19/12/2012

SHASHI THAROOR




Um mundo de alunas

Uma das perguntas mais difíceis que me fizeram quando era subsecretário-geral das Nações Unidas, especialmente quando me dirigia ao público em geral, foi: “Qual é a coisa mais importante que se pode fazer para melhorar o mundo?”

É o tipo de questão que tem tendência a revelar o lado burocrata, até mesmo no comunicador mais directo, como se nos sentíssemos obrigados a explicar a complexidade dos desafios que a humanidade enfrenta: como é que algo não imperativo pode ser distinguido acima de outros objectivos; como é que a luta pela paz, a luta contra a pobreza e a batalha para erradicar as doenças devem ser travadas lado a lado; e assim por diante – de um modo estupidificado.

Nessa altura eu aprendi a dar as respostas, que estas perguntas praticamente impossíveis requerem, com prudência e ousadia. Se eu tivesse de escolher algo que devemos fazer acima de tudo, neste momento propunha uma mantra com duas palavras: “educar raparigas”.

Tão simples quanto isso. Nenhuma acção tem provado fazer mais pela raça humana do que a educação das crianças do sexo feminino. Estudos científicos e projectos de investigação determinaram aquilo que o senso comum talvez já nos tenha dito: se educar um rapaz, você educa uma pessoa; mas se educar uma rapariga, você educa uma família e beneficia uma comunidade inteira.

A evidência é surpreendente. O aumento da escolaridade das mães tem um impacto mensurável na saúde e na educação dos seus filhos, bem como na produtividade quando chegam à fase adulta. Filhos de mães instruídas superam consistentemente os filhos de pais instruídos e de mães analfabetas. Dado que, em geral, as crianças passam a maior parte do seu tempo com as suas mães, isto não surpreendente muito.

Uma rapariga que tenha mais de seis anos de escolaridade está melhor preparada para procurar e utilizar aconselhamentos médicos, para imunizar os seus filhos e para estar ciente da importância das práticas sanitárias, que vão desde o ferver a água até ao acto de lavar as mãos. Um estudo da Organização Mundial de Saúde concluiu que “em África, os filhos das mulheres que têm cinco anos de escolaridade, são 40% mais propensos a viverem além dos cinco anos de idade”.

Além disso, um estudo da Universidade de Yale revelou que a altura e o peso dos recém-nascidos de mães que têm uma educação básica eram regularmente mais elevados do que os dos bebés de mães sem escolaridade. Um projecto da UNESCO demonstrou que “cada ano adicional de educação de uma mãe reduz a probabilidade da taxa de mortalidade infantil em 5% a 10%”.

As vantagens da educação na saúde vão além do parto e da saúde infantil. A SIDA propaga-se duas vezes mais depressa, como demonstra um estudo da Zâmbia, entre as raparigas sem estudos do que entre as raparigas que andaram na escola. As raparigas instruídas casam-se mais tarde e são menos susceptíveis de serem maltratadas por homens mais velhos. As mulheres instruídas tendem a ter menos filhos e com intervalos mais sensatos, facilitando um maior nível de cuidados; as mulheres com sete anos de escolaridade, de acordo com um estudo, tiveram menos dois a três filhos do que as mulheres sem nenhuma escolaridade.

O Banco Mundial, com a sua típica precisão matemática, estimou que por cada quatro anos de escolaridade, a fertilidade é reduzida em cerca de um nascimento por mãe. A razão por que a taxa de fertilidade no estado indiano de Kerala é de 1,7 por casal, ao passo que em Bihar é superior a quatro, deve-se ao facto de as mulheres de Kerala serem instruídas, enquanto metade das mulheres de Bihar não o são. Quanto maior for o número de raparigas a frequentar a escola secundária, o Banco acrescenta, maior é o crescimento do rendimento per capita do país.

Além disso, as mulheres aprendem com as outras mulheres, o que faz com que as mulheres sem escolaridade procurem igualar ou ultrapassar o sucesso das mulheres com escolaridade. E as mulheres gastam mais do seu dinheiro com as suas famílias, coisa que os homens não fazem necessariamente (afinal de contas, as lojas rurais de araca na Índia, prosperam graças aos hábitos de consumo auto-indulgentes dos homens). E, quando as raparigas com escolaridade trabalham nos campos, visto que são muitas que o têm de fazer no mundo em vias de desenvolvimento, os seus conhecimentos adquiridos nas escolas traduzem-se directamente no aumento da produtividade agrícola e numa diminuição da malnutrição. Eduque uma rapariga e você beneficia uma comunidade.

Aprendi muitos destes pormenores com a minha ex-colega Catherine Bertini, premiada com o Prémio Mundial da Alimentação em 2003, devido ao seu trabalho incansável e eficaz como directora do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. Como ela mesma disse no seu discurso de agradecimento: “Se alguém vos dissesse que, com apenas 12 anos de investimento de cerca de mil milhões de dólares por ano, poderiam, em todo o mundo em vias de desenvolvimento, aumentar o crescimento económico, reduzir a mortalidade infantil, aumentar a produtividade agrícola, melhorar a saúde materna, melhorar a saúde infantil e a nutrição, aumentar o número de crianças – meninos e meninas – na escola, desacelerar o crescimento da população, aumentar o número de homens e mulheres que sabem ler e escrever, diminuir a propagação da SIDA, adicionar novas pessoas à força laboral e serem capazes de melhorar os seus salários sem terem de despedir ninguém, o que diriam? Que grande negócio! O que é? Como é que posso aderir?”

Infelizmente, o mundo ainda não está com muita pressa em “aderir” ao desafio de educar as raparigas, que ficam constantemente para trás, em relação aos rapazes, no acesso à educação no mundo em vias de desenvolvimento. Estima-se que 65 milhões de raparigas em todo o mundo não conhecem o interior de uma sala de aula. No entanto, não educá-las custa mais ao mundo do que colocá-las na escola.

Certamente, não há melhor resposta. O ex-secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, disse de uma forma simples: “Nenhuma outra política tem tanta probabilidade de aumentar a produtividade económica, diminuir a mortalidade infantil e materna, melhorar a nutrição, promover a saúde, incluindo a prevenção do VIH/SIDA, e aumentar as hipóteses de educação na próxima geração. Vamos investir nas mulheres e nas raparigas”.

Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate

IN "PÚBLICO"
17/12/12

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