Swap:
manual de sobrevivência de Vítor Gaspar
Já se sabem os efeitos que os contratos swap
vão ter para o Estado e para as empresas públicas que a eles recorreram
para se financiar. Quando Pedro Passos Coelho chegou a São Bento, o
governo foi avisado, através de um despacho do Tesouro, que os seguros
de risco de algumas empresas públicas eram uma bomba relógio. Na altura,
as perdas potenciais eram de 1400 milhões. Vítor Gaspar não fez nada
e deixou a coisa andar. Só dois anos depois, quando a banca ameaçou
mostrar a factura, o ministro das Finanças foi obrigado a reagir. As perdas potenciais já iam em 3000 milhões. Mais do dobro de quando o governo tomou posse.
Havia que esconder as responsabilidades de Vítor
Gaspar por 1600 milhões potencialmente perdidos e lançar uma campanha
mediática. Que passava por três operações: lançar todas as
responsabilidades (que as teve) para o governo anterior, fazer voz
grossa (mas manter mão dócil) com as instituições bancárias e, exibindo a mais vergonhosa das cobardias, isolar alguns dos responsáveis (estavam no governo e impediam o passa-culpas do costume), salvando Gaspar e a sua principal secretária de Estado.
A história da demissão dos secretários de Estado envolvidos nos swap é das mais tortuosas a que assistimos nos últimos anos. Como se sabe, foi a secretária de Estado das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que conduziu, de forma bem pouco transparente (até houve contratos que se evaporaram
), o processo. Ela era, como diretora financeira da REFER e responsável por acordos deste género, a pessoa com mais interesse em apagar o rasto do crime.
Todos saíram. Ela ficou.
Duas instituições tuteladas por si trataram de investigar a coisa: a Inspeção Geral das Finanças e a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). Maria Luís Albuquerque começou por mandar a Inspeção Geral de Finanças investigar todas as empresas em causa. Todas? Não. A sua REFER ficou convincentemente de fora, como revelou a deputada Ana Drago numa intervenção, na semana passada, no Parlamento.
Duas instituições tuteladas por si trataram de investigar a coisa: a Inspeção Geral das Finanças e a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). Maria Luís Albuquerque começou por mandar a Inspeção Geral de Finanças investigar todas as empresas em causa. Todas? Não. A sua REFER ficou convincentemente de fora, como revelou a deputada Ana Drago numa intervenção, na semana passada, no Parlamento.
As várias empresas públicas fizeram negócios
diferentes? Maria Luís Albuquerque diz que sim. Convenientemente, ela
foi o único membro do governo com participação direta nestes contratos
que não fez nada de mal. Através de um jogo semântico que distingue
produtos "tóxicos" de produtos "exóticos", ficou ao leme do barco para mandar os seus colegas de governo e de swaps borda fora. Mas os resultados do relatório da consultora Stormharbour diz que dois dos contratos assinados pela secretária de Estado, quando estava na REFER, têm um grau de complexidade 4 (o máximo é 5). A IGCP aconselhou anular todos os que fossem superiores a 3. E esta semana ficámos a saber que dos seis contratos swap assinados pela REFER, cinco têm perdas seguras. Quatro deles têm a assinatura da secretária de Estado.
Ou seja, tirando a opinião da própria Maria Luís
Albuquerque, juíza em causa própria, não se vislumbra nenhuma razão para
dois secretários de Estado terem saído, por causa dos acordos que
assinaram, e a secretária de Estado que correu com eles do governo lá
continuar.
Mas não vale a pena verter lágrimas pelos membros do
governo, responsáveis por este monumental buraco (cerca de 40% do que o
governo cortou este ano nas despesas públicas e mais do que estava em
causa com a decisão do Tribunal Constitucional). Ficámos ontem a saber
que Paulo Braga Lino, ex-secretário de Estado da Defesa, voltou ao lugar do crime. Foi reintegrado no Metro do Porto, onde, como diretor financeiro e administrativo, assinou os contratos swap
que ditaram a sua demissão do governo. Teria de voltar para empresa a
que fora requisitado, dirão. Mas era obrigatório que fosse escolhido
como diretor administrativo? Ou seja, o que fez no Metro do Porto impedia-o de se manter no governo mas não o impede de voltar a dirigir o Metro do Porto.
