23/04/2013

FERNANDA PALMA

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Terror e paixão

Em Alenquer e em Oeiras, duas mães mataram os filhos, recentemente, num quadro de conflito conjugal ou de regulação da responsabilidade parental.

Na Maratona de Boston, há poucos dias, dois jovens irmãos de origem chechena, de 19 e 26 anos, fizeram detonar engenhos explosivos, matando e ferindo inocentes. Haverá algo em comum entre estes crimes?
Numa das suas ficções, Graham Greene narra a situação de um homem que, depois de gerar um conflito existencial entre a mulher e a amante, acaba por se suicidar, por ser ele "o nó do problema" (título da obra, na tradução portuguesa). Contrariando esta lógica de responsabilidade, são hoje frequentes os conflitos passionais que acabam por atingir pessoas inocentes. 
Na verdade, repetem-se as situações em que mulheres abandonadas pelos companheiros decidem matar os próprios filhos, imitando a Medeia de Eurípedes (que, precisamente, matou os filhos para se vingar do pai, que a traiu). A crueldade de Medeia, que põe a vingança acima do amor, constitui um verdadeiro arquétipo que ressurge nos grandes conflitos passionais. 
Nestes casos, os protagonistas não se limitam a optar pelo suicídio, pois não lhes basta acabar com a sua própria história – precisam de fazer sofrer intensamente quem causou a sua dor e de "apreciar" esse sofrimento, mesmo com o sacrifício de vidas inocentes. Desataram os laços que os prendiam à normalidade e preferem a tragédia a qualquer outra solução. 
Em muitos atos terroristas existe uma lógica similar. Há uma necessidade de destruir um mundo "insuportavelmente injusto", em que até os inocentes se tornam culpados pelo simples facto de existirem. Neste caso, o sacrifício desses inocentes constitui o único modo de fazer sofrer o Mundo, pelo qual os autores dos atentados se sentem atraiçoados.
Certos atos de extrema violência e maldade revelam como as motivações éticas deixam de funcionar em situações de grave crise existencial. Estes homicidas procuram na destruição de outros seres humanos a solução para os seus problemas de vida. Também na nossa vida coletiva as crises sociais nos empurram, por vezes, para a guerra e o sacrifício de inocentes.
Há sempre algo que funciona como o "nó do problema" e que, se não é desfeito a tempo, conduz a uma tragédia inexorável. Vivemos num tempo em que é necessário desfazer o nó que produz desemprego e recessão, estrangula a comunidade e põe em causa a coesão social. Talvez esse nó seja, em parte, o "responsável" pelo aumento dos crimes passionais.


 Professora Catedrática de Direito Penal

IN "CORREIO DA MANHÃ"
21/04/13

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