HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
E se o rei Afonso Henriques
tivesse sido trocado em bebé?
Domingos Amaral terminou a trilogia Assim Nasceu Portugal e refere
que D. Teresa desconfiava que Afonso Henriques não era seu filho.
Freitas do Amaral entra no debate.
Ainda as perguntas não começaram e já pai e filho falam de D. Afonso
Henriques. É mesmo uma paixão, como se confirmará no decorrer da
conversa com o biógrafo do primeiro Rei de Portugal e o autor de uma
trilogia intitulada Assim Nasceu Portugal, respetivamente Diogo Freitas
do Amaral e Domingos Amaral, ambos os livros grandes sucessos de venda. O
pretexto do encontro é o fecho da trilogia e apurar a verdade sobre
alguns "casos" sobre o primeiro monarca português. Que foi preterido por
Camões na escolha do protagonista para o Dia de Portugal, que foi
vítima de várias calúnias no seu tempo, como a que diz não ser filho de
D. Teresa e D. Henrique. Assunto merecedor de debate mais à frente,
depois de se saber que pai e filho iam brincar para o castelo de
Guimarães, ou que nem todos os nossos historiadores apreciaram assim
tanto o primeiro rei, como é o caso de Oliveira Martins, que o mimoseava
com a caracterização de "estúpido" e com modos de "javali". Um encontro
para se saber o que pensa o biógrafo e o ficcionista que tentaram fixar
o perfil mais atualizado de um rei nascido no ano de 1109 e que morre
em 1185.
Como é que surge esta trilogia sobre o primeiro rei de Portugal?
(Domingos
Amaral) Uma situação que é pouco valorizada em Afonso Henriques e que
tentei mostrar nestes três romances é fazer uma leitura tanto do lado
cristão como do lado muçulmano, porque naquela época aqueles mundos
estavam muito ligados. Havia uma mistura de cristãos, árabes e moçárabes
que se notava bem na população de Lisboa, até na de Coimbra, ou seja,
era um mundo mais misturado do que imaginamos e assim continuou durante
séculos. Só na estrutura político-militar é que as conflitualidades eram
maiores.
Como chega a essa perspetiva?
(DA)
Nos romances históricos começo pela investigação e a querer saber o que
escreveram os historiadores sobre aquela época. Dessa pesquisa vêm
ideias para alguns personagens que irei criar com base em acontecimentos
históricos, como é o caso das princesas mouras. Há historiadores que
referem que Afonso Henriques poderia ter tido uma namorada moura, e é a
partir desse facto que não diz quase nada que tento criar uma personagem
com biografia.
.
Todos sabemos que venceu a Batalha de Ourique contra cinco reis muçulmanos, mas desconhece-se o que fez no fim do combate. Quem eram os amigos que o rodeavam e com quem podia falar com mais confiança. Portanto, tento colocar não apenas o registo histórico, embora lhe seja fiel, e registar o resto do que será a sua vida.
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Todos sabemos que venceu a Batalha de Ourique contra cinco reis muçulmanos, mas desconhece-se o que fez no fim do combate. Quem eram os amigos que o rodeavam e com quem podia falar com mais confiança. Portanto, tento colocar não apenas o registo histórico, embora lhe seja fiel, e registar o resto do que será a sua vida.
Escreveu uma biografia sobre este rei. O que acha de se o ficcionar?
(Freitas
do Amaral) Além de gostar muito destes livros do Domingos e da forma
como consegue combinar o rigor histórico com a imaginação criadora de
tudo o que não se sabe se aconteceu mas é plausível e possível, queria
lembrar que houve dois reis de Portugal, daqueles que mais fortemente
combateram os mouros no território, que promulgaram medidas legislativas
de proteção às minorias. O primeiro foi Afonso Henriques depois da
conquista de Alcácer do Sal, que publicou a carta de segurança e
privilégios para todos os mouros que quisessem ficar cá e sob especial
proteção da coroa, para evitar que os cristãos mais atrevidos achassem
que a guerra continuava. Depois, o seu bisneto, D. Afonso III, completa a
conquista do Algarve e publica também uma carta para todos os mouros
que quisessem ficar a viver aí. Portanto, existia essa preocupação com a
convivência na cabeça dos nossos reis.
Isso reflete-se nestes romances?
(FA)
Esta dimensão que o Domingos veio trazer, de olhar para o lado árabe e
integrá-lo na história daquele período, é muito interessante e útil
porque nos permite perceber mais do que se sabia na versão tradicional.
Há muitos casamentos, uniões de facto e filhos ilegítimos, que resultam
de momentos entre cristão e árabes. O próprio Afonso III apaixona-se
grandemente por uma princesa árabe, de quem tem os primeiros filhos. A
minha preocupação na biografia era sobretudo a atuação política,
diplomática e militar do primeiro rei e pouco falei de outras questões,
até porque estariam dispersas em literatura que desconhecia.
Esse lado árabe está um pouco ignorado na História de Portugal?
(FA)
Nas histórias tradicionais esteve, mas historiadores da segunda metade
do século XX e princípio do XXI passaram a dar-lhe mais importância.
Como Oliveira Marques e José Mattoso, a meu ver até exagerada no
primeiro caso, porque diz que há um norte cristão e um sul muçulmano e
que Portugal só nasce quando os dois se integram.
Que historiadores o inspiraram?
(DA)
A minha vocação de escritor e o gosto pela fórmula literária leva-me a
gostar muito de dois historiadores/escritores: Alexandre Herculano e
Oliveira Martins. Que escrevem maravilhosamente independentemente de no
registo histórico nem sempre acertarem por falta de documentos. Com as
suas descrições auxiliam-me no que é importante num romance: perceber
como as pessoas viviam, vestiam, comiam, namoravam, casavam e morriam.
(FA) Também consultaste historiadores espanhóis atuais...
(DA)
...Também os li e alguns historiadores árabes, que têm uma visão sobre
Afonso Henriques curiosa, pois chamavam-lhe Henrique o maldito -
temiam-no como grande guerreiro. É interessante ver que também o avô de
Afonso Henriques, Afonso VI, tem várias mulheres de quem tem filhas, uma
das quais D. Teresa, mas a determinada altura casa-se com uma princesa
filha do rei de Sevilha, uma moura chamada Zaida, que se converte ao
cristianismo e passa a intitular-se o imperador das duas religiões. Há
um projeto de fusão de toda a área, respeitando a diversidade. Aliás, é
interessante notar que Afonso Henriques é tentado a seguir o exemplo do
avô com uma princesa também moura.
Evitando o choque de civilizações?
(DA)
É uma tentativa de pacificação e, mesmo que não seja sempre bem
sucedida, confirma esta tentativa de misturar os dois mundos.
(FA)
Para perceber bem temos de distinguir a super estrutura
político-militar e a vida quotidiana das populações. A primeira estava
quase permantemente em guerra e com o objetivo de erradicar toda a
península da presença muçulmana, mas a vida da sociedade civil era de
uma convivência e tolerância que ainda hoje temos dificuldade em
perceber quando estamos em pleno terrorismo islâmico. Embora seja óbvio
que em Inglaterra, se pusermos de lado os radicais que lá existem, essa
relação entre ingleses, islâmicos, indianos e paquistaneses, é muito boa
e respeitada, ao ponto de o atual mayor de Londres ser um muçulmano -
europeizado, mas fiel às suas raízes. Acho que isso acontecia naquela
altura, quando não existia de todo a ideia de guerra de civilizações
apesar do objetivo ser da reconquista político militar. O que me leva a
supor, não sei se o Domingos concordará, que as invasões árabes e a sua
presença durante séculos não trazia consigo nenhum elemento de
proselitismo religioso.
(DA) Pelo
contrário, o califado de Córdova era muito tolerante com as outras
religiões, incluindo com judeus. Só quando vêm os califados de Marrocos é
que vemos os fundamentalistas surgirem.
