08/05/2013

DAVID DINIS

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Gaspar e os seus limites

Pouca gente terá percebido, mas a meio da longa reunião de terça-feira na Assembleia da República, o ministro das Finanças saiu da sala. Quando reentrou, porém, não foi sentar-se no seu lugar de ministro. Sentou-se, ao invés, nas cadeiras destinadas aos jornalistas e assessores. De frente para os deputados do CDS. Sorrindo, como um espectador.
Aquele foi só um momento, de entre vários de uma reunião estranha, com um ministro das Finanças que parecia querer vincar a imagem que a oposição (no Governo e fora deste) tentou criar dele.
Sigam a sequência.
Comecemos pelo estranho diálogo com Ana Drago: «A sr.ª deputada afirmou que eu fui eleito e deveria saber que eu não fui eleito coisíssima nenhuma!». A bloquista riu-se e respondeu: «Não nos esquecemos disso, os portugueses não o escolheram!». E assim fechou Gaspar: «Inteiramente de acordo».
Ainda no caminho bloquista, outra pérola. Pedro Filipe Soares questionava por que razão o ministro das Finanças tinha à sua frente o DEO e não o mostrava aos deputados. Que fez o ministro? Pegou nos papéis, alinhou-os e mostrou a capa do dito documento ao deputado. Com um sorriso, uma vez mais.
Prossigamos com as acusações ao moderado deputado do PS, Fernando Medina: o PS tem uma «patológica incapacidade de assumir os seus erros»; os polémicos swaps fazem parte de «um padrão de comportamento sistemático da parte do Governo socialista, de ocultação da dívida».
Depois, os recados para dentro da coligação de Governo. Disse Gaspar que um novo aumento de impostos «está aparentemente afastado» – deixando o social-democrata Miguel Frasquilho com os nervos em franja. Disse também que «neste processo» de ajustamento que se segue «o papel do Ministério das Finanças é explicitar a restrição financeira e o cenário macroeconómico. Porém, a especificação das medidas para alcançar esse esforço é uma responsabilidade do Governo como um todo».
Dito assim, parece-me claro que foi uma tarde penosa no Parlamento: se Vítor Gaspar queria deixar irritados todos, da oposição aos deputados da maioria, teve naquela tarde um invulgar momento de glória.
Em cinco horas apenas, Gaspar quis confirmar a imagem pública de um ministro que menospreza a importância de ser eleito; que menoriza a importância do debate transparente na Assembleia; que põe em causa a nova estratégia do próprio Governo de procurar consensos com a ala moderada dos socialistas, expondo nesse caminho a sua secretária de Estado a um ataque político e ajudando até a defesa dos bancos agora postos em tribunal; e até de um ministro em pleno braço-de-ferro público com o parceiro de coligação. Melhor que isto, só mesmo o 7-0 do Bayern ao Barcelona na Liga dos Campeões.
Chegado aqui, é hora de dizer que tenho uma estranha admiração por Vítor Gaspar. Desde os primeiros dias que o entendo como vital para o sucesso deste Governo – não só na justa medida do seu prestígio externo, mas também pela frieza com que tenta cumprir o seu enormíssimo desafio de tirar Portugal do resgate financeiro.
Não raro o elogiei. Não raro desvalorizei o que até dentro do Governo se vai dizendo dele – e acreditem que não é coisa boa.
No meu melhor entendimento, a maior parte dos problemas deste Governo não residem em Gaspar – com quem concordo em larga medida sobre a situação do país e na necessidade de consciencializar todos de que o caminho da consolidação orçamental está apenas no início.
Porém, depois da última terça-feira, fiquei com uma ligeiríssima impressão de que este ministro das Finanças está a perder a paciência. E, com isso, a perder a capacidade política – sim, política – para conduzir este difícil processo de ajustamento.
Espero ainda estar errado. Caso contrário, darei as boas-vindas ao ministro Paulo Macedo. É a mais velha lição da democracia: não há insubstituíveis.

IN "SOL"
06/05/13

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