Crianças pirómanas
Diálogo
mas com adultos na sala", exigiu ontem, no fim de mais uma reunião do
Eurogrupo sem acordo, a diretora-geral do FMI. O grau de maturidade de
alguém costuma ser aferido em função da capacidade de não fazer birras,
não tomar decisões irracionais e assumir os erros. Mas pedir desculpa
não basta: é preciso tentar corrigir o mal e não voltar ao mesmo.
Vejamos
pois quem, nesta história, está a fazer birra, quem cometeu erros, quem
pediu ou não pediu desculpa e procurou emendar-se. Por exemplo: que
fizeram os gregos de errado? Elegeram um governo anti-austeridade, certo
- que, ao contrário do eleito em 2011 em Portugal, leva a sério as
promessas feitas aos eleitores. Mas antes deste braço de ferro com a
troika, que sucedeu, nos cinco anos desde o primeiro resgate, em maio de
2010?
A Grécia não cumpriu os programas que lhe foram impostos?
Não cortou salários e pensões (lá, ao contrário daqui, não houve a
"força de bloqueio" Tribunal Constitucional) e gastos sociais, não
aumentou impostos e transportes públicos, não chegou até a fechar a TV
pública (que só reabriu agora)? Não aplicou a receita austeritária que
lhe foi imposta, como aos outros países resgatados - sempre a mesma? Se
aplicou: ontem no DN um texto do comentador-chefe do Financial Times
Martin Wolf descrevia o efeito bombástico do "ajustamento" grego - "O
PIB real agregado caiu 27% (...), a taxa de desemprego chegou aos 28% em
2013, enquanto o emprego público caiu 30% entre 2009 e 2014".
Leiam-se
os documentos do próprio FMI sobre o cumprimento do programa grego:
todos assumem que os efeitos das brutais exigências foram muito
diferentes dos estimados. Do já célebre "erro dos multiplicadores" - o
efeito do corte de cada euro foi calculado pela troika muito abaixo da
realidade por ter usado uma fórmula errada - à ideia de que "as reformas
estruturais" (termo fétiche dos troikos que estamos para perceber, ao
fim destes cinco anos, que raio quer dizer, já que aquilo que assim
apelidam é invariavelmente corte de qualquer coisa) iam levar a "um
aumento da produtividade e a uma melhoria no investimento", passando por
não terem tido em conta a "quebra da confiança" (que qualquer bebé
previria), foi um não acabar de asneiras. Mas que se pode ler num estudo
de 2013 de técnicos do FMI, que assume todos estes erros?
Que "de
qualquer maneira uma profunda recessão era inevitável" e se a Grécia
tivesse entrado em default, diz o paper, "o mais certo é que a contração
fosse ainda maior". A sério, isto está escrito assim: se a troika não
tivesse acudido à Grécia, era capaz de ser pior. E o melhor é que, tendo
"acudido", quer, cinco anos depois, continuar a mesma brincadeira - ou
deitar fogo ao brinquedo, sem cuidar de saber se com isso incendeia a
casa. Está na altura de um bom par de estalos -- mas na Europa, pelos
vistos, não sobra ninguém para pôr ordem na criançada.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
19/06/15
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