Há tempos vi um vídeo que não vou esquecer tão cedo. É de noite. Vários
tipos negros, com camisolas de capuz e ténis, olham à volta agitados. De
repente começam a correr, todos na mesma direcção. A câmara mostra
então um homem branco já velho, sentado num automóvel, girando a chave
da ignição sem sucesso. O homem olha pela janela assustado. Os negros
aproximam-se, rodeiam o carro, começam a empurrá-lo. A expressão do
condutor é agora de pânico. O plano alarga-se. Percebemos que o carro
está parado numa passagem de nível e um comboio vem na sua direcção. Em
esforço, os jovens conseguem tirar o carro da linha. O idoso está em
choque e os jovens acalmam-no. O condutor sorri-lhes, agradecido.
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Não esqueço também O Gosto dos Outros, filme de Agnès Jaoui. O
protagonista, um empresário de província, vive para os negócios. Por
acidente, a sua vida cruza-se com a de uma atriz de teatro. Nada têm a
ver um com o outro. O empresário não esconde o seu desprezo pela cultura
erudita.
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Entre os amigos da actriz, o aspecto do homem, o modo como
fala, a roupa que veste, a ignorância que revela sobre arte e outros
temas, são motivo de chacota. À medida que as relações se aprofundam, os
sinais de pertença de classe esbatem-se, dando lugar a uma comunicação
sincera entre pessoas. Entre aqueles que se dispõem a ir além do que
parece.
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O filme de Jaoui nada tem a ver com racismo, mas tem tudo a
ver com preconceito. Como o vídeo que descrevi mais acima. A força
destes filmes não está apenas na denúncia da discriminação em geral. São
marcantes porque nos confrontam com os nossos próprios preconceitos.
Com os meus. Com os de quem está a ler este texto.
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À partida, um
grupo de jovens negros vestidos à rapper a correr agitados no meio da
noite é um bando de vândalos. Um homem engravatado que dá erros de
gramática e calinadas sobre arte com pronúncia rural é um pacóvio
irremediável. Os nossos preconceitos não ficam por aqui.
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Estendem-se às
tias de Cascais, a quem usa meia brancas, aos políticos e famosos, às
mulheres de saias curtas, a quem mastiga de boca aberta, aos feios e
gordos, aos belos e ricos, aos homens efeminados, aos ciganos e
chineses. Sobre todos temos opiniões formadas. Mesmo sem os conhecer.
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O
preconceito é uma característica humana e de outros animais.
Classificamos tudo em categorias estanques. Construímos expectativas com
base em percepções. Generalizamos a partir de experiências únicas.
Muitas vezes isto é útil, dá-nos pistas para a acção quando reina a
incerteza. Mas o conhecimento indutivo é falível. Se só vimos cisnes
brancos, assumimos que todos os cisnes são brancos. Na verdade não são.
Só não tivemos ainda a oportunidade de ver cisnes negros. Mais
conhecimento, se o quisermos, leva-nos a corrigir os erros da
generalização.
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Somos mais ou menos racistas, classistas, sexistas e
homofóbicos por instinto. Deixamos de o ser quando a experiência nos
mostra que os seres humanos são todos diferentes e todos iguais. Que
perdemos mais do que ganhamos quando nos deixamos iludir por
preconceitos.
Não nascemos apenas com o poder da discriminação. Também viemos preparados para a questionar. Usemos este dom.
Economista e Professor do ISCTE-IUL
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/01/19
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