Varoufakis e
o Largo do Rato
Comparar o programa dos economistas do PS ao
apresentado pelo ministro grego das Finanças ao Eurogrupo para
endireitar a Grécia é de uma maldade atroz mas irresistível. Porque
ambos dependem enormemente do que outros façam ou deixem fazer, e
apresentam contas que nos trazem à memória o velho ditado de que quando a
esmola é grande o pobre desconfia.
Numa altura em que o FMI e a OCDE
alertam para a grande probabilidade de o mundo desenvolvido viver um
longo período de crescimento "medíocre", qualquer desenho de políticas
corre o risco de não cumprir os mínimos de credibilidade se não partir
do pressuposto de que será mais provável uma pequena economia aberta –
com demografia a encolher, altamente dependente de energia importada e
sem ancoras firmes no tecido produtivo – crescer mais próximo de 1,5% do
que de 3%. Até pode ser que o cenário de crescimento do governo
subjacente ao Programa de Estabilidade se cumpra (2% em 2016). E até mesmo o dos socialistas,
que propõe um 'mix' orçamental que promete custar apenas mais duas
décimas ao défice de 2016 (3% em vez de 2,8%) e logo nesse ano aumentar o
ritmo de crescimento em sete décimas (para 2,4%), enquanto reduz a taxa
de desemprego em quatro, para 12,2%, face ao cenário central da
Comissão Europeia. Em ambos os casos, ver para crer.
Nas contas socialistas, que são as que se conhecem com maior detalhe,
este melhor resultado é explicado por uma aceleração do consumo privado
mas sobretudo do investimento alimentado pelos fundos europeus que
estão sub-executados e com taxas de co-financiamento nacional de saldo.
Logo em 2016, assume-se que o investimento cresça 7,8% e no ano seguinte
8,4%, quando o cenário da Comissão Europeia inscreve 3% e 3,7%,
respectivamente.
Antecipar um "choque de investimento" faz sentido numa altura em que
se espera o lançamento do Plano Juncker. Mas se falarmos com os bancos o
que nos dizem é que não é oferta de crédito que falta, incluindo a mais
barata e de longo prazo, como a disponibilizada pelas linhas do BEI. O
que falta, dizem, são projectos que prometam ser rentáveis, propostos
por empresas que não estejam para lá de sobreendividadas. Acreditar que
esta situação possa ser invertida no espaço de meses exige muita fé.
Como escreve o Negócios,
a quantificação das medidas dos economistas do PS, designadamente em
relação ao custo da reposição dos salários da Função Pública, da descida
da TSU, da abolição da sobretaxa de IRS, da redução do IVA para a
restauração e da arrecadação de receita com o regresso do imposto
sucessório, também já teve versões diferentes em dois dias e não bate
certo com os cálculos do Governo. No total, o cenário desenhado pelo PS
estima um impacto orçamental negativo de 460 milhões de euros em 2016,
quando os valores originais apresentados pelos doze peritos do PS
pareciam apontar para uma estimativa quase mil milhões de euros mais
elevada. Parte da diferença pode ser explicada por uns usarem os efeitos
líquidos e outros os brutos das medidas. Mas o risco de o plano
socialista prever despesa certa compensada com receita mais do que
incerta é real.
Ainda assim, faça-se justiça: o programa Varoufakis prevê gastar mais
1,1 mil milhões de euros enquanto arrecada seis mil milhões de euros de
receitas adicionais neste ano, através de 24 novas medidas em que
metade se resume a uma lista de sinónimos de "combate à evasão fiscal". À
falta de vocábulos alternativos para dizer o mesmo, uma delas dá-se
pelo nome de "iniciativas para aumentar a receita", vale uns módicos 450
milhões de euros e fornece uma boa pista para compreender porque,
passados três meses de novo Governo, persiste o desacordo entre Atenas e
quem a financia.
Em grau muitíssimo mais contido do que no caso grego, também o plano
socialista espera borlas da Europa na interpretação do Pacto de
Estabilidade, ao assumir que poderá ser aceite como "reforma estrutural"
– e, logo, passível de não contar para a observância dos limites e
ritmo de redução do défice - uma descida na TSU que, no caso dos
trabalhadores, será temporária para antecipar rendimento a troco de
pensões mais curtas para quem se reforme a partir da legislatura
seguinte. Por esta via, contribuições e pensões futuras serão mais
baixas, mas não necessariamente mais adequadas para garantir maior
sustentabilidade ao sistema - e, só em 2014, o Orçamento do Estado
transferiu mais de 1,2 mil milhões de euros para tapar o défice da
Segurança Social. É até provável que Bruxelas resista a uma estratégia
que passa por antecipar rendimentos para impulsionar a procura,
quando pela frente se pressente uma quase estagnação secular que tornará
avisado que se faça precisamente o contrário.
Em matéria de pensões, onde economistas do PS são cristalinos é na
conclusão de que devem ser a actual e futuras gerações de
trabalhadores a descontar mais tempo para receber menos, enquanto
se respeita na íntegra as pensões em pagamento. Com cerca de
dois milhões de reformados e pensionistas, cujo voto será decisivo na
escolha dos governos nas próximas décadas, estas propostas - e este país
- estará mesmo para os mais velhos.
O que parece ser estrutural – porque se quer perene – é a intenção
dos economistas do PS de reduzir os custos do trabalho para as empresas
que contratam sem prazo, através da redução da TSU a cargo da entidade
patronal. Essa é uma intenção que será bem-vinda na Europa, onde há
largos anos se prega que a carga fiscal sobre o trabalho deve ser
prioritariamente reduzida. A cartilha de Bruxelas sugere, porém, que
isso deva ser feito de forma orçamentalmente neutra – não à custa de se
fechar os olhos às regras de disciplina do euro.
Por último, não é difícil antecipar que a boa-vontade em Bruxelas
possa ser mais reduzida caso um Governo de um país recém-saído dos
cuidados intensivos da troika lhe apresente uma trajectória de
consolidação orçamental mais lenta, com mais dívida, na expectativa de
que o denominador, o PIB, tape os buracos.
E se o PIB desapontar? Tudo descarrila. Num cenário de instabilidade
que no limite possa passar pela saída da Grécia do euro, os economistas
socialistas admitem que o crescimento seja de apenas 0,5% ao ano durante
a próxima legislatura, que o desemprego persista em 13% até 2019, que o
défice se agrave progressivamente para 4,5% do PIB e que a dívida
pública continue a subir para 135%. Se os juros da dívida pública
escalarem, pedir de novo socorro à Europa (o FMI está farto de
apoiar países ricos) poderá, então, converter-se na única alternativa se
a opção for ficar no euro.
Talvez fosse prudente os partidos candidatos a governar
trabalharem mais sobre este cenário, porque a crise grega pode sossegar
mas vai perdurar.
E já que os economistas do PS esperam que "os movimentos políticos de
esquerda democrática da Europa" contribuam "activamente" para encontrar
uma "solução política que ponha termo à instabilidade vigente", talvez
fosse também útil chamar o ministro Varoufakis ao Largo do Rato – para
pedir-lhe que ganhe juízo e coragem para falar, o quanto antes,
verdade aos gregos.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
23/04/15
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