“melhorar as condições para a mulher tomar essa decisão tão difícil na
sua vida”.
Mas a esquerda, e os manifestantes que estavam nas
galerias, não engoliram o argumento e criticaram em toda a linha o facto
de PSD e CDS estarem a aprovar alterações à lei do aborto, numa altura
em que “os números provam que as mortes por complicações no aborto
deixaram de existir, e o número de interrupções voluntárias da gravidez
está a diminuir”. Ou seja, se o atual regime está a dar resultado no
combate ao aborto clandestino para quê mudar?
“Caça às mulheres para caçar votos”
A intervenção mais quente que veio romper com a monotonia de uma
tarde longa de votações, terá sido mesmo a da deputada socialista Isabel
Moreira, que abriu as hostilidades e que, no final, foi aplaudida
largamente pelas bancadas à esquerda, tendo até tido direito a
cumprimentos do líder da bancada parlamentar.
“Hoje Portugal não
esquecerá que para a direita vale tudo: para caçar votos, caçam
mulheres”, começou por dizer a deputada socialista, deixando
inclusivamente uma promessa: quando (ou se) o PS for governo na próxima
legislatura, irá “revogar esta 25ª hora”. “Estamos perante um legislador
imbuído de maldade pura”, que pratica “terrorismo psicológico sobre as
mulheres”, acrescentou, referindo-se à obrigatoriedade de haver
consultas psicológicas no período de reflexão anterior à decisão de
abortar. “Querem transformar os objetores de consciência numa tropa de
choque”, acrescentaria depois o deputado comunista António Filipe.
As
críticas da esquerda, que desta vez esteve unida no conteúdo
das intervenções e nos aplausos mútuos, não dizem só respeito ao
conteúdo das alterações legislativas, que o PCP acusou de serem um
“retrocesso de décadas” a uma questão que ficou resolvida no referendo
de há oito anos, mas também à forma como o processo legislativo se
procedeu, à boleia de uma iniciativa legislativa de cidadãos e aprovado à
pressa justamente no último dia dos trabalhos. “Um golpe legislativo de
grande cobardia política”, acusou o deputado comunista António Filipe.
Também
a bloquista Helena Pinto deu a voz pelos ecos de “Vergonha!” que já se
tinham ouvido nas galerias, e acusou a maioria de querer votos e de ter,
por isso, cedido ao “setores mais fundamentalistas da sociedade”. O
argumento é o mesmo: as alterações à lei do aborto agora aprovadas são
um passo atrás na legislação saída da consulta popular de 2007.
Para
Helena Pinto, o que as introduções feitas à lei querem dizer é apenas
que as mulheres “não podem decidir sozinhas”. “O que estão a dizer é que
as mulheres que pensem em interromper a gravidez têm de ser tuteladas
porque não são responsáveis, porque são culpadas”, disse.
* Não é vergonhoso, é escabroso!
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