Do Rato e dos homens
Não fossem os portugueses ainda com emprego ficar mesmerizados com os
recibos do ordenado de janeiro, o PS encenou, esta terça-feira, um
grandioso espetáculo no Rato. Coisa shakespeariana: um rei fraco rodeado
de lugares-tenentes aos gritos de deslealdade e conspiração ante o
anúncio de uma pretensão ao trono, uma reunião à porta fechada e um
final em que o monarca, depois de chamar e deixar chamar tudo a quem
possa pô-lo em causa, abraça o concorrente que não chega a sê-lo e
assume o compromisso de com ele trabalhar em prol da união do reino.
Em Shakespeare, como em geral, o pano nunca cai depois de uma cena
destas. É só o princípio da intriga e de sangrentas congeminações que
inevitavelmente nos revelam a natureza das personagens e da sua relação
com o poder. E que sabemos nós das personagens? Comecemos pelo rei. Há
um ano e meio no trono, não só tarda em mostrar o seu projeto e valor no
campo de batalha como se rodeia de uma corte apagada e sem chama que,
na noite de terça, mostrou também (com raras exceções, como a de
Zorrinho) ser vil. É um monarca que não hesita em recorrer ao insulto, à
ameaça e a insinuações de conspiração - chama desleais aos que com ele
não concordam e que o consideram inadequado, fala ou deixa que por ele
falem de "limpar o partido e o grupo parlamentar" (atribuído pela SIC,
na noite de terça, à direção socialista), acusa quem o defronta de
"querer regressar ao passado", dando alento aos boatos que dizem ser o
rei anterior a comandar, do exílio, a sublevação. Para, numa entrevista
na noite seguinte, fazer de magnânimo e amnésico, cumulando de elogios o
adversário da noite transata.
Quanto a este, alcaide valoroso e
respeitado, com legítimas aspirações ao trono, renunciou a bater-se por
ele quando ficou livre. Desde a coroação, porém, não perde uma ocasião
de demonstrar o seu desagrado e até desprezo pelo ora rei. Era, pois,
previsível que aglutinasse a esperança dos que consideram estar o reino
mal dirigido e veem nele a esperança da vitória contra o inimigo e a
salvação do povo. Como explicar, pois, que na famosa noite, quando todos
esperavam que se perfilasse como candidato ao trono - o que só pode
decorrer do facto de o ter confirmado aos próximos - se tenha ficado?
Faltou-lhe a coragem, as ganas? Percebeu que não estava garantida a
vitória e só quer arriscar não arriscando? Habituou-se ao conforto de
criticar, na sua cátedra da SIC, sem correr o risco de provar que sabe e
quer fazer melhor? Sentiu-se traído, na hora H, por aqueles de quem
esperava apoio? Ou, como alguns aventam, recuou para tomar balanço,
fazendo do recuo (o acordo da união) repto? Seja qual for a resposta
certa (senão todas), sabemos, como sabem os protagonistas, isto: que na
noite de terça algo se partiu no PS, e não há pantomina de união que o
disfarce. O trono pode ter sido segurado, mas o reino está longe de
seguro.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
01/02/13
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