Será interessante acompanhar o rumo dos restantes demitidos para
avaliar a ação moralizadora que Maria Luís Albuquerque dirigiu e da qual
se deixou de fora.
Segundo o parecer do escritório de advogados Cardigos e o relatório da IGCP o
governo tinha fundamentação financeira e jurídica para requerer a
nulidade das transferências para as instituições financeiras, recorrendo
aos tribunais. E propunha uma negociação firme com a JP Morgan. Mas, no dia 13 de junho, Maria Luís Albuquerque mandou pagar 21 milhões à JP Morgan para cancelar dois swaps da REFER.
Com este pagamento, foi a própria secretária de Estado a reconhecer que
os contratos que assinara como diretora financeira da empresa eram
especulativos e maus para o Estado. Ela, que garantira que os seus swaps nada tinham a ver com os restantes.
O governo já pagou mil milhões de euros para anular
perdas potenciais de 1500. Tudo indica que, se continuar a evitar a
litigância judicial, vá pagar 2000 milhões. Mais 600 milhões do que as perdas previstas quando Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque foram avisados do problema.
Concluirá o governo, ainda assim, que terá poupado dinheiro aos contribuintes: afinal de contas, pagaram menos do que as atuais perdas potenciais. Falso. Primeiro, porque estamos a falar de perdas potenciais, não de perdas certas. E elas foram trocadas por pagamentos seguros. Segundo, porque, sabendo que a Câmara de Milão recorreu aos tribunais, em casos bastante semelhantes, e venceu, é bem mais seguro dizer que o Estado pagou às instituições financeiras muito mais do que, ao que tudo indica, teria de pagar se recorresse à justiça. Gaspar fez o Estado perder dinheiro quando, há dois anos, ignorou os avisos que chegaram às Finanças. E volta a fazer perder por decidir não recorrer à justiça.
Concluirá o governo, ainda assim, que terá poupado dinheiro aos contribuintes: afinal de contas, pagaram menos do que as atuais perdas potenciais. Falso. Primeiro, porque estamos a falar de perdas potenciais, não de perdas certas. E elas foram trocadas por pagamentos seguros. Segundo, porque, sabendo que a Câmara de Milão recorreu aos tribunais, em casos bastante semelhantes, e venceu, é bem mais seguro dizer que o Estado pagou às instituições financeiras muito mais do que, ao que tudo indica, teria de pagar se recorresse à justiça. Gaspar fez o Estado perder dinheiro quando, há dois anos, ignorou os avisos que chegaram às Finanças. E volta a fazer perder por decidir não recorrer à justiça.
A JP Morgan provocou 444 milhões de euros em prejuízos potenciais para as empresas públicas (foi a que mais prejuízos causou à REFER). O governo pagou-lhe 304 milhões para anular estes contratos. Pouco foi o ganho para o Estado. Mas terá sido um mau negócio para a JP Morgan? Nem por isso. Ao
grupo financeiro que arranjou forma de sacar o mais possível do Estado
foi entregue, como bónus por este incómodo, a gestão da privatização dos
CTT. Com o dinheiro que receberam para anular contratos
especulativos e esta empreitada, fica tudo na mesma para a JP Morgan.
Compreende-se que, quem deposita todas as suas esperanças num
"regresso aos mercados", não queira aborrecer uma das principais
instituições financeiras do mundo. Amigos como antes. Para a próxima podem vir buscar mais dinheiro dos nossos impostos que ninguém se aborrece.
O papel de Maria Luís Albuquerque neste processo, a
forma como expulsou membros do governo mas garantiu que ela própria se
mantinha no lugar, o regresso de Paulo Braga Lino ao Metro do Porto e a
simulação de guerra com as instituições financeiras que acabou bem para
elas, deixam claro que esta purga teve apenas duas funções: esconder
as responsabilidades de Vítor Gaspar no avolumar da dívida e proteger a
sua secretária de Estado. A bomba ia rebentar nas mãos dos dois.
Assim, com prejuízos para os cofres públicos, trataram de se defender e
de não beliscar os interesses da banca, que, como sempre, saiu a ganhar
deste assalto.
IN "EXPRESSO"
25/06/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário