HOJE NO
"PÚBLICO"
Cáritas aponta falhanço das políticas de combate à pobreza em Portugal
Instituição da Igreja propõe que se retome "uma economia de serviços tradicionais que foram ultrapassados pelo self-service".
O Estado tem falhado no combate à pobreza, porque a sua actuação
rege-se segundo uma lógica assistencialista. A conclusão está contida
num estudo promovido pela Cáritas Portuguesa que é apresentado hoje, num
seminário sobre Economia Social, Emprego e Desenvolvimento Local,
e onde esta instituição oficial da Igreja reclama uma nova geração de
políticas sociais capazes de, muito para lá da atribuição de subsídios,
responder ao problema do desemprego, cujos números oficiais apontam já
para os 17,7%.
Considerando que, entre os novos pobres, se destacam os desempregados
que não encontram alternativas no mercado de trabalho, a Cáritas indica
mesmo uma bolsa de potenciais negócios ou actividades capazes de gerar
trabalho: na vertente ambiental e verde, guias e monitores para rotas e
guarda-rios; na vertente florestal e agrícola, tiradores de cortiça e
podadores de árvores de fruto e de floresta; na vertente de cuidados à
família e domicílios, cuidados de manutenção e vigilância das casas e
trabalhos de jardinagem e limpeza.
Trata-se, no fundo, de "retomar uma economia de serviços tradicionais que foram ultrapassados pelo self-service",
porque "algumas experiências de sucesso mostram que há algumas
oportunidades de negócio que podem responder a necessidades concretas
preferencialmente vocacionadas para agregados familiares de rendimentos
superiores ou para dar resposta a uma sociedade que envelhece", sugere o
relatório.
Intitulado Estratégia para a Promoção do Emprego e a Dinamização do Desenvolvimento Local enquanto Esteios da Inclusão Social,
o documento sistematiza ainda projectos de negócio "viabilizáveis no
quadro do desenvolvimento local e de programas de inclusão social de
cada pessoa". Assim, e em obediência ao propósito de "tornar as pessoas
excluídas em protagonistas do seu processo de inclusão", o estudo propõe
que as autarquias detentoras de bairros sociais apoiem a criação pelos
seus inquilinos de negócios ligados à manutenção e reparação das
habitações, de serviços de amas, disponibilizando instalações para o
efeito, e de apoios às famílias (cuidar de idosos, limpeza doméstica,
culinária, reparações e jardinagem).
Engraxadores e motoristas
Ainda a pensar na inclusão de pobres e desempregados com baixas
qualificações, o estudo sugere que estes poderiam encontrar
empregabilidade como engraxadores ou funcionários de estações de
serviço, "desde que as grandes empresas sejam incentivadas a, no âmbito
dos seus programas de responsabilidade social, reequacionar o serviço
que oferecem aos clientes, integrando o serviço de abastecimento da
viatura e de lavagem manual". Quanto aos engraxadores, o estudo sublinha
que se assiste, por exemplo em França, a uma estratégia de
revalorização da actividade, com várias empresas a oferecerem este
serviço nos eventos que promovem, como feiras e exposições.
Do mesmo modo, "várias oportunidades de venda ambulante podem ser consideradas". "Uma variante pode ser a venda de snacks
saudáveis perto de escolas, hospitais e estações de comboios",
concretiza o estudo, cujos autores sugerem que cada autarquia defina um
modelo deste tipo de equipamento urbano e viabilize uma rede com o
"selo" de negócio justo para disponibilizar aos seus desempregados de
longa duração.
A criação da figura do "avô" nas escolas, capazes de garantir a
ocupação de desempregados entre os 50 e os 65 anos de idade ao mesmo
tempo que se garantia ajuda extra na resolução de problemas de
integração e de episódios de violência nos receios, é outras das
sugestões. O estudo sugere ainda a venda de serviços de motorista em
viatura, a pensar nos idosos que, dispondo de carro, deixaram de o poder
conduzir devido à diminuição das suas faculdades.
A partir destas actividades, extensíveis a clusters como a
chamada economia verde, a agricultura e serviços sociais, passando pelo
envelhecimento populacional, cultura e manutenção e reabilitação urbana,
a Cáritas considera que será possível uma acção mais eficaz na redução
da pobreza associada ao desemprego e que tem nas baixas qualificações
das pessoas um dos denominadores comuns. Tal implicará, contudo, que o
país será capaz de superar a ideia de que a economia social deve ser
substancialmente financiada, passando a olhá-la como sendo, ela própria,
capaz de gerar riqueza privada.
Porque, muitos anos, muitos milhões e muitos planos depois, o risco de
pobreza continua a afectar 23,5% da população portuguesa, a Cáritas
propõe-se ela própria apostar na solução dos problemas sociais mais do
que no socorro a situações de emergência. "Os esforços desenvolvidos em
Portugal, quer pela Cáritas quer por outras entidades", conclui o
relatório, "têm sido globalmente decepcionantes no que respeita aos
resultados alcançados nas acções de combate à pobreza".
* Estamos nesta situação porque o governo continua a permitir que um punhado de pessoas continue a viver à margem da crise, é um conluio.
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