O feitiço contra o feiticeiro
Quando falha o Excel, rui todo o edifício em que se fez assentar a legitimidade da ação política
O pecado original deste Governo, está longe de ser a primeira
vez que o digo, é a sua falta de dimensão política. Falta, e isso ficou
sobejamente provado ao longo do último ano e meio, capacidade de
coordenação política, capacidade de gestão de crises políticas,
capacidade de comunicação política. A menos, bem entendido, que se tenha
uma admiração inabalável pela bondade e eficácia desta cultura
comunicacional saloia e vivaça que é própria de jotas serôdios.
Mas falta também liderança política. É verdade que o momento excecional que o País atravessa reclama do primeiro-ministro, de qualquer primeiro-ministro, um respaldo ao titular das Finanças que requer coragem e nervos de aço. Mas liderança não se pode confundir com simples teimosia. Nem com uma simples delegação acrítica de competências. Pressupõe horizontes. Pressupõe flexibilidade tática. Pressupõe capacidade de lançar pontes, de procurar consensos. Pressupõe muita inteligência emocional. Ou simples bom senso. Que é infelizmente um bem muito mais escasso do que possa parecer.
Mas porventura mais importante que tudo isto, falta, a este Governo, dimensão política no sentido de espessura e de sofisticação política. Falta uma qualquer mundividência, falta um desígnio político, falta cultura política, falta um projeto político minimamente federador e mobilizador. A menos, ça va de soi, que se considere que meia dúzia de leituras e a repetição catatónica de dogmas económicos mal digeridos e pior compreendidos possam orientar, inspirar ou iluminar quem quer que seja.
Tenho bem consciência de que, em tempos de desenfreados populismos e de grilhetas politicamente corretas, ninguém vai longe a fazer este tipo de apologia da política, ainda que o faça pensando no que de mais nobre existe na arte, na ciência e na teoria política. Muito pelo contrário. Está instalado, um pouco por toda a Europa, um fascínio pelas tecnocracias inodoras e asséticas. Foi assim com Monti, como foi assim com Gaspar. Décadas de degradação da praxis e da fauna política desembocaram neste beco absurdo.
O problema, como pode agora penosamente perceber-se, é que o outsourcing de ideias políticas para técnicos de econometria tem um preço. Que nem teria sido difícil de calcular. Quando falha o Excel, rui todo o edifício em que se fez assentar a legitimidade da ação política. Digo bem: em que se fez assentar a legitimidade. Porque esta foi uma opção livre, deliberada e - espero - minimamente consciente do Executivo. Em circunstâncias normais, nenhum constitucionalista nem nenhum politólogo, em pleno uso das suas faculdades mentais, se lembraria de associar a legitimidade política ao exemplar funcionamento da tabuada orçamental.
Quem elevou a econometria ao estatuto de feitiçaria ou de fé, com todos os rituais próprios das grandes religiões do mundo, foi o Governo. É caso para se dizer que o feitiço se virou contra o feiticeiro. E nem era preciso ser bruxo para adivinhar que assim seria.
Mas falta também liderança política. É verdade que o momento excecional que o País atravessa reclama do primeiro-ministro, de qualquer primeiro-ministro, um respaldo ao titular das Finanças que requer coragem e nervos de aço. Mas liderança não se pode confundir com simples teimosia. Nem com uma simples delegação acrítica de competências. Pressupõe horizontes. Pressupõe flexibilidade tática. Pressupõe capacidade de lançar pontes, de procurar consensos. Pressupõe muita inteligência emocional. Ou simples bom senso. Que é infelizmente um bem muito mais escasso do que possa parecer.
Mas porventura mais importante que tudo isto, falta, a este Governo, dimensão política no sentido de espessura e de sofisticação política. Falta uma qualquer mundividência, falta um desígnio político, falta cultura política, falta um projeto político minimamente federador e mobilizador. A menos, ça va de soi, que se considere que meia dúzia de leituras e a repetição catatónica de dogmas económicos mal digeridos e pior compreendidos possam orientar, inspirar ou iluminar quem quer que seja.
Tenho bem consciência de que, em tempos de desenfreados populismos e de grilhetas politicamente corretas, ninguém vai longe a fazer este tipo de apologia da política, ainda que o faça pensando no que de mais nobre existe na arte, na ciência e na teoria política. Muito pelo contrário. Está instalado, um pouco por toda a Europa, um fascínio pelas tecnocracias inodoras e asséticas. Foi assim com Monti, como foi assim com Gaspar. Décadas de degradação da praxis e da fauna política desembocaram neste beco absurdo.
O problema, como pode agora penosamente perceber-se, é que o outsourcing de ideias políticas para técnicos de econometria tem um preço. Que nem teria sido difícil de calcular. Quando falha o Excel, rui todo o edifício em que se fez assentar a legitimidade da ação política. Digo bem: em que se fez assentar a legitimidade. Porque esta foi uma opção livre, deliberada e - espero - minimamente consciente do Executivo. Em circunstâncias normais, nenhum constitucionalista nem nenhum politólogo, em pleno uso das suas faculdades mentais, se lembraria de associar a legitimidade política ao exemplar funcionamento da tabuada orçamental.
Quem elevou a econometria ao estatuto de feitiçaria ou de fé, com todos os rituais próprios das grandes religiões do mundo, foi o Governo. É caso para se dizer que o feitiço se virou contra o feiticeiro. E nem era preciso ser bruxo para adivinhar que assim seria.
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