HOJE NO
"RECORD"
"RECORD"
Dentro do género
A questão da transexualidade no mundo do desporto ainda se fala de forma tímida mas Bruce Jenner colocou o tema na agenda
Aos 26 anos, Bruce Jenner chegava aos Jogos
Olímpicos de Montreal’1976 como recordista mundial do decatlo, mas como
um desconhecido. Bateu consecutivamente marcas pessoais e, no final,
medalha de ouro e novo recorde do Mundo. No imaginário ficou a volta de
consagração de Jenner, cheio de forças, enquanto os adversários tombavam
exaustos. Não é de admirar: era o atleta mais completo do Planeta.
Aquela
haveria de ser a última prova de Bruce Jenner. "Deixei as varas no
estádio. Estava farto", revelou. Numa altura em que o desporto olímpico
era amador, Jenner optou por capitalizar a fama.
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Fez publicidade, filmes, foi piloto de automóveis. Transformou-se numa figura mediática, ainda que o "boom" só surgisse em 2007, quando se tornou num dos integrantes do reality show "Keeping up with the Kardashians". O programa, focado essencialmente na família da terceira mulher de Bruce, Kris Kardashian, é um sucesso de audiências desde então.
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Bruce Jenner |
Fez publicidade, filmes, foi piloto de automóveis. Transformou-se numa figura mediática, ainda que o "boom" só surgisse em 2007, quando se tornou num dos integrantes do reality show "Keeping up with the Kardashians". O programa, focado essencialmente na família da terceira mulher de Bruce, Kris Kardashian, é um sucesso de audiências desde então.
Jenner
passou a viver na sombra da agora ex-mulher, mas voltou a ser
protagonista no início deste ano, quando a família reconheceu que o
campeão olímpico havia iniciado um processo de transição de género. Aos
65 anos, aquele que um dia foi o homem mais completo do Mundo, vai
tornar-se numa mulher. Jenner já havia feito operações plásticas, mas o
processo de transição só começou a ser mais visível no último ano:
surgiu com o cabelo longo, com maquilhagem e brincos. Em dezembro
confirmou que iria retirar a maçã-de-adão. De acordo com a imprensa
norte-americana, Jenner assumirá a mudança de identidade no verão.
Uma realidade
O
caso de Bruce Jenner é só um entre vários no desporto. Contudo, o seu
peso mediático ajudou a colocar o tema na agenda. Num mundo de regras
bem definidas como é o do desporto, a questão da transexualidade, não
sendo tabu, fala-se de forma tímida. O medo da discriminação é uma
realidade, mas não é o único desafio para um atleta transexual. Talvez
por isso grande parte opte por assumir a nova identidade só depois de
abandonar a carreira. O cirurgião JoãoDécio Ferreira, até 2011 o único
que realizava operações de mudança de sexo no Serviço Nacional de Saúde
(SNS), em Santa Maria, Lisboa, explica a transexualidade de forma
simples: "Um transexual é alguém que nasceu com corpo masculino e
cérebro feminino, ou vice-versa". E para fazer com que o corpo
corresponda ao cérebro são necessários anos de consultas de
acompanhamento, terapia hormonal – que dura toda a vida – e cirurgias
complementares. Todo o processo pode custar entre 25 e 27 mil euros.
"Num
processo de reatribuição sexual, para a fase pré-operatória estima-se
um período de cerca de três anos", sublinha a equipa da Unidade de
Reconstrução Génito-Urinária e Sexual (URGUS) do Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, neste momento o único hospital público que faz
este tipo de cirurgias, após a saída de João Décio Ferreira do SNS.
Para lá da não-aceitação entre os pares, a questão
do doping é outro dos entraves para os desportistas, nomeadamente na
transição de mulher para homem. "Os atletas transexuais são um desafio
único para as autoridades desportivas, que têm de decidir sobre a sua
elegibilidade", explica a Record António Júlio Nunes, jurista da
Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP). A testosterona, utilizada na
terapêutica hormonal na passagem de mulher para homem, "aumenta a força e
massa muscular, tamanho ósseo, conteúdo mineral e hemoglobina" e é uma
substância proibida, ao contrário do estrogénio, utilizado na transição
de homem para mulher. Apenas os atletas que tomam testosterona
necessitam de requerer uma AUT (Autorização para a Utilização
Terapêutica), o que não quer dizer que possam ter níveis superiores da
hormona no corpo. "Têm de ter uma exposição androgénica fisiológica
comparável, mas não superior, a um homem eugonadal", explica António
Júlio Nunes.
COI exige dois anos após operação
Em
2003, o Comité Olímpico Internacional (COI) aprovou o regulamento que
permite a transexuais participar em competições olímpicas. No entanto,
para evitar qualquer vantagem competitiva, o COI exige que "a
elegibilidade não tenha início antes de decorridos dois anos sobre a
gonadectomia [cirurgia de retirada dos ovários ou testículos]", frisa
António Júlio Nunes, da ADoP. Depois da cirurgia são exigidas outras
condições: as alterações anatómicas têm de estar concluídas (inclusive
os genitais), o reconhecimento legal do sexo deve estar confirmado pelas
autoridades, além da prova de que a terapêutica hormonal está a ser
administrada de forma verificável e por um período de tempo suficiente
para minimizar qualquer vantagem.
Luta pelo direito de competir entre iguais
A
vida de Mianne Bagger tem sido feita de vitórias. Não apenas contra o
preconceito, mas pelo direito de competir entre as mulheres.
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A golfista australiana, nascida na Dinamarca em 1965, iniciou a terapia hormonal aos 27 anos e três anos mais tarde submeteu-se a cirurgias para a mudança de sexo. Depois continuou a praticar a modalidade que abraçara aos 12 anos, mas agora como mulher. Chegou a integrar o top 10 das amadoras na Austrália – sempre com muitas golfistas a considerarem-se em desvantagem –, até que decidiu tornar-se profissional.Só que não tardou a perceber que a maioria dos circuitos no Mundo não autorizavam a presença. A pressão mediática acabou por ajudar a que disputasse um torneio profissional na Austrália, em 2004, mas as portas foram-lhe barradas, tanto no seu país como nos EUA, onde a líder do LPGA Tour fez questão de dizer que apenas mulheres "por nascimento" podiam integrar o circuito. Na Europa, o Ladies European Tour acabou por autorizar a sua participação, ainda em 2004, mas a LPGA só "quebrou" em 2010.
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Não só pela pressão mediática em torno de Bagger mas também pelo processo judicial de Lana Lawless, igualmente impedida de integrar aquele circuito. Uma batalha que a ciclista (BTT) Michelle Dumaresq também travou no Canadá. A federação chegou a considerar que ela devia abandonar a modalidade, mas depois de acesa discussão com a UCI, acabou por permitir que competisse. Isto debaixo dos protestos das outras ciclistas...
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Mianne Bagger |
A golfista australiana, nascida na Dinamarca em 1965, iniciou a terapia hormonal aos 27 anos e três anos mais tarde submeteu-se a cirurgias para a mudança de sexo. Depois continuou a praticar a modalidade que abraçara aos 12 anos, mas agora como mulher. Chegou a integrar o top 10 das amadoras na Austrália – sempre com muitas golfistas a considerarem-se em desvantagem –, até que decidiu tornar-se profissional.Só que não tardou a perceber que a maioria dos circuitos no Mundo não autorizavam a presença. A pressão mediática acabou por ajudar a que disputasse um torneio profissional na Austrália, em 2004, mas as portas foram-lhe barradas, tanto no seu país como nos EUA, onde a líder do LPGA Tour fez questão de dizer que apenas mulheres "por nascimento" podiam integrar o circuito. Na Europa, o Ladies European Tour acabou por autorizar a sua participação, ainda em 2004, mas a LPGA só "quebrou" em 2010.
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Michelle Dumaresq |
Não só pela pressão mediática em torno de Bagger mas também pelo processo judicial de Lana Lawless, igualmente impedida de integrar aquele circuito. Uma batalha que a ciclista (BTT) Michelle Dumaresq também travou no Canadá. A federação chegou a considerar que ela devia abandonar a modalidade, mas depois de acesa discussão com a UCI, acabou por permitir que competisse. Isto debaixo dos protestos das outras ciclistas...
Atletismo
Foi
6.ª nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, 7.ª no Mundial de Edmonton,
em 2001, e medalha de bronze nos Campeonatos da Europa de 1998 e 2002.
Tinha como melhor marca pessoal 4,70 m, que ainda hoje é o quarto melhor
registo da Alemanha.
"Há
muitos anos que me sinto num corpo estranho, e quem me conhece vê-o da
mesma forma que eu. Sou um homem num corpo de mulher". Foi com esta
declaração que a 21 de novembro de 2007, então com 27 anos, Yvonne
Buschbaum – que se debatia já há algum tempo com algumas lesões –
anunciou que ia retirar-se das competições para iniciar a terapia
hormonal (incluindo a proibida testosterona), para depois se submeter à
cirurgia com vista à mudança de sexo. "Estou consciente de que a questão
da transexualidade é um tema difícil, mas não quero ficar num jogo de
escondidas com a verdade. Peço a compreensão do público, peço que
respeitem a minha decisão e não tirem conclusões erradas", disse, ainda.
Tim Lobinger, atleta alemão do salto com vara, reagiu de forma curiosa
quando soube da intenção de Yvonne. "É preciso ter ‘tomates’ para tomar
uma decisão destas". Em janeiro de 2008 anunciou que passaria a
chamar-se Balian Buschbaum e nunca pensou em voltar a competir. Mas não
deixou o desporto. Balian tornou-se "personal trainer" e chegou a posar
como modelo em algumas revistas.
ATLETISMO
Yvonne Buschbaum - Salto com vara
Foi
6.ª nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, 7.ª no Mundial de Edmonton,
em 2001, e medalha de bronze nos Campeonatos da Europa de 1998 e 2002.
Tinha como melhor marca pessoal 4,70 m, que ainda hoje é o quarto melhor
registo da Alemanha.
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Yvonne Buschbaum |
Heidi Krieger - Lançamento do peso
A
medalha de ouro que ganhou no Europeu de Estugarda, em 1986, faz parte
do troféu anualmente atribuído na Alemanha a personalidades que se
evidenciam na luta contra o doping. É um dos rostos mais visíveis das
vítimas da política de dopagem massiva da antiga RDA.
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Heidi Krieger |
«São das pessoas mais discriminadas»
Ser
transexual não é propriamente uma escolha, mas a partir do momento em
que as pessoas o assumem, passam por momentos complicados, conforme nos
conta Marta Ramos, coordenadora de projetos da ILGA, associação que luta
pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero. "As pessoas
transexuais são das mais discriminadas", sublinha. "E quando decidem
submeter-se a cirurgias, não o fazem porque lhes apetece. Isto tem
impacto na vida imediata, no grupo de amigos, na família, nos estudos,
etc., e estão cientes disso. A discriminação sente-se a todos os níveis –
no acesso a bens e serviços, andar na escola, usar uma casa de banho ou
ter ou não emprego."
A questão da
identificação foi um grande problema, até há quatro anos. "Em Portugal a
lei que entrou em vigor em 2011 permite mudar no registo civil o nome e
o sexo sem ser necessário haver intervenções cirúrgicas. Antes, para
uma pessoa ver a sua identidade reconhecida, tinha de processar o
Estado. Esta lei foi uma grande conquista", congratula-se Marta Ramos.
OUTROS CASOS
COI precipitou escolha de Erika Schnigger
A
esquiadora Erika Schnigger foi campeã mundial em 1966 e hoje dirige uma
escola de esqui na Áustria, onde os alunos a tratam por Erik.
Em 1968 o Comité Olímpico Internacional ordenou que se submetesse a um exame, porque tinha dúvidas quanto ao seu género, e descobriu-se que Erika era um homem, mas que tinha nascido com órgãos sexuais internos. Submeteu-se a terapia hormonal, a cirurgias, e hoje é um homem. Casado e com filhos.
Erika Schnigger |
Em 1968 o Comité Olímpico Internacional ordenou que se submetesse a um exame, porque tinha dúvidas quanto ao seu género, e descobriu-se que Erika era um homem, mas que tinha nascido com órgãos sexuais internos. Submeteu-se a terapia hormonal, a cirurgias, e hoje é um homem. Casado e com filhos.
Futebolista criado como uma mulher
O
central da seleção de futebol da Samoa Americana nasceu homem, aparece
nas fichas de jogo como Johnny Saelua, mas entre a equipa é Jaiyah
Saelua, mulher e plenamente aceite.
É uma "fa’afafine", uma minoria
sexual do país considerada um terceiro género. Veste-se e age como uma
mulher (foi criado como tal) e não realizou cirurgia de mudança de sexo.
Participou nas eliminatórias para o Mundial de 2014.
Jaiyah Saelua |
Rei da montanha que agora é Philippa York
O
escocês Robert Millar dominou a montanha na Volta a França de 1984 e
foi 4.º na geral, atrás de Fignon, Hinault e Lemond. Correu ainda na
Vuelta e no Giro, permanecendo ligado ao ciclismo depois de abandonar a
carreira, como preparador físico. Mas em 2003 desapareceu.
Quatro anos mais tarde o jornal "Daily Mail" encontrou-o transformado numa mulher. Agora chama-se Philippa York e nunca falou publicamente sobre a sua transexualidade.
Philippa York |
Quatro anos mais tarde o jornal "Daily Mail" encontrou-o transformado numa mulher. Agora chama-se Philippa York e nunca falou publicamente sobre a sua transexualidade.
O marine que disputou o US Open feminino
Apaixonado
pelo ténis, Richard Raskin era médico oftalmologista na Marinha
norte-americana mas, depois de casar e ter um filho, em 1975 decidiu
submeter-se a um tratamento para mudar de sexo. Renée Richards passou a
ser tenista profissional e chegou a ser finalista do US Open em pares
mistos (1977), com Ilie Nastase. Foi treinadora de Navratilova.
* Um estudo bem elaborado para tirar as devidas ilações.
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