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HOJE NO
"OBSERVADOR"
Num momento a vida ficou
virada ao contrário.
E agora?
A Novamente lança o movimento Tudo ao Contrário, para recordar a importância da epidemia silenciosa - que é vivida, e sofrida, por dois testemunhos importantes.
António, na altura com 22 anos, esteve em coma induzido durante duas
semanas. Perdeu a capacidade de falar, de comer, de andar. “Não sabíamos
se ele nos conhecia ou não”, lembra a mãe. Era como se, a partir
daquele momento, tivessem de o fazer renascer.
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Ficou #tudo ao contrário. A expressão é o mote da campanha da Associação Novamente, que apoia as famílias e as vítimas de Traumatismos Cranianos Graves.
A “epidemia silenciosa”, como é apelidada pela Organização Mundial de
Saúde, pode provocar perda de memória, descontrolo emocional, alterações
de linguagem e de visão, mas tudo depende de caso para caso.
António
estava no Hospital de São José em Lisboa. Recebia a visita de umas
amigas que, depois das aulas, seguiam para o hospital. Faziam um
trabalho de estímulo para que António começasse a reconhecer os pais, os
irmãos e os mais próximos. Tiraram fotocópias a fotografias da família e
dos amigos em papel A4 e penduraram-nas nas cortinas ao lado da cama.
Depois, apontavam para as fotografias e repetiam os nomes das pessoas
que lá estavam. Fizeram ainda um quadro com frases básicas, como “tenho
sede”, “tenho fome”, “quero comer”, “quero falar”.
As quedas e os
acidentes rodoviários são as maiores causas de Traumatismo Craniano
Grave nos adultos jovens. Foi precisamente um acidente de automóvel que
mudou a vida de Andreia João. Em 2011, era modelo e viajava de carro com
Marta, também modelo. Iam a caminho de um trabalho no Alentejo. Marta
ia a conduzir, ultrapassou um traço contínuo e bateu contra uma
carrinha. O acidente aconteceu em Benavente. Ela partiu a bacia e teve
um ligeiro traumatismo, Andreia teve um TCE grave com muitas sequelas.
Esteve
dois meses em coma. “Quando acordei não sabia nada, não reconhecia
familiares, nem sabia quem eu era”. A memória é o que nós somos.
Perdê-la é perder parte de nós. Hoje, muitos dias depois, vai
recuperando a pouco e pouco fragmentos do passado. “Só me lembro de
coisas de quando era mesmo pequenina. Se vir alguma das gravações que
fiz para novelas ou filmes de desfiles, consigo ir buscar essas
memórias”. Andreia nunca sabe quando vai recuperar mais um bocadinho de
si. “Já me aconteceu passar num sítio e lembrar-me de coisas passadas
lá. É inesperado”.
O lado esquerdo do corpo sofreu bastante com o
traumatismo. Agora, tudo o que seja necessário fazer com as suas mãos é
uma tarefa complicada, como “atar os atacadores”, exemplifica. Nota
também dificuldades na fala, mas essas dificuldades lutam com o esforço
que Andreia faz para que o seu discurso seja percetível. Andreia
conversa connosco ao telemóvel a partir do Hospital Santa Maria, em
Lisboa. O TCE é persistente. Quatro anos depois, está de volta ao
hospital para ser submetida a uma nova cirurgia ao crânio.
A campanha da Associação Novamente
quer “dar uma oportunidade a quem precisa de começar novamente” e
ajudar à reintegração social das vítimas. Até 29 de março, os
responsáveis convidam as pessoas a tirar uma fotografia, virá-la ao contrário, usar a hashtag #tudoaocontrario e partilhá-la nas redes sociais. O objetivo máximo é a sensibilização para a causa.
António
passou por vários hospitais. Recuperou a memória de tudo o que se
passou antes do acidente, já escreve “perfeitamente” português e inglês e
está a estagiar na Faculdade de Engenharia do Porto. Hoje, a rotina do
rapaz de 27 anos passa por fazer fisioterapia duas vezes por semana,
terapia da fala duas vezes por semana, motricidade fina e cognitiva uma
vez por semana.
Faltam dois anos para terminar o curso de
engenharia. Dois anos são mais do que dois anos para António. “Ele quer
acabar o curso, mas é uma incógnita porque tudo isto é uma incógnita: os
médicos não lhe davam esperança nenhuma, diziam que o assunto era
gravíssimo e ele ainda agora acabou de chegar da natação, tomou banho
sozinho, vestiu-se a arranjou-se sozinho e agora está lá em cima sentado
a ler”, conta-nos a mãe Teresa, de 62 anos, ao telefone.
Andreia
já passou por várias fases. Conta com o apoio de família e amigos. Agora
diz estar “confiante” mas não esquece as fases mais complicadas. As
queixas que têm não são do seu corpo ou da sua mente. Queixa-se, sim,
mas dos outros. “Quando eu andava de cadeira de rodas, as pessoas não
tinham noção. Parece que pensavam que como eu estava sentada, podia bem
esperar. As pessoas não são respeitadoras, sabe?”
* Quando temos um amigo com traumatismo crânio encefálico devemos tomar consciência que seremos os "médicos" permanentes.
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