27/11/2011


ESTA SEMANA NO
"SUPER INTERESSANTE"

Ementa anti-cancro
Fármacos da horta e do pomar

Os anticancerígenos mais potentes crescem na natureza, embora continuemos a desconhecer como funcionam exatamente.

No laboratório do médico canadiano Richard Béliveau “pairava um aroma extremamente apetitoso, em contraste com o habitual odor a compostos químicos e detergentes”, evocava o recentemente falecido David Servan-Schreider no livro Anticancro. A resposta para o mistério é que a equipa daquele especialista em medicina molecular da Universidade de Montréal estava a cozinhar (literalmente) um fármaco para administrar a ratos com cancro do pulmão. Era possível comprar os ingredientes no supermercado mais próximo: couves-de-bruxelas, brócolos, alho, cebolinho, curcuma, pimenta preta, mirtilos, toranja e uma pitada de chá verde. Os roedores tratados com aquele cock­tail pareciam melhorar a olhos vistos.

Servan-Schreider, que sobreviveu durante 19 anos a um tumor cerebral, era um adepto incondicional daquilo a que Béliveau chama “nutracêuticos”, ou seja, alimentos com poderes terapêuticos. Todavia, esse entusiasmo não é partilhado por toda a comunidade científica, pelo menos no que diz respeito ao cancro. Desde a década de 1970, quando se começaram a ponderar as virtudes da fruta e dos vegetais, as investigações entraram demasiadas vezes em ponto morto. Recentemente, Tim Key, da Universidade de Oxford (Reino Unido), cruzou os dados de dezenas de estudos ao longo de duas décadas e chegou a uma desoladora conclusão: pelo menos no Ocidente, a dieta verde não produz efeitos significativos.

As associações entre cancro e fatores alimentares “são difíceis de avaliar”, pois a alimentação é “muito complexa” e “o cancro demora muitos anos a desenvolver, pelo que é difícil perceber o papel dos alimentos ao longo das várias fases”, diz Nuno Lunet, investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que exemplifica: “Frutos e vegetais têm um fator protetor, mas isso não vale para todos os cancros.” No entender deste especialista, mais consensual é que “o controlo do peso é um fator essencial” para a saúde.

Com efeito, suspeita-se que a obesidade e o excesso de peso talvez estejam por detrás de cerca de um terço dos tumores malignos. Por outro lado, em termos de prevenção, há médicos que atribuem virtudes protetoras a determinadas verduras crucíferas, como os brócolos, a couve-flor ou as couves-de-bruxelas. O que terão estes vegetais e outros candidatos habituais a possuir propriedades anticancerígenas, como os frutos silvestres ou o tomate? Pois bem: um verdadeiro arsenal de substâncias agrupadas sob o rótulo de fitoquímicos.

Com efeito, é com estes compostos (luteí­nas, polifenóis, carotenóides, flavonóides...) que os seres vivos que crescem no solo se protegem contra as infeções, os raios ultravioleta e as inclemências do tempo. A suspeita surge ao constatar, por exemplo, que a população japonesa consumidora de chá verde sofre muito menos de tumores pulmonares, circunstância atribuída ao polifenol catequina.

O problema é que não basta empanturrar-se de fitoquímicos para escapar da doença, pois há inúmeras variáveis com influência, desde a capacidade genética para assimilá-los até à altura em que começaram a ser incluídos na alimentação. Um caso particular é o da soja, que apenas parece funcionar se for consumida, o mais tardar, a partir da adolescência. Ainda nos falta saber muito sobre os nutracêuticos, mas contam, à partida, com uma vantagem indiscutível: não têm efeitos secundários.



* Bom senso a manducar é o que está a dar


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