A paz do fingimento
O primeiro-ministro David Cameron está a ser alvo de acusações de
indiferença por ter ido passar férias a Ibiza com a mulher logo depois
do brutal homicídio no bairro de Woolwich de um soldado britânico por
radicais islâmicos.
O caso, que o Governo tratou como um acto de
terrorismo, chocou o país e qualquer pessoa que tenha visto as imagens
terríveis do assassino com as mãos ensanguentadas, a falar para uma
câmara como se o acto que acabara de cometer fosse plenamente
justificado. Perante a barbárie, David Cameron decidiu pegar na família e
ir para a praia. Como se esperava, a decisão foi usada politicamente
contra ele. Apesar de todas as explicações sobre como está perto de
Inglaterra e como é fácil comunicar hoje em dia, ninguém entende a
ausência neste momento assustador. Fico surpreendida com o erro de
Cameron. Qualquer político profissional sabe que é pago para fingir
preocupação. Sem esse fingimento não há paz.
Estupidez narcísica
Li
um artigo na Slate sobre um tema que ainda hoje intriga muita gente: o
bigode de Hitler. Não é um texto exaustivo, mas ficamos a saber que, no
início do século passado, aquele bigodinho que nos parece ridículo era
considerado elegante e aristocrático. Era conhecido por ‘escova de
dentes’, embora o da sinistra criatura nazi fosse uma versão mais
abreviada dos lados do que o original celebrizado pelo Kaiser Guilherme
II. Um amigo de Hitler, Ernst ‘Putzi’ Hanfstaengl, aconselhou-o a tirar o
bigode porque estava fora de moda, ao que este terá respondido que
voltaria a ser moda porque era usado por ele. O mais curioso é que o
bigodinho estava associado não só à personagem de Charlie Chaplin, como
era também usado por Oliver Hardy, que conhecemos por Bucha (do Estica).
É preciso ter um ego do tamanho do mundo para imaginar que o seu
bigodito apagaria da história os bigodes das duas personagens mais
geniais e divertidas da época.
Infantil e excelente
Reconheço
que há qualquer coisa de infantil nesta versão do Grande Gatsby,
realizado por Baz Luhrmann (Moulin Rouge, Romeu e Julieta e aquela
chatice da Austrália). O luxo, as festas, o guarda-roupa e o romantismo
de Jay Gatsby, o fascínio do vizinho Nick Carraway, a menina rica Daisy e
até a luxúria do seu marido Tom, tudo parece o mundo dos adultos visto
por olhos de adolescentes. O próprio 3D, que se impõe de uma maneira
espectacular durante o filme, parece um brinquedo de crianças. Mas o
filme também pode ser encantador para os adultos em geral, como foi para
mim. Gatsby está feito com ternura, ironia e inocência dramática. Mas o
filme não é perfeito. Tive de me abstrair de Carey Mulligan, uma das
actrizes menos interessantes que surgiram na última década. Mas, mesmo
com ela, e apesar dela, vale a pena ver esta versão opulenta do Grande
Gatsby com um Leonardo DiCaprio no seu melhor, sem aquela intensidade
cansativa a que nos habituou.
Onde menos se espera
Membros
em topless do grupo feminista ucraniano FEMEN invadiram a final do
programa Germany’s Next Top Model apresentado por Heidi Klum. No corpo
tinham escrito a tinta ‘Heidi Horror Picture Show’ e acusavam a
organização de se servir da indústria da moda para promover a
prostituição. No seu extremismo, as FEMEN tocaram num aspecto importante
para o feminismo mais conservador, que rejeita a objectificação da
mulher, que é contra a prostituição e a pornografia. O ponto é simples: a
exploração sexual não é aceitável. Não tenho nada contra esta visão do
mundo, pelo contrário, embora não tenha antipatia por Heidi Klum. Mas,
para as FEMEN, que aparecem despidas para chamar a atenção, a decisão
individual tem limites. Não cabe a nenhuma mulher decidir pôr o seu
corpo à venda. Ninguém tem o direito de ser explorado, vendido e
maltratado. Tenho simpatia pelas FEMEN, porque vejo coragem onde outros
vêem exibicionismo.
Não posso acreditar
Na
quinta-feira, 30 de Maio, houve uma greve do Metro. Sempre que a
actividade dos serviços é suspensa, quem sente de imediato os efeitos
dos protestos são os clientes da rede de transportes, além dos outros
que não têm motorista. Durante aquela manhã houve nas redes sociais
vários relatos de pessoas cujos carros tinham sido rebocados. Não tardou
que corresse o boato de que era tudo um plano concertado da EMEL. Com a
greve, o afluxo de carros em Lisboa tinha aumentado e era visível o
rodopio de rebocadores para trás e para a frente na cidade. Mesmo assim,
não quis acreditar na interpretação conspirativa que circulava. Não
quero imaginar que uma greve de transportes públicos se possa tornar uma
oportunidade de lucro. Claro que se alguém me mostrasse os valores
arrecadados naquele dia pela EMEL, mudaria de opinião. E se aconteceu o
que dizem, a minha ira fará cair raios e pragas de gafanhotos sobre essa
empresa impiedosa.
IN "SOL"
11/06/13
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