A perseguição dos curdos
Numa altura em
que se intensificam os combates entre o autoproclamado califado islâmico
e os curdos sírios da cidade de Kobani, na fronteira entre a Síria e a
Turquia, vale a pena perceber quem são os curdos, e porque a posse dos
seus territórios é tão importante.
O Médio Oriente é das zonas do
planeta mais rica em diversidade étnica e religiosa. Não nos podemos
esquecer que aqui nasceram as três principais religiões monoteístas, o
Judaísmo, o Cristianismo e o Islão que, por sua vez, sofreram
influências dos cultos antigos que se praticavam nesta região, onde se
desenvolveram as primeiras civilizações da humanidade. Os curdos são um
destes melhores exemplos, não só porque incorporam várias tribos, como
também professam vários credos. São dos povos mais antigos de que há
memória, sendo já mencionados nos registos escritos da Suméria, há mais
de cinco mil anos.
Sempre habitaram o denominado Curdistão, uma
região muito rica, hoje repartida pela Síria, Iraque, Turquia, Irão e
Arménia. Ao longo dos séculos, sobreviveram a diversas invasões, fizeram
várias diásporas, mas mantiveram a sua língua, cultura e identidade,
mesmo após a queda do Império Otomano, no fim da I Guerra Mundial, e a
criação do Médio Oriente que hoje conhecemos. Com o tratado de Sèvres
1919-1923, a França e a Grã-Bretanha dividiram o Curdistão por cinco
países, percebendo-se, assim, porque a independência e autonomia dos
curdos é geopoliticamente incómoda. É também nas montanhas do Curdistão
que nascem os rios Tigre e o Eufrates, as duas fontes de vida do Médio
Oriente que, graças ao declive dos seus caudais, prestam-se à construção
de barragens para produção de eletricidade, como seja o mega projeto
Southeast Anatolia Project, responsável pelo fornecimento de uma parte
substancial da energia da Turquia. Mais recentemente, descobriram que,
além do gás e do ouro, são a sexta maior reserva de petróleo do mundo,
levantando de imediato o interesse das maiores companhias mundiais, como
a Exxon, Total e Chevron.
Ao longo do século XX, as diferentes
etnias espalhadas pelos cinco países tentaram por várias vezes a
independência em guerras sangrentas, e tristemente célebres, sendo que
até os seus partidos políticos foram repetidamente proibidos de existir,
como na Síria, ou simplesmente considerados como organizações
terroristas, como o PKK da Turquia, PJAK do Irão.
No Iraque, desde
1992, e depois da Guerra do Golfo e estabelecimento de zona de exclusão
aérea no norte do país, o Curdistão conseguiu ter um governo próprio.
Após a remoção de Saddam Hussein, e a ratificação da nova constituição
do Iraque, em 2005, obtiveram o estatuto de região autónoma, sendo
conhecida pela segurança e estabilidade. Mas foi caso único, porque nos
restantes países a perseguição continuou.
Quando eclodiu a guerra
na Síria, país onde nem sequer eram reconhecidos como etnia, os curdos
começaram a lutar pela sua terra a norte e a leste, perto da fronteira
da Turquia e do Curdistão iraquiano, combatendo contra as tropas de
Assad, contra os rebeldes e agora, mais recentemente, contra os
jihadistas e takfirs do ISIS, estes últimos determinados em controlar a
água e o petróleo que os curdos têm.
Não será de espantar, por
isso, que a guerra pelo controlo das montanhas do Curdistão se agudize e
se intensifique. Se na da Síria assistimos a uma espécie de proxy-war,
ou seja, uma "guerra por procuração", onde as grandes potências
externas, não querendo envolver-se diretamente, tentam controlar e
defender os seus interesses, agora a todos convém enfraquecer os curdos.
Acresce-se o facto de serem muito tolerantes, e de professarem vários
credos tonando-os, por isso, alvos fáceis de justificar religiosamente,
quer pelos sunitas mais fundamentalistas, mas sobretudo pelos
energúmenos do califado islâmico, que os consideram infiéis.
Não se esperam tempos fáceis para os curdos.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/10/14
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