DOMINGO NO
"PÚBLICO"
Conselho contra a corrupção
deixa partidos de fora
As tentativas de envolver os partidos falharam, pois estes entendem
que o seu interlocutor é a Entidade de Contas que, no entanto, nunca foi
ouvida no Parlamento.
A resistência dos partidos a tudo o que possa ser entendido como
ingerência do Estado no seu funcionamento e as ambiguidades da
legislação em vigor levaram o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) a
excluir as organizações partidárias da sua esfera de acção. Uma
deliberação de compromisso adoptada em 2011 por aquele organismo
dirigido pelo presidente do Tribunal de Contas, que representava um
recuo face às posições decorrentes das sua primeiras recomendações,
acabou por não ter aplicação prática.
Criado em 2008 pela Assembleia da República como "entidade
administrativa independente, a funcionar junto do Tribunal de Contas", o
CPC debruçou-se longamente sobre o tema do financiamento dos partidos
políticos e das campanhas eleitorais entre Outubro de 2010 e Dezembro de
2011. Um dos seus membros, o advogado João Loff Barreto, que ali tinha
assento por designação da Ordem dos Advogados, produziu mesmo, nesse
período, 12 relatórios sobre diferentes aspectos.
Nos termos da lei que instituiu o CPC, a sua actividade "está
exclusivamente orientada para a prevenção da corrupção", nada sendo dito
quanto à natureza das entidades relativamente às quais ela pode ser
desenvolvida. A recomendação do Conselho que tornou obrigatória, no
Verão de 2009, a elaboração dos planos de prevenção de corrupção e
infracções conexas refere, contudo, que essa obrigação incide sobre
todas as "entidades gestoras de dinheiros, valores ou património
públicos seja qual for a sua natureza", sendo certo que grande parte das
receitas dos partidos são constituídas, precisamente, por dinheiros
públicos.
Por outro lado, a recomendação adoptada pelo CPC, em Abril de 2010,
sobre a publicidade dos planos de prevenção de riscos de corrupção
especifica que a publicitação desses planos tem de ser feita nos sítios
da Internet das "entidades gestoras de dinheiros, valores ou património
públicos, seja qual for a sua natureza, administrativa ou empresarial,
de direito público ou de direito privado".
Foi o entendimento inicial - reflectido nestas recomendações - de que
os partidos políticos se situam no perímetro de actuação do CPC que
levou à atribuição a um dos seus membros da responsabilidade de
acompanhar todas as matérias relacionadas com o financiamento daquelas
organizações e das campanhas eleitorais. No exercício desse mandato, o
advogado Loff Barreto escalpelizou as múltiplas facetas da questão, em
2010 e 2011, defendendo a obrigatoriedade de os partidos elaborarem os
seus planos de prevenção de riscos de corrupção e a legitimidade e
competência do CPC para lhes dirigir recomendações.
Num desses trabalhos defende-se a necessidade de alterar o regime legal
do financiamento dos partidos e apontam-se duas dezenas de situações
problemáticas a rever.
Solução de compromisso
A abordagem desenvolvida nesses relatórios, e as primeiras propostas a
que deu origem suscitou, porém, fortes reservas não só nos meios
políticos, como no próprio Conselho e no Tribunal Constitucional (TC),
órgão com a competência de fiscalizar as contas dos partidos, através da
Entidade das Contas e Financiamentos Políticos - organismo que, apesar
da sua especial competência, nunca foi ouvido pela Assembleia da
República (AR) sobre a realidade que fiscaliza. A ideia, que foi
trabalhada pelo CPC com a Entidade das Contas, apontava para uma acção
conjunta das duas entidades e dos partidos, com vista a tornar mais
eficaz a prevenção dos riscos de corrupção nas organizações partidárias.
A sua concretização foi objecto de controvérsia no Conselho e no TC,
acabando por vingar a tese de que os partidos não deviam ser visados. O
principal argumento residiu no artigo 4º da Lei dos Partidos Políticos,
segundo o qual estes "prosseguem livremente os seus fins sem
interferência das autoridades públicas, salvo os controlos
jurisdicionais previstos na Constituição e na lei".
Já em Dezembro de 2011, o Conselho acabou por adoptar uma posição
minimalista, na sua "deliberação sobre financiamento dos partidos
políticos e das campanhas eleitorais", fixando-se a si próprio, "em
cooperação" com a Entidade das Contas, objectivos genéricos que excluem
qualquer recomendação ou actuação directa junto dos partidos. A
deliberação refere, todavia, que o Conselho tratará de "promover a
adopção de medidas preventivas, tais como códigos de conduta, planos de
prevenção de riscos de corrupção, (...) e outras julgadas convenientes".
De igual modo, tratará de "estudar e definir procedimentos destinados a
prevenir a corrupção (...) no âmbito dos partidos políticos e das
campanhas eleitorais". O Conselho decidiu ainda "apresentar
recomendações à Assembleia da República e ao Governo ou propostas
concretas de natureza legislativa, regulamentar e outras".
Passado ano e meio, os resultados práticos desta deliberação confirmam
que a actividade dos partidos ficou de fora da alçada do CPC e que este,
tal como o TC, optou por se acomodar à situação, embora tenha nos
últimos dois anos colaborado activamente, conforme referem os seus
relatórios anuais, em iniciativas para envolver as empresas privadas nas
políticas de prevenção.
Contactado pelo PÚBLICO, o secretário-geral do CPC, José Tavares, que é
simultaneamente director-geral do Tribunal de Contas, rejeita a ideia
de demissão do organismo a que pertence. "O Conselho fez tudo o que
tinha a fazer nesse domínio, tendo em atenção que a lei atribui esta
matéria ao Tribunal Constitucional e à Entidade das Contas. Não pode
haver invasão de competências."
Quanto às iniciativas concretas tomadas pelo Conselho em obediência à
sua deliberação de Dezembro de 2011, José Tavares nada adianta,
limitando-se a afirmar: "É preferível e mais correcto perguntar à
Entidade das Contas." Relativamente à adopção, ou não, pelos partidos,
de códigos de conduta ou planos de prevenção da corrupção, em resultado
da actuação do Conselho, a resposta é idêntica: "Essa pergunta deve ser
dirigida à Entidade das Contas." Já no que respeita à apresentação de
recomendações à AR sobre este tema, José Tavares reconhece que nada foi
feito, mas diz que "a curto prazo é provável que haja alguma
intervenção" nessa área.
Questionado sobre os estudos do Conselho sobre o financiamento
partidário, José Tavares remeteu igualmente a resposta para a Entidade
das Contas. E esta, através da sua presidente, Margarida Salema,
limitou-se a dizer que não faz qualquer declaração sobre o assunto. O
mesmo que afirmou, aliás, o advogado Loff Barreto, que no final do ano
passado terminou o seu mandato no CPC.
* A permissividade e cedência dum tribunal face ao lobby partidário. Haverá quem pense que vivemos em democracia???
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