Daqui a 500 anos olharemos para o presente como foi essa época?
(FA) Oxalá possa ser assim
Em pleno dia 10 de Junho há razão para questionar porque Afonso Henriques não é o seu símbolo?
(FA)
Justamente porque quando se começou a assinalar o Dia de Portugal havia
ainda aquela "maldição" do Oliveira Martins lançada sobre Afonso
Henriques. Que era um "bronco", um "estúpido" e um "javali que só sabia
marrar e matar", enquanto Camões estava no seu esplendor. Por outro
lado, não era fácil escolher uma data para ser o Dia de Portugal ligado a
um dia especial relacionado com o rei porque em 1128 ele ganha a
Batalha de São Mamede, que durante muitos anos no Estado Novo foi
considerado o início de Portugal. No entanto, essa vitória foi apenas
contra a Galiza e não contra Leão, o que levou que ainda se tivesse de
chegar a 1143. Ainda no Estado Novo, quando Salazar organizou as
comemorações dos centenários em 1940, disse que se comemorava os 300
anos sobre a Restauração de 1640 e 800 sobre o nascimento do Reino de
Portugal, que ele punha em 1140 porque julgava-se que datava desse ano o
primeiro documento em que Afonso Henriques se intitulava Rei dos
portugueses. Verifica-se mais tarde que era de 1139. Ou seja, não era
fácil escolher uma data, enquanto o 10 de Junho [data da morte de
Camões] foi mais consensual e ficou. Talvez fizesse sentido se não
tivéssemos feriados a mais transformar uma destas datas das batalhas em
data nacional.
Acha que se celebra de menos Afonso Henriques?
(FA) Sim, e tem-se feito pouco.
(DA)
Concordo, pois sem ele nada disto teria acontecido. Merecia mais
destaque. Como não foi uma personagem muito consensual durante muito
tempo em Portugal e os historiadores dividiam-se, o que não acontecia
com Camões, até do ponto de vista da portugalidade.
(FA)
Camões tem uma coisa que Afonso Henriques não poderia ter, e que é
muito importante: narra a epopeia dos Descobrimentos, o ponto mais alto
da nossa história. Daí que tenha sido mais fácil optar.
Não
acha que os jornalistas estão a substituir um pouco os historiadores,
como se vê no caso dos romances históricos do seu filho?
(FA)
Na função de investigação histórica acho que não, continuam a ter um
quase monopólio, até porque aprendem nos seus cursos a trabalhar com
documentos antigos, adquirem as técnicas e sabem onde estão os
documentos e como os devem ler e interpretar. E ainda bem, porque o
Domingos, eu e os jornalistas que escrevem sobre coisas históricas não
têm essas técnicas, nem conhecem essas fontes, e não têm paciência para
um certo tipo de investigação. No que toca à divulgação histórica, nas
sínteses para o grande público, aí acho que é verdade. Quer os
jornalistas, quer alguns professores universitários de outras áreas, têm
nos últimos vinte anos vindo a afirmar-se como bons sintetizadores e
divulgadores da História para o grande público.
O romance histórico é a grande via para reavivar o passado aos portugueses?
(DA)
É uma das vias para reconciliar e interessar pelo passado. Partilho o
que o pai disse que quando, por vezes, a História é escrita pelos
historiadores tem tantas exigências de rigor científico e de
documentação que se torna pouco interessante para o leitor. Por isso,
muitos escritores estão a tornar literária a História para que os
leitores a compreendam. Como eram o Herculano e o Oliveira Martins.
(FA) Mesmo assim, mais o Oliveira que o Herculano.
(DA) Porque escreviam muito bem...
(FA) ...e tinham o sentido do pormenor...
(DA)
...e davam mais importância às personalidades. Os historiadores atuais,
ao sentirem necessidade de explicar certas causas, tornam o tema maçudo
e retiram o interesse às pessoas. O ser humano gosta de histórias com
personagens e os historiadores não transformam um rei como personagem se
analisada ao nível científico. Tem de ser mais emocionante, daí a
popularidade de um José Hermano Saraiva. Um caso em que nem sempre tudo
batia certo mas proporcionava um encantamento. O romance histórico
cumpre essa função.
(FA) Que atraíu
milhões de portugueses para o conhecimento da História. E era um
advogado que exerceu durante décadas até se apaixonar pela história.
Aprendeu muito e tinha um poder de comunicação invulgar. Em termos
europeus, como a França e a Alemanha, seguiram as teses estruturalistas e
economicistas, a escola dos Annales, visões de longo prazo e de grandes
tendências demográficas, a História como ciência ficou muito mais rica
mas também menos fácil de assimilar pelos não especialistas. Já em
Inglaterra, quer nos historiadores tradicionais, quer nos da escola
Marxista, mantêm a ideia de que é preciso falar das pessoas e dá-las a
compreender. Não é por acaso que as melhores biografias históricas que
li são inglesas.
Foi isso que fez em Afonso III?
(FA)
Um pouco mais do que na biografia de Afonso Henriques, onde estava mais
preocupado em mostrar que não tinha sido apenas um conquistador mas sim
um fundador de uma nação, que teve de lutar muito por isso quer no
plano diplomático, como no político e militar, e conseguiu-o. No estudo
sobre Afonso III, talvez influenciado por alguns romances históricos do
Domingos anteriores a estes, já procurei abrir um pouco mais, mesmo que a
minha ótica continue a ser a de um homem de Estafo que introduz as
principais reformas estruturais que Portugal teve na primeira dinastia. É
o rei que cria o aparelho de Estado, dando mais forais que os seus
antecessores todos, e que muda a moeda e a legislação. É o grande rei
legislador e construtor do Estado medieval, mas já com alguns traços
modernos. Num estudo que fiz para essa biografia encontrei uma lei muito
importante, porque é a primeira em Portugal e das primeiras na Europa
em que se diz que se um oficial régio assistir a um crime em flagrante
delito está autorizado a prender mas não o pode manter sob detenção sem o
levar a um juiz. Esta ideia de que a prisão tem de ser validada por um
magistrado é muito moderna. Pensava que era uma conquista das revoluções
liberais mas não, está numa lei de Afonso III, no século XIII.
A biografia do seu pai sobre Afonso Henriques foi útil?
(DA) Muito, mesmo que este gosto por D. Afonso Henriques já venha muito da família do pai e dos tempos de férias desde pequenos.
(FA) Quando íamos muitas vezes brincar para o castelo...
(DA)
Para o castelo de Guimarães e outros da região, daí sentir que havia
algo interior que estava a marinar há muitos anos sobre uma história
daquela época. Obviamente li a biografia logo que o pai a publicou e
ajudou-me em vários aspetos, como perceber as várias visões sobre o rei.
Foi talvez nela que vi algo de que não me tinha apercebido tão
profundamente na leitura de outros historiadores. Que estamos a falar de
uma história que anda à volta de quatro ou cinco famílias que se
conheciam e de uma grande ligação entre a nossa corte e a de Leão -
Afonso Henriques e Afonso VII são primos direitos.
(FA)
Tanto assim que a maior parte das batalhas entre ambos, até Zamora,
eram travadas em torneios e os dois aceitavam quem vencia.
(DA)
Na altura em que li a biografia do pai senti essa realidade, tanto que
doze anos depois, quando comecei a escrever a trilogia, foi o lado
familiar que quis trabalhar. Sabemos que Afonso Henriques vence a
batalha de São Mamede contra a mãe, D. Teresa, e o conde de [Fernão
Peres de] Trava, e a pôs a ferros nas masmorras. A mim cabe-me inventar
uma conversa entre filho e mãe. O romancista pode fazê-lo. Sobretudo
neste livro final, queria também contar a história sobre a possibilidade
de Afonso Henriques não ser filho de D. Teresa, que era uma intriga que
já corria desde que era criança.
(FA) Já vem nas crónicas de então.
Essa questão é para vender livros ou pode ter algum fundamento?
(DA)
Este argumento foi então muito utilizado para lhe tirar a legitimidade.
O que se sabe é que quando Afonso Henriques nasce é uma criança com
deficiências nas pernas - isso está documentado -, depois é entregue ao
percetor Egas Moniz e três anos mais tarde é uma criança saudável. Há na
altura quem desconfie dessa mudança numa criança que nasce deficiente e
fica ótima e também quem refira a suspeita de ter havido uma troca de
crianças. Os inimigos davam a entender que não estavam certos sobre a
sua legitimidade. Havia também quem dissesse que D. Teresa não gostava
muito dele por não ter a certeza que fosse seu filho. Apesar de tudo,
quando é mais velho, tem parecenças indesmentíveis com o pai.
(FA) Conseguiste encontrar "provas" documentais de que o boato não tinha fundamento não foi...
(DA)
O meu lado é o literário. O que se sabe é que há uma corrente que
defende que ele não era filho de D. Teresa e do conde D. Henrique; que
200 anos mais tarde há uma tese passada a escrito que afirmava que era
filho de Egas Moniz. O que procurei fazer foi transmitir a ideia de que
havia essa intriga lançada contra Afonso Henriques desde o início,
investigando o que existia de verdade nisto.
Mas era ou não filho de D. Teresa?
(DA)
Acho que é só uma suspeita, que faz sentido por ser um milagre a sua
recuperação. Como fisicamente é muito parecido com o pai ficava difícil
negar essa paternidade. Tinha um 1,90, um gigante como o pai para a
altura, quando os portugueses eram de perna curta. Mas enquanto a tia,
D. Urraca, foi viva, ela nunca deixou de espalhar esse boato. A minha
opinião é que esta história serve para encobrir outras situações - que
não posso contar para não tirar interesse ao livro. Considero, no
entanto, que poderia ter acontecido perfeitamente a troca dos bebés.
Não ficou chocado com esta interpretação?
(FA)
Gosto de ver como o Domingos chega e trata essa conclusão pois não
gosto de iconoclastas que se comprazem em destruir os heróis, mitos e
lendas. Contudo, num país que acredita durante oito séculos que o seu
primeiro rei foi de uma forma e depois é tudo falso seria algo que não
gostaria que acontecesse. Só se houvesse provas documentais. Prefiro que
não existam e que estas deduções das parecenças dele com o pai resultem
das manobras da mãe e da tia e que não haja semelhança de todo com Egas
Moniz.
Então, não ficou escandalizado?
(FA)
Não, já conhecia esta questão mas não era o meu objetivo ao traçar o
retrato e a vida de um chefe político, militar e diplomata. Quem vem do
romance para a história e faz a síntese no romance histórico terá todo o
interesse em explorar essa situação.
Perguntas soltas a Diogo Freitas do Amaral
"Os culpados pela descolonização são Salazar e os militares. Não Soares"
Não existe ainda a grande biografia sobre Salazar. Porquê?
É
preciso fazê-la, mas a verdade é que tendo sido o principal responsável
pela ditadura durante quase 50 anos e não tendo havido em Portugal uma
transição pacífica para a democracia como em Espanha, compreendo que
ainda não sido possível. Há o estudo de um grande admirador, Franco
Nogueira, e que é um elogio, depois o de um historiador bastante
objetivo, Filipe Ribeiro de Menezes, que peca por ser escrito por quem
vive há muito tempo no estrangeiro. Salazar é uma personagem difícil de
agarrar.
Até Marcelo Caetano tem mais biografias, que o consideram mais retrógrado que Salazar...
Porque
está mais próximo e tentou abrir o regime, sem o conseguir. Não
concordo que tenha sido pior que Salazar em termos de ditadura versus
democracia. Inventou a fórmula da renovação na continuidade, no entanto
confrontou-se com situações intocáveis: o regime, a Constituição e a
política ultramarina. E soçobrou.
