Uma coisa, em princípio, é outra coisa
Não há nenhum português que não tenha dinheiro depositado no BPN
Uma vez que não chegavam à Grécia Antiga notícias do Portugal
Moderno, Aristóteles entreteve-se a formular, sem qualquer remorso
intelectual, o princípio da identidade. Uma coisa é o que é, disse ele
com leviandade e desfaçatez. 2400 anos depois sabemos que, em Portugal,
uma coisa raramente é o que é. O ajustamento desajusta, o irrevogável
revoga-se, a requalificação não requalifica, o resgate não resgata e no
dia do regresso aos mercados não se regressa aos mercados. Deve ser bem
pouco estimulante viver num mundo em que as coisas são meramente o que
são. Mas nós, que vivemos num mundo em que as coisas são outras coisas,
não temos sabido aproveitar essa sorte. Quando a própria realidade é
troca-tintas, a vida torna-se uma questão de perspectiva. E cada um pode
escolher a que lhe serve melhor. Por exemplo, o BPN não é o pior banco
português, é o melhor. Em toda a história da banca portuguesa, foi a
única instituição a merecer a confiança de todos - mesmo todos - os
portugueses. Não há nenhum português que não tenha dinheiro depositado
no BPN. Sem grandes campanhas publicitárias nem ofertas mirabolantes,
conseguiram que todos os portugueses pusessem lá dinheiro. Em vez de
condená-los, vamos aprender com eles.
O mesmo se passa com o chamado segundo resgate. Há dois anos, o País
não conseguia baixar o défice nem controlar a dívida. Veio o primeiro
resgate, fizemos sacrifícios históricos, e hoje não conseguimos baixar o
défice nem controlar a dívida. Portanto, é necessário um segundo
resgate que nos salve do primeiro e nos ajude a criar condições para
que, dentro de dois anos, possamos pedir o terceiro.
Ora, o que eu proponho é que, falhado o programa de ajustamento,
Portugal não peça agora um segundo resgate, mas sim o terceiro. São só
vantagens: ninguém estranha, porque toda a gente sabe que não somos
muito bons com números; evitamos a aborrecida discussão sobre os
malefícios do segundo resgate, uma vez que afinal é o terceiro;
transformamos os resgates num hábito. Deixam de ser uma grave situação
anormal e passam a ser um procedimento financeiro de rotina. É tempo de
investir naquilo em que somos bons, e nós somos bons a falhar metas e a
pedir resgates. Acumular resgates não é sintoma de falhanço económico, é
gosto pelo coleccionismo. E as colecções são valiosas. Quem sabe se, no
futuro, um daqueles milionários chineses não deseja comprar-nos a
colecção de resgates por um balúrdio? Seria a salvação do País. Depois,
bastava investir essa fortuna num banco e em várias PPP, e a seguir
começar tudo de novo. E ainda dizem que não há alternativas.
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