02/02/2019

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HOJE NO 
"O JORNAL ECONÓMICO"
Zurich recusou cobertura de seguro
 de gestores do BES

Apólice de 16 milhões de euros cobria atos de gestão de antigos executivos do BES, mas seguradora invalidou-a. Alega que sabiam de práticas ilegais.

A Zurich invalidou a apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, contratada no final de 2013 pelo Banco Espírito Santo (BES) e que segurava os antigos administradores executivos desse banco contra perdas e danos resultantes de violação dos deveres profissionais, por erro ou omissão, de carácter negligente, nos atos de gestão. Fonte próxima ao processo revelou ao Jornal Económico que a seguradora suíça recusou cobrir os riscos decorrentes da atividade profissional dos ex-gestores dois meses após a resolução do BES, a 3 de agosto de 2014.

Esta apólice ascendia a um valor anual de 16 milhões de euros e abrangia o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, além de outros executivos do banco, como José Manuel Espírito Santo, Rui Silveira e Amílcar Morais Pires.

“A recusa da Zurich na cobertura de riscos surgiu dois meses após a resolução do BES, a 3 de agosto de 2014. A seguradora invalidou a apólice com um montante de cobertura de 15,8 milhões de euros por ano, com o argumento de que à data da assinatura da apólice os membros dos órgãos da entidade segurada sabiam das práticas desconformes que estavam a ser levadas a cabo pelo banco”, revela a mesma fonte.
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O Jornal Económico sabe que em causa estão os titulares de apólices de seguro responsabilidade civil profissional (Professional Indemnity) emitidas pela Zurich Insurance Plc – sucursal Londres, em conjunto com as subsidiárias Chubb Insurance Company of Europe SE (a maior seguradora de propriedade e responsabilidade civil de capital aberto do mundo) e a XL Insurance Company.

Oito milhões por sinistro
O montante da cobertura  da apólice de seguro da Zurich, contratada para o período entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2014, é de 7,9 milhões de euros por sinistro, com o máximo de 15,8 milhões de euros por ano. E junta-se a uma outra apólice da Zurich, referente a um seguro D&O (Directors & Officers), que tem  como objetivo segurar diretores, gerentes e administradores contra ações judiciais intentadas por terceiros, tais como órgãos oficiais de regulação, clientes ou liquidatários (ver texto em baixo). Já esta última apólice tem como limite de cobertura os 20 milhões de euros, e pode também cobrir responsabilidades criminais.

Jurisdição portuguesa
Segundo a mesma fonte, a apólice de seguro de responsabilidade civil profissional  está sujeita ao direito e à jurisdição portuguesa e a entidade corretora é a Willis Iberia SA, realçando que neste caso, em eventuais acções judiciais contra a seguradora suiça, nomeadamente por parte dos lesados do BES, aplica-se a lei portuguesa. Como a seguradora pode ser responsabilizada em Portugal, há vantagem para os lesados ao nível logístico, financeiro (mais económico), do conhecimento da lei e da sua defesa (os requisitos da lei e meios de prova são de mais fácil apreensão e os advogados podem ser portugueses).

Defesa de Salgado não comenta
O Jornal Económico confrontou o advogado de Ricardo Salgado sobre a decisão da Zurich em invalidar a apólice de seguro contra os riscos da gestão dos ex-membros executivos do BES, nomeadamente do seu presidente, mas Adriano Squilacce preferiu “não comentar”. Mas o JE sabe que é um assunto que a defesa de Salgado acompanha, considerando os seus advogados que a seguradora suíça “fez asneira” ao invalidar o contrato deste seguro, com mais de 50 páginas – apontado como “labiríntico”. A própria seguradora terá apresentado em 2014, antes da resolução do BES, uma proposta para ampliar o capital segurado.

Buraco da ESI na mira
Na recusa de cobertura do seguro de responsabilidade civil profissional, a Zurich alegou que à data da assinatura da apólice, em finais de 2013, os membros executivos do BES “sabiam das práticas desconformes” que estavam a ser levadas a cabo pelo banco que foi resolvido, na noite de 3 de agosto de 2014, pelo Banco de Portugal, após a apresentação de prejuízos semestrais de 3,6 mil milhões de euros. O BES foi separado em duas entidades: o ‘banco mau’, que ficou com os ativos tóxicos e que está em processo de liquidação, e o banco de transição Novo Banco, capitalizado com 4,9 mil milhões de euros através do Fundo de Resolução Bancária e que ficou com ativos e passivos considerados menos problemáticos.

As práticas desconformes sinalizadas pela Zurich como sendo do conhecimento dos gestores do BES à data da assinatura da apólice têm na mira a falsificação das contas da Espírito Santo International (ESI), holding do GES, após as autoridades reguladoras terem detetado  um buraco na ESI, no valor de 1,3 mil milhões de euros, no final de 2013.

Na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do GES,  o ex-administrador do banco Pedro Mosqueira do Amaral revelou também que tomou consciência da gravidade do problema no final de 2013, e garantiu que ficou “assustado”.

Também Francisco Machado da Cruz, que supervisionou as contas da ESI e das holdings não financeiras do GES, já assegurou, em tribunal, que assumiu o “erro” daquela omissão do passivo para não destruir o GES. Por isso, remeteu para Ricardo Salgado uma explicação sobre os ativos imobiliários em Angola, que, disse, foram colocados para mostrar ao BdP que estavam na origem do passivo.

O que é um seguro D&O?
O seguro D&O (iniciais das palavras inglesas  Directors & Officers)  é um produto que visa segurar as responsabilidades de gestores de sociedades (administradores, gerentes, diretores, etc) por atos praticados no exercício das suas funções e dos quais possam ter resultado danos para a sociedade para os sócios ou para terceiros. É um seguro voluntário e multirriscos, que pode ainda coexistir com outras modalidades de seguro de responsabilidade civil, cobrindo prejuízos causados por alegados atos ilegítimos realizados por administradores e diretores de empresas ou bancos.

Este produto é apontado como um seguro fundamental  num cenário em que administradores de grandes empresas ou instituições financeiras, nomeadamente executivos, estão cada vez mais expostos aos riscos decorrentes da atividade de gestão.

O seguro D&O tem como objetivo segurar diretores, gerentes e administradores contra ações judiciais intentadas por terceiros, tais como órgãos oficiais de regulação, clientes, liquidatários ou administradores – ou até mesmo pela sua própria empresa. Cobre as despesas relacionadas com os honorários de advogados externos para a defesa de um diretor ou administrador no âmbito de tais ações judiciais, bem como as indemnizações por danos e acordos estipulados, desde que nenhum comportamento fraudulento seja estabelecido contra eles. O limite de capital varia consoante a avaliação que a seguradora faça do risco, sendo o usual um montante de até 25 milhões de euros, que podem chegar aos 50 milhões de euros em casos especiais.

Por outras palavras, um seguro D&O serve para assegurar aos gestores que as suas decisões estarão protegidas ainda que cada contrato seja único, sendo contemplados critérios que visem melhor beneficiar a empresa segurada. Este produto surge como uma ferramenta que vem reduzir significativamente os riscos a que os gestores estão sujeitos.  Isto porque protege o património pessoal dos administradores e gestores de reclamações que possam ocorrer no âmbito das suas atividades de gestão.

* Foi uma decisão lógica.

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