Flexíveis,
mas pouco
O país anda suspenso por causa de 0,5%. É mais
ou menos esta a distância que separa a meta do défice orçamental de 4%
exigida pela inflexível ‘troika' da meta de 4,5% que o Governo português
está a pedir para o próximo ano.
Parece coisa pequena, mas não é assim
tanto: vale 800 milhões de euros e dela podem depender decisões tão
relevantes como mais ou menos impostos, mais ou menos desemprego, mais
ou menos cortes na despesa, mais ou menos austeridade, mais ou menos
desesperança. Não é por isso de estranhar que a flexibilização do
défice, mesmo que por míseros 0,5%, seja um novo credo na boca dos
portugueses, uma aspiração maior numa economia que ainda vive em
ajustamento forçado.
Há dois lados relevantes nesta moeda da ‘troika': um tem a ver
com execução, outro com expectativa. O primeiro significa que a folga no
défice, ainda que mínima, dá margem ao Governo para flexibilizar as
suas próprias políticas: pode reduzir o ritmo e agressividade nos cortes
da despesa, minimizar os níveis de desemprego, pode até dar espaço para
baixar ligeiramente a carga fiscal e aliviar a pressão sobre famílias e
empresas. E, claro, rouba-lhe argumentos para insistir na austeridade. O
outro lado da questão tem mais a ver com estímulos: dar mais um furo no
cinto da austeridade é dar um sinal de confiança aos portugueses, é dar
um incentivo para consumir e investir (um pouco) mais, é criar uma
expectativa mais optimista depois dos últimos anos de trabalhos
forçados.
Ninguém espere, contudo, que a flexibilização seja o fim de todos
os males. Embora possa refrear uma queda na economia, não garante uma
inversão automática nem um crescimento económico instantâneo. Mesmo que
possa aliviar a pressão das políticas de austeridade, não pode anulá-las
sob pena de comprometer toda a reforma do Estado que é vital para o
regresso do país aos mercados e a uma vida sem a dependência da
‘troika'. E, mesmo que possa aliviar as medidas restritivas necessárias
ao ajustamento orçamental, o certo é que quanto mais défice o país
estiver disposto a suportar, mais dívida terá de acumular - para pagar
mais tarde. E esse, é importante não esquecer, já é o problema que o
país tem nas mãos - e que os portugueses já estão a pagar.
Por tudo isso, é preciso cuidado com aquilo que se pede.
Flexibilizar seria bom, porque enquanto o pau (vulgo austeridade) vai e
vem, folgam as costas (que é como quem diz, o povo). Mas convém não
folgar em demasia: flexibilizar não é relaxar. Quanto maior a
flexibilização, maior o preço que se terá de pagar mais tarde - o que
significa que, antes de pedir mais tempo ou mais espaço de manobra, é
preciso garantir que se consegue suportar a dívida que aí se vai
acomodar. E também convém fazer bem as contas quando se pede ainda mais
que 0,5%, como o líder do PS, que gostaria de levar a flexibilização da
meta do défice até 5% - vamos conseguir sustentar mais 1%?
Seja qual for a decisão, sejam quais forem as contas, uma coisa é
certa: Portugal merece a flexibilização que anda a pedir. É como disse
esta semana o economista e catedrático alemão Friedrich Schneider:
"Portugal tem cumprido o programa de ajustamento, tem procurado reduzir
as despesas, aumentou os impostos, a população tem suportado grandes
sacrifícios." Melhor performance que a portuguesa, só a da Irlanda. Por
tudo isso, vale a excepção à regra. A flexibilização, mesmo que seja
apenas de 0,5%, é mais do que um brinde da ‘troika' ao país. É uma prova
de que, afinal, os portugueses não estão a mudar a sua vida em vão.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
20/09/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário