HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
João Paulo Raposo:
"O prejuízo da greve será dirigido ao
.poder político e não aos cidadãos"
.poder político e não aos cidadãos"
João Paulo Raposo, da Associação Sindical dos Juízes, diz que a proposta do Ministério da Justiça é "claramente insuficiente"
Os
magistrados decidem hoje - na Assembleia Geral que se realiza em
Coimbra - os próximos passos nas relações com o poder político. João
Paulo Raposo, secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses (ASJP) admite que a proposta do Ministério da Justiça
entregue esta semana é "claramente insuficiente" e em cima da mesa
poderá estar uma greve em inícios de agosto. Cujo resultado prático será
o de adiamento das eleições autárquicas. O alvo é "o poder político",
já que "a magistratura tem sido desconsiderada pelos últimos Governos".
Acredita deste pacto para a justiça possam sair, de facto, questões convergentes?
Isso acredito. Sem dúvida que acredito.
Em que áreas?
Estamos a trabalhar com base em quatro temas: a delação premiada, justiça económica, organização judiciária e acesso ao direito.
Em que moldes é que pode haver convergência na delação premiada?
A
primeira coisa é preciso assentarmos é que isto nunca pode ser uma
espécie de debate populista e que os juízes estão de um lado, com a capa
de justiceiros, à procura de delatores e os advogados estão do outro
lado da barricada como os defensores dos direitos individuais e do
Estado de Direito.
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Quando este tema foi escolhido, foi porque temos um problema claro, pelo menos publicamente percecionado, que tem a ver com a corrupção. O Ministério Público tem de fazer as investigações que são possíveis e há toda uma panóplia de perícias técnicas e de mecanismos associados à investigação que podem ser usados e que não podem substituir a delação ou a tal colaboração. Que ajudem, no fundo, a estabelecer o circuito quase intelectual, o circuito mental em que este fenómeno foi criado. Isto, obviamente, nunca pode ser uma prova única, como a confissão não é prova única.
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Quando este tema foi escolhido, foi porque temos um problema claro, pelo menos publicamente percecionado, que tem a ver com a corrupção. O Ministério Público tem de fazer as investigações que são possíveis e há toda uma panóplia de perícias técnicas e de mecanismos associados à investigação que podem ser usados e que não podem substituir a delação ou a tal colaboração. Que ajudem, no fundo, a estabelecer o circuito quase intelectual, o circuito mental em que este fenómeno foi criado. Isto, obviamente, nunca pode ser uma prova única, como a confissão não é prova única.
Em algum momento pensaram, em casos como a Operação Marquês, que está na fase de inquérito ao tempo que está...?
Não. Não, de certeza absoluta que não...
A
verdade é que a justiça já não está muito bem vista neste caso concreto
porque está há que tempos e tempos e tempos na fase de inquérito, sem
uma acusação...
Sem entrarmos
também em sofismas, nem em dizer aquilo que eu não posso dizer, é óbvio
que toda a realidade atual foi considerada, toda a realidade social que
nos envolve foi considerada. E, portanto, por isso é que pegámos nesse
tema.
Esta semana a ministra
entregou o resto da proposta remuneratória dos Estautos. Acredito que já
olhou para o documento. A hipótese de uma paralisação ainda está em
cima da mesa?
A hipótese de paralisação está em cima da mesa. Mas eu não gostaria que essa fosse ligada apenas à questão remuneratória.
Mas sim a toda a proposta do estatuto?
O
estatuto começa como? Começa com a famigerada reforma judiciária,
portanto, o grande mapa judiciário, que nasce com as imposições da
troika. Houve que fazer uma alteração substancial na estrutura dos
nossos tribunais e, nesse contexto, a revisão dos estatutos era uma das
peças. E, portanto, o que nos preocupa mais, de longe, são as questões
de independência. O juiz não pode ser um funcionário.Podemos pôr em
causa uma série de mecanismos que levam a uma espécie de funcionalização
dos juízes face ao juiz-presidente.
E a proposta que a ministra vos entregou, nesse sentido, acha que isso está acautelado? Ou não é suficiente ainda, para vocês?
Eu
acho, claramente, que a proposta é muito insuficiente nessas áreas. Em
termos remuneratórios, também é um dado histórico em todo o mundo que,
quando - aí já falamos de independência externa, mais de independência
externa - quando há desconforto do poder político (que é sempre um poder
mais forte) face ao judicial, a forma de ataque mais fácil é sempre
atacar direitos dos juízes: enfraquecê-los, enfraquecer o seu estatuto
económico, enfraquecer o seu estatuto social, enfraquecer a sua
segurança, enfraquecê-los enquanto pessoas, para depois os ter mais
fracos na função.
E acha que isso foi feito, neste caso, pelo governo anterior?
Não,
eu acho que tem havido um processo de enfraquecimento ao longo do
tempo. Ao longo dos vários governos. E temos um problema estrutural,
digamos, do estatuto social, que tem que ver com a questão da
exclusividade absoluta dos juízes. Os juízes são a única categoria,
dentro das funções soberanas do Estado, que tem exclusividade absoluta e
total desde que entram na função até que saem. E se nós queremos ter...
Mas também são premiados, passe a expressão, pelo subsídio de exclusividade.
Não.
Não.
Então explique-me.
Não
existe um subsídio de exclusividade. O que é que nós temos? Temos, para
já, um quadro remuneratório geral que é um quadro que está indexado, e
bem, aos titulares de todos os órgãos políticos. Mas que nos cria um
problema de base, que é o seguinte: nós entendemos - isto não é
politicamente correto, mas nós entendemos - que todos os titulares de
órgãos políticos, em Portugal, são muito mal pagos. O que acontece é
precisamente ao nível da exclusividade: enquanto os juízes têm
exclusividade absoluta desde que entram até que saem...os restantes não
têm.
Portanto, podem ganhar dinheiro também por outras vias...
Às
vezes enquanto estão na política...E, muitas vezes, não quando estão na
política, outras vezes, quando estão depois da política ou antes da
política. E, portanto, isto até cria, em