Américo Thomaz não é usado como desculpa para Caetano?
Thomaz
discordava de tudo e era um bloco de granito na política ultramarina.
Se alguém desse um passo para negociar uma independência seria logo
demitido.
Já não se fala em mudar a atual Constituição. O que se passa?
Ninguém
falava, mas há dois meses o Prof.. Braga da Cruz publicou um livro em
que quer mudar tudo. Já lhe escrevi a dizer que discordava de quase
tudo, afinal a Constituição tem servido bem e não há consenso para
revisões.
A "geringonça" vai aguentar-se?
Inicialmente
estava convencido que não, mas se não houver uma grande crise mundial
tem condições para ir até ao fim do mandato. Não sei é se haverá
condições para reeditar a experiência.
O estado do país deve-se a este ou ao anterior governo?
É evidente que a ambos.
Mário Soares foi o culpado pela descolonização absurda?
Não,
acho até que teve pouca intervenção porque foi toda conduzida pelos
militares. Os dois grandes culpados são: Salazar, quando pela magia do
verbo convenceu quase todos que havia um Portugal uno do Minho a Timor e
tornou quase impossível discutir o problema; os militares que fartos da
guerra entregaram em vez de negociar. Não Soares.
As minissaias de Assunção Cristas chocam-no?
Não me chocam, nem as saias acima do joelho da primeira-ministra Theresa May. É uma moda que já começou há décadas.
Perguntas soltas a Domingos Amaral
"Sempre houve boatos, mentiras e campanhas de intoxicação"
Cursou Economia mas não seguiu esse caminho. Porquê?
Sempre
senti que a Economia é uma ciência um pouco árida e sempre gostei de
ler livros de História. Os meus primeiros romances não são históricos e
só a certa altura é que me entusiasmei.
Quando é que se dá a mudança?
O
primeiro romance histórico que escrevo é Enquanto Salazar Dormia, que
foi muito bem recebido pelos leitores. A partir daí fui explorando esse
lado e Quando Lisboa Tremeu se tornou num dos que mais gostei de
escrever, alterei os temas a abordar.
Gosta de todas as épocas?
O
gosto pela História não é uniforme, há períodos que gosto mais: Afonso
Henriques, o Terramoto de 1755 e a II Guerra Mundial. Não me vejo a
escrever romances históricos sobre épocas que não me interessam tanto.
É mais fácil escrever no passado?
É mais entusiasmante porque ainda não há distância em relação à nossa época para a compreender e isso incomoda-me.
É o caso de Verão Quente?
Sim, contém uma mistura entre a Revolução e o do presente.
Esta trilogia é a escrita que lhe deu mais prazer?
Sim, porque mergulhei na Idade Média e gostei de a compreender e de abordar o lado mais quotidiano de Afonso Henriques.
Foi pensada como uma trilogia?
É
um desafio muito complicado escrever uma trilogia porque temos de
manter o público interessado ao longo de três livros - o que não é
fácil. Manter a história entusiasmante é complexo porque quero que
gostem do livro.
Isto dava um romance é uma pergunta muito repetida?
Sim,
sei de histórias que podiam dar um romance mas quando se as quer
desenvolver é diferente. Já tive desilusões com boas ideias. A
inspiração é um ponto de partida e não de chegada, porque ao
construir-se a estrutura do livro confirma-se que nem tudo é
interessante ou espetacular.
O jornalismo está cheio de notícias falsas. Choca-o?
Sempre
houve boatos, mentiras e campanhas de propaganda e de intoxicação. O
que há de novo é o digital, que torna mais fácil propagar as notícias
falsas.
O futebol não está demasiado presente em Portugal?
Sou um apaixonado por futebol e acho que enquanto portugueses temos poucas atividades em que somos dos melhores do mundo.
O romance histórico não está a tirar leitores à História?
É possível, mas também tem a ver com falta de poder narrativo dos historiadores.
* O romance histórico acrescenta verdade à História, é o que pensamos.
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