Terror e paixão
Em Alenquer e em Oeiras, duas mães mataram os
filhos, recentemente, num quadro de conflito conjugal ou de regulação da
responsabilidade parental.
Na Maratona de Boston, há poucos dias, dois jovens
irmãos de origem chechena, de 19 e 26 anos, fizeram detonar engenhos
explosivos, matando e ferindo inocentes. Haverá algo em comum entre
estes crimes?
Numa das suas ficções, Graham Greene
narra a situação de um homem que, depois de gerar um conflito
existencial entre a mulher e a amante, acaba por se suicidar, por ser
ele "o nó do problema" (título da obra, na tradução portuguesa).
Contrariando esta lógica de responsabilidade, são hoje frequentes os
conflitos passionais que acabam por atingir pessoas inocentes.
Na
verdade, repetem-se as situações em que mulheres abandonadas pelos
companheiros decidem matar os próprios filhos, imitando a Medeia de
Eurípedes (que, precisamente, matou os filhos para se vingar do pai, que
a traiu). A crueldade de Medeia, que põe a vingança acima do amor,
constitui um verdadeiro arquétipo que ressurge nos grandes conflitos
passionais.
Nestes casos, os protagonistas não se
limitam a optar pelo suicídio, pois não lhes basta acabar com a sua
própria história – precisam de fazer sofrer intensamente quem causou a
sua dor e de "apreciar" esse sofrimento, mesmo com o sacrifício de vidas
inocentes. Desataram os laços que os prendiam à normalidade e preferem a
tragédia a qualquer outra solução.
Em muitos
atos terroristas existe uma lógica similar. Há uma necessidade de
destruir um mundo "insuportavelmente injusto", em que até os inocentes
se tornam culpados pelo simples facto de existirem. Neste caso, o
sacrifício desses inocentes constitui o único modo de fazer sofrer o
Mundo, pelo qual os autores dos atentados se sentem atraiçoados.
Certos
atos de extrema violência e maldade revelam como as motivações éticas
deixam de funcionar em situações de grave crise existencial. Estes
homicidas procuram na destruição de outros seres humanos a solução para
os seus problemas de vida. Também na nossa vida coletiva as crises
sociais nos empurram, por vezes, para a guerra e o sacrifício de
inocentes.
Há sempre algo que funciona como o "nó
do problema" e que, se não é desfeito a tempo, conduz a uma tragédia
inexorável. Vivemos num tempo em que é necessário desfazer o nó que
produz desemprego e recessão, estrangula a comunidade e põe em causa a
coesão social. Talvez esse nó seja, em parte, o "responsável" pelo
aumento dos crimes passionais.
Professora Catedrática de Direito Penal
IN "CORREIO DA MANHÃ"
21/04/13
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