Gaspar e os seus limites
Pouca gente terá percebido, mas a meio da longa reunião de terça-feira
na Assembleia da República, o ministro das Finanças saiu da sala. Quando
reentrou, porém, não foi sentar-se no seu lugar de ministro. Sentou-se,
ao invés, nas cadeiras destinadas aos jornalistas e assessores. De
frente para os deputados do CDS. Sorrindo, como um espectador.
Aquele
foi só um momento, de entre vários de uma reunião estranha, com um
ministro das Finanças que parecia querer vincar a imagem que a oposição
(no Governo e fora deste) tentou criar dele.
Sigam a sequência.
Comecemos
pelo estranho diálogo com Ana Drago: «A sr.ª deputada afirmou que eu
fui eleito e deveria saber que eu não fui eleito coisíssima nenhuma!». A
bloquista riu-se e respondeu: «Não nos esquecemos disso, os portugueses
não o escolheram!». E assim fechou Gaspar: «Inteiramente de acordo».
Ainda
no caminho bloquista, outra pérola. Pedro Filipe Soares questionava por
que razão o ministro das Finanças tinha à sua frente o DEO e não o
mostrava aos deputados. Que fez o ministro? Pegou nos papéis, alinhou-os
e mostrou a capa do dito documento ao deputado. Com um sorriso, uma vez
mais.
Prossigamos com as acusações ao moderado deputado do PS,
Fernando Medina: o PS tem uma «patológica incapacidade de assumir os
seus erros»; os polémicos swaps fazem parte de «um padrão de
comportamento sistemático da parte do Governo socialista, de ocultação
da dívida».
Depois, os recados para dentro da coligação de
Governo. Disse Gaspar que um novo aumento de impostos «está
aparentemente afastado» – deixando o social-democrata Miguel Frasquilho
com os nervos em franja. Disse também que «neste processo» de
ajustamento que se segue «o papel do Ministério das Finanças é
explicitar a restrição financeira e o cenário macroeconómico. Porém, a
especificação das medidas para alcançar esse esforço é uma
responsabilidade do Governo como um todo».
Dito assim, parece-me
claro que foi uma tarde penosa no Parlamento: se Vítor Gaspar queria
deixar irritados todos, da oposição aos deputados da maioria, teve
naquela tarde um invulgar momento de glória.
Em cinco horas
apenas, Gaspar quis confirmar a imagem pública de um ministro que
menospreza a importância de ser eleito; que menoriza a importância do
debate transparente na Assembleia; que põe em causa a nova estratégia do
próprio Governo de procurar consensos com a ala moderada dos
socialistas, expondo nesse caminho a sua secretária de Estado a um
ataque político e ajudando até a defesa dos bancos agora postos em
tribunal; e até de um ministro em pleno braço-de-ferro público com o
parceiro de coligação. Melhor que isto, só mesmo o 7-0 do Bayern ao
Barcelona na Liga dos Campeões.
Chegado aqui, é hora de dizer que
tenho uma estranha admiração por Vítor Gaspar. Desde os primeiros dias
que o entendo como vital para o sucesso deste Governo – não só na justa
medida do seu prestígio externo, mas também pela frieza com que tenta
cumprir o seu enormíssimo desafio de tirar Portugal do resgate
financeiro.
Não raro o elogiei. Não raro desvalorizei o que até dentro do Governo se vai dizendo dele – e acreditem que não é coisa boa.
No
meu melhor entendimento, a maior parte dos problemas deste Governo não
residem em Gaspar – com quem concordo em larga medida sobre a situação
do país e na necessidade de consciencializar todos de que o caminho da
consolidação orçamental está apenas no início.
Porém, depois da
última terça-feira, fiquei com uma ligeiríssima impressão de que este
ministro das Finanças está a perder a paciência. E, com isso, a perder a
capacidade política – sim, política – para conduzir este difícil
processo de ajustamento.
Espero ainda estar errado. Caso
contrário, darei as boas-vindas ao ministro Paulo Macedo. É a mais velha
lição da democracia: não há insubstituíveis.
IN "SOL"
06/05/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário