10/06/2017

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HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
E se o rei Afonso Henriques 
tivesse sido trocado em bebé?

Domingos Amaral terminou a trilogia Assim Nasceu Portugal e refere que D. Teresa desconfiava que Afonso Henriques não era seu filho. Freitas do Amaral entra no debate.

Ainda as perguntas não começaram e já pai e filho falam de D. Afonso Henriques. É mesmo uma paixão, como se confirmará no decorrer da conversa com o biógrafo do primeiro Rei de Portugal e o autor de uma trilogia intitulada Assim Nasceu Portugal, respetivamente Diogo Freitas do Amaral e Domingos Amaral, ambos os livros grandes sucessos de venda. O pretexto do encontro é o fecho da trilogia e apurar a verdade sobre alguns "casos" sobre o primeiro monarca português. Que foi preterido por Camões na escolha do protagonista para o Dia de Portugal, que foi vítima de várias calúnias no seu tempo, como a que diz não ser filho de D. Teresa e D. Henrique. Assunto merecedor de debate mais à frente, depois de se saber que pai e filho iam brincar para o castelo de Guimarães, ou que nem todos os nossos historiadores apreciaram assim tanto o primeiro rei, como é o caso de Oliveira Martins, que o mimoseava com a caracterização de "estúpido" e com modos de "javali". Um encontro para se saber o que pensa o biógrafo e o ficcionista que tentaram fixar o perfil mais atualizado de um rei nascido no ano de 1109 e que morre em 1185.

Como é que surge esta trilogia sobre o primeiro rei de Portugal?
(Domingos Amaral) Uma situação que é pouco valorizada em Afonso Henriques e que tentei mostrar nestes três romances é fazer uma leitura tanto do lado cristão como do lado muçulmano, porque naquela época aqueles mundos estavam muito ligados. Havia uma mistura de cristãos, árabes e moçárabes que se notava bem na população de Lisboa, até na de Coimbra, ou seja, era um mundo mais misturado do que imaginamos e assim continuou durante séculos. Só na estrutura político-militar é que as conflitualidades eram maiores.

Como chega a essa perspetiva?
(DA) Nos romances históricos começo pela investigação e a querer saber o que escreveram os historiadores sobre aquela época. Dessa pesquisa vêm ideias para alguns personagens que irei criar com base em acontecimentos históricos, como é o caso das princesas mouras. Há historiadores que referem que Afonso Henriques poderia ter tido uma namorada moura, e é a partir desse facto que não diz quase nada que tento criar uma personagem com biografia. 
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Todos sabemos que venceu a Batalha de Ourique contra cinco reis muçulmanos, mas desconhece-se o que fez no fim do combate. Quem eram os amigos que o rodeavam e com quem podia falar com mais confiança. Portanto, tento colocar não apenas o registo histórico, embora lhe seja fiel, e registar o resto do que será a sua vida.

Escreveu uma biografia sobre este rei. O que acha de se o ficcionar?
(Freitas do Amaral) Além de gostar muito destes livros do Domingos e da forma como consegue combinar o rigor histórico com a imaginação criadora de tudo o que não se sabe se aconteceu mas é plausível e possível, queria lembrar que houve dois reis de Portugal, daqueles que mais fortemente combateram os mouros no território, que promulgaram medidas legislativas de proteção às minorias. O primeiro foi Afonso Henriques depois da conquista de Alcácer do Sal, que publicou a carta de segurança e privilégios para todos os mouros que quisessem ficar cá e sob especial proteção da coroa, para evitar que os cristãos mais atrevidos achassem que a guerra continuava. Depois, o seu bisneto, D. Afonso III, completa a conquista do Algarve e publica também uma carta para todos os mouros que quisessem ficar a viver aí. Portanto, existia essa preocupação com a convivência na cabeça dos nossos reis.

Isso reflete-se nestes romances?
(FA) Esta dimensão que o Domingos veio trazer, de olhar para o lado árabe e integrá-lo na história daquele período, é muito interessante e útil porque nos permite perceber mais do que se sabia na versão tradicional. Há muitos casamentos, uniões de facto e filhos ilegítimos, que resultam de momentos entre cristão e árabes. O próprio Afonso III apaixona-se grandemente por uma princesa árabe, de quem tem os primeiros filhos. A minha preocupação na biografia era sobretudo a atuação política, diplomática e militar do primeiro rei e pouco falei de outras questões, até porque estariam dispersas em literatura que desconhecia.

Esse lado árabe está um pouco ignorado na História de Portugal?
(FA) Nas histórias tradicionais esteve, mas historiadores da segunda metade do século XX e princípio do XXI passaram a dar-lhe mais importância. Como Oliveira Marques e José Mattoso, a meu ver até exagerada no primeiro caso, porque diz que há um norte cristão e um sul muçulmano e que Portugal só nasce quando os dois se integram.

Que historiadores o inspiraram?
(DA) A minha vocação de escritor e o gosto pela fórmula literária leva-me a gostar muito de dois historiadores/escritores: Alexandre Herculano e Oliveira Martins. Que escrevem maravilhosamente independentemente de no registo histórico nem sempre acertarem por falta de documentos. Com as suas descrições auxiliam-me no que é importante num romance: perceber como as pessoas viviam, vestiam, comiam, namoravam, casavam e morriam.

(FA) Também consultaste historiadores espanhóis atuais...
(DA) ...Também os li e alguns historiadores árabes, que têm uma visão sobre Afonso Henriques curiosa, pois chamavam-lhe Henrique o maldito - temiam-no como grande guerreiro. É interessante ver que também o avô de Afonso Henriques, Afonso VI, tem várias mulheres de quem tem filhas, uma das quais D. Teresa, mas a determinada altura casa-se com uma princesa filha do rei de Sevilha, uma moura chamada Zaida, que se converte ao cristianismo e passa a intitular-se o imperador das duas religiões. Há um projeto de fusão de toda a área, respeitando a diversidade. Aliás, é interessante notar que Afonso Henriques é tentado a seguir o exemplo do avô com uma princesa também moura.

Evitando o choque de civilizações?
(DA) É uma tentativa de pacificação e, mesmo que não seja sempre bem sucedida, confirma esta tentativa de misturar os dois mundos.
(FA) Para perceber bem temos de distinguir a super estrutura político-militar e a vida quotidiana das populações. A primeira estava quase permantemente em guerra e com o objetivo de erradicar toda a península da presença muçulmana, mas a vida da sociedade civil era de uma convivência e tolerância que ainda hoje temos dificuldade em perceber quando estamos em pleno terrorismo islâmico. Embora seja óbvio que em Inglaterra, se pusermos de lado os radicais que lá existem, essa relação entre ingleses, islâmicos, indianos e paquistaneses, é muito boa e respeitada, ao ponto de o atual mayor de Londres ser um muçulmano - europeizado, mas fiel às suas raízes. Acho que isso acontecia naquela altura, quando não existia de todo a ideia de guerra de civilizações apesar do objetivo ser da reconquista político militar. O que me leva a supor, não sei se o Domingos concordará, que as invasões árabes e a sua presença durante séculos não trazia consigo nenhum elemento de proselitismo religioso.
(DA) Pelo contrário, o califado de Córdova era muito tolerante com as outras religiões, incluindo com judeus. Só quando vêm os califados de Marrocos é que vemos os fundamentalistas surgirem.

Daqui a 500 anos olharemos para o presente como foi essa época?
(FA) Oxalá possa ser assim

Em pleno dia 10 de Junho há razão para questionar porque Afonso Henriques não é o seu símbolo?
(FA) Justamente porque quando se começou a assinalar o Dia de Portugal havia ainda aquela "maldição" do Oliveira Martins lançada sobre Afonso Henriques. Que era um "bronco", um "estúpido" e um "javali que só sabia marrar e matar", enquanto Camões estava no seu esplendor. Por outro lado, não era fácil escolher uma data para ser o Dia de Portugal ligado a um dia especial relacionado com o rei porque em 1128 ele ganha a Batalha de São Mamede, que durante muitos anos no Estado Novo foi considerado o início de Portugal. No entanto, essa vitória foi apenas contra a Galiza e não contra Leão, o que levou que ainda se tivesse de chegar a 1143. Ainda no Estado Novo, quando Salazar organizou as comemorações dos centenários em 1940, disse que se comemorava os 300 anos sobre a Restauração de 1640 e 800 sobre o nascimento do Reino de Portugal, que ele punha em 1140 porque julgava-se que datava desse ano o primeiro documento em que Afonso Henriques se intitulava Rei dos portugueses. Verifica-se mais tarde que era de 1139. Ou seja, não era fácil escolher uma data, enquanto o 10 de Junho [data da morte de Camões] foi mais consensual e ficou. Talvez fizesse sentido se não tivéssemos feriados a mais transformar uma destas datas das batalhas em data nacional.

Acha que se celebra de menos Afonso Henriques?
(FA) Sim, e tem-se feito pouco.
(DA) Concordo, pois sem ele nada disto teria acontecido. Merecia mais destaque. Como não foi uma personagem muito consensual durante muito tempo em Portugal e os historiadores dividiam-se, o que não acontecia com Camões, até do ponto de vista da portugalidade.
(FA) Camões tem uma coisa que Afonso Henriques não poderia ter, e que é muito importante: narra a epopeia dos Descobrimentos, o ponto mais alto da nossa história. Daí que tenha sido mais fácil optar.

Não acha que os jornalistas estão a substituir um pouco os historiadores, como se vê no caso dos romances históricos do seu filho?
(FA) Na função de investigação histórica acho que não, continuam a ter um quase monopólio, até porque aprendem nos seus cursos a trabalhar com documentos antigos, adquirem as técnicas e sabem onde estão os documentos e como os devem ler e interpretar. E ainda bem, porque o Domingos, eu e os jornalistas que escrevem sobre coisas históricas não têm essas técnicas, nem conhecem essas fontes, e não têm paciência para um certo tipo de investigação. No que toca à divulgação histórica, nas sínteses para o grande público, aí acho que é verdade. Quer os jornalistas, quer alguns professores universitários de outras áreas, têm nos últimos vinte anos vindo a afirmar-se como bons sintetizadores e divulgadores da História para o grande público.

O romance histórico é a grande via para reavivar o passado aos portugueses?
(DA) É uma das vias para reconciliar e interessar pelo passado. Partilho o que o pai disse que quando, por vezes, a História é escrita pelos historiadores tem tantas exigências de rigor científico e de documentação que se torna pouco interessante para o leitor. Por isso, muitos escritores estão a tornar literária a História para que os leitores a compreendam. Como eram o Herculano e o Oliveira Martins.
(FA) Mesmo assim, mais o Oliveira que o Herculano.
(DA) Porque escreviam muito bem...
(FA) ...e tinham o sentido do pormenor...
(DA) ...e davam mais importância às personalidades. Os historiadores atuais, ao sentirem necessidade de explicar certas causas, tornam o tema maçudo e retiram o interesse às pessoas. O ser humano gosta de histórias com personagens e os historiadores não transformam um rei como personagem se analisada ao nível científico. Tem de ser mais emocionante, daí a popularidade de um José Hermano Saraiva. Um caso em que nem sempre tudo batia certo mas proporcionava um encantamento. O romance histórico cumpre essa função.
(FA) Que atraíu milhões de portugueses para o conhecimento da História. E era um advogado que exerceu durante décadas até se apaixonar pela história. Aprendeu muito e tinha um poder de comunicação invulgar. Em termos europeus, como a França e a Alemanha, seguiram as teses estruturalistas e economicistas, a escola dos Annales, visões de longo prazo e de grandes tendências demográficas, a História como ciência ficou muito mais rica mas também menos fácil de assimilar pelos não especialistas. Já em Inglaterra, quer nos historiadores tradicionais, quer nos da escola Marxista, mantêm a ideia de que é preciso falar das pessoas e dá-las a compreender. Não é por acaso que as melhores biografias históricas que li são inglesas.

Foi isso que fez em Afonso III?
(FA) Um pouco mais do que na biografia de Afonso Henriques, onde estava mais preocupado em mostrar que não tinha sido apenas um conquistador mas sim um fundador de uma nação, que teve de lutar muito por isso quer no plano diplomático, como no político e militar, e conseguiu-o. No estudo sobre Afonso III, talvez influenciado por alguns romances históricos do Domingos anteriores a estes, já procurei abrir um pouco mais, mesmo que a minha ótica continue a ser a de um homem de Estafo que introduz as principais reformas estruturais que Portugal teve na primeira dinastia. É o rei que cria o aparelho de Estado, dando mais forais que os seus antecessores todos, e que muda a moeda e a legislação. É o grande rei legislador e construtor do Estado medieval, mas já com alguns traços modernos. Num estudo que fiz para essa biografia encontrei uma lei muito importante, porque é a primeira em Portugal e das primeiras na Europa em que se diz que se um oficial régio assistir a um crime em flagrante delito está autorizado a prender mas não o pode manter sob detenção sem o levar a um juiz. Esta ideia de que a prisão tem de ser validada por um magistrado é muito moderna. Pensava que era uma conquista das revoluções liberais mas não, está numa lei de Afonso III, no século XIII.

A biografia do seu pai sobre Afonso Henriques foi útil?
(DA) Muito, mesmo que este gosto por D. Afonso Henriques já venha muito da família do pai e dos tempos de férias desde pequenos.
(FA) Quando íamos muitas vezes brincar para o castelo...
(DA) Para o castelo de Guimarães e outros da região, daí sentir que havia algo interior que estava a marinar há muitos anos sobre uma história daquela época. Obviamente li a biografia logo que o pai a publicou e ajudou-me em vários aspetos, como perceber as várias visões sobre o rei. Foi talvez nela que vi algo de que não me tinha apercebido tão profundamente na leitura de outros historiadores. Que estamos a falar de uma história que anda à volta de quatro ou cinco famílias que se conheciam e de uma grande ligação entre a nossa corte e a de Leão - Afonso Henriques e Afonso VII são primos direitos.
(FA) Tanto assim que a maior parte das batalhas entre ambos, até Zamora, eram travadas em torneios e os dois aceitavam quem vencia.
(DA) Na altura em que li a biografia do pai senti essa realidade, tanto que doze anos depois, quando comecei a escrever a trilogia, foi o lado familiar que quis trabalhar. Sabemos que Afonso Henriques vence a batalha de São Mamede contra a mãe, D. Teresa, e o conde de [Fernão Peres de] Trava, e a pôs a ferros nas masmorras. A mim cabe-me inventar uma conversa entre filho e mãe. O romancista pode fazê-lo. Sobretudo neste livro final, queria também contar a história sobre a possibilidade de Afonso Henriques não ser filho de D. Teresa, que era uma intriga que já corria desde que era criança.
(FA) Já vem nas crónicas de então.

Essa questão é para vender livros ou pode ter algum fundamento?
(DA) Este argumento foi então muito utilizado para lhe tirar a legitimidade. O que se sabe é que quando Afonso Henriques nasce é uma criança com deficiências nas pernas - isso está documentado -, depois é entregue ao percetor Egas Moniz e três anos mais tarde é uma criança saudável. Há na altura quem desconfie dessa mudança numa criança que nasce deficiente e fica ótima e também quem refira a suspeita de ter havido uma troca de crianças. Os inimigos davam a entender que não estavam certos sobre a sua legitimidade. Havia também quem dissesse que D. Teresa não gostava muito dele por não ter a certeza que fosse seu filho. Apesar de tudo, quando é mais velho, tem parecenças indesmentíveis com o pai.

(FA) Conseguiste encontrar "provas" documentais de que o boato não tinha fundamento não foi...
(DA) O meu lado é o literário. O que se sabe é que há uma corrente que defende que ele não era filho de D. Teresa e do conde D. Henrique; que 200 anos mais tarde há uma tese passada a escrito que afirmava que era filho de Egas Moniz. O que procurei fazer foi transmitir a ideia de que havia essa intriga lançada contra Afonso Henriques desde o início, investigando o que existia de verdade nisto.

Mas era ou não filho de D. Teresa?
(DA) Acho que é só uma suspeita, que faz sentido por ser um milagre a sua recuperação. Como fisicamente é muito parecido com o pai ficava difícil negar essa paternidade. Tinha um 1,90, um gigante como o pai para a altura, quando os portugueses eram de perna curta. Mas enquanto a tia, D. Urraca, foi viva, ela nunca deixou de espalhar esse boato. A minha opinião é que esta história serve para encobrir outras situações - que não posso contar para não tirar interesse ao livro. Considero, no entanto, que poderia ter acontecido perfeitamente a troca dos bebés.

Não ficou chocado com esta interpretação?
(FA) Gosto de ver como o Domingos chega e trata essa conclusão pois não gosto de iconoclastas que se comprazem em destruir os heróis, mitos e lendas. Contudo, num país que acredita durante oito séculos que o seu primeiro rei foi de uma forma e depois é tudo falso seria algo que não gostaria que acontecesse. Só se houvesse provas documentais. Prefiro que não existam e que estas deduções das parecenças dele com o pai resultem das manobras da mãe e da tia e que não haja semelhança de todo com Egas Moniz.

Então, não ficou escandalizado?
(FA) Não, já conhecia esta questão mas não era o meu objetivo ao traçar o retrato e a vida de um chefe político, militar e diplomata. Quem vem do romance para a história e faz a síntese no romance histórico terá todo o interesse em explorar essa situação.
Perguntas soltas a Diogo Freitas do Amaral

"Os culpados pela descolonização são Salazar e os militares. Não Soares"

Não existe ainda a grande biografia sobre Salazar. Porquê?
É preciso fazê-la, mas a verdade é que tendo sido o principal responsável pela ditadura durante quase 50 anos e não tendo havido em Portugal uma transição pacífica para a democracia como em Espanha, compreendo que ainda não sido possível. Há o estudo de um grande admirador, Franco Nogueira, e que é um elogio, depois o de um historiador bastante objetivo, Filipe Ribeiro de Menezes, que peca por ser escrito por quem vive há muito tempo no estrangeiro. Salazar é uma personagem difícil de agarrar.
Até Marcelo Caetano tem mais biografias, que o consideram mais retrógrado que Salazar...
Porque está mais próximo e tentou abrir o regime, sem o conseguir. Não concordo que tenha sido pior que Salazar em termos de ditadura versus democracia. Inventou a fórmula da renovação na continuidade, no entanto confrontou-se com situações intocáveis: o regime, a Constituição e a política ultramarina. E soçobrou.

Américo Thomaz não é usado como desculpa para Caetano?
Thomaz discordava de tudo e era um bloco de granito na política ultramarina. Se alguém desse um passo para negociar uma independência seria logo demitido.

Já não se fala em mudar a atual Constituição. O que se passa?
Ninguém falava, mas há dois meses o Prof.. Braga da Cruz publicou um livro em que quer mudar tudo. Já lhe escrevi a dizer que discordava de quase tudo, afinal a Constituição tem servido bem e não há consenso para revisões.

A "geringonça" vai aguentar-se?
Inicialmente estava convencido que não, mas se não houver uma grande crise mundial tem condições para ir até ao fim do mandato. Não sei é se haverá condições para reeditar a experiência.

O estado do país deve-se a este ou ao anterior governo?
É evidente que a ambos.

Mário Soares foi o culpado pela descolonização absurda?
Não, acho até que teve pouca intervenção porque foi toda conduzida pelos militares. Os dois grandes culpados são: Salazar, quando pela magia do verbo convenceu quase todos que havia um Portugal uno do Minho a Timor e tornou quase impossível discutir o problema; os militares que fartos da guerra entregaram em vez de negociar. Não Soares.

As minissaias de Assunção Cristas chocam-no?
Não me chocam, nem as saias acima do joelho da primeira-ministra Theresa May. É uma moda que já começou há décadas.
Perguntas soltas a Domingos Amaral
"Sempre houve boatos, mentiras e campanhas de intoxicação"

Cursou Economia mas não seguiu esse caminho. Porquê?
Sempre senti que a Economia é uma ciência um pouco árida e sempre gostei de ler livros de História. Os meus primeiros romances não são históricos e só a certa altura é que me entusiasmei.

Quando é que se dá a mudança?
O primeiro romance histórico que escrevo é Enquanto Salazar Dormia, que foi muito bem recebido pelos leitores. A partir daí fui explorando esse lado e Quando Lisboa Tremeu se tornou num dos que mais gostei de escrever, alterei os temas a abordar.
Gosta de todas as épocas?

O gosto pela História não é uniforme, há períodos que gosto mais: Afonso Henriques, o Terramoto de 1755 e a II Guerra Mundial. Não me vejo a escrever romances históricos sobre épocas que não me interessam tanto.

É mais fácil escrever no passado?
É mais entusiasmante porque ainda não há distância em relação à nossa época para a compreender e isso incomoda-me.

É o caso de Verão Quente?
Sim, contém uma mistura entre a Revolução e o do presente.

Esta trilogia é a escrita que lhe deu mais prazer?
Sim, porque mergulhei na Idade Média e gostei de a compreender e de abordar o lado mais quotidiano de Afonso Henriques.

Foi pensada como uma trilogia?
É um desafio muito complicado escrever uma trilogia porque temos de manter o público interessado ao longo de três livros - o que não é fácil. Manter a história entusiasmante é complexo porque quero que gostem do livro.

Isto dava um romance é uma pergunta muito repetida?
Sim, sei de histórias que podiam dar um romance mas quando se as quer desenvolver é diferente. Já tive desilusões com boas ideias. A inspiração é um ponto de partida e não de chegada, porque ao construir-se a estrutura do livro confirma-se que nem tudo é interessante ou espetacular.

O jornalismo está cheio de notícias falsas. Choca-o?
Sempre houve boatos, mentiras e campanhas de propaganda e de intoxicação. O que há de novo é o digital, que torna mais fácil propagar as notícias falsas.

O futebol não está demasiado presente em Portugal?
Sou um apaixonado por futebol e acho que enquanto portugueses temos poucas atividades em que somos dos melhores do mundo.

O romance histórico não está a tirar leitores à História?
É possível, mas também tem a ver com falta de poder narrativo dos historiadores.

* O romance histórico acrescenta verdade à História, é o que pensamos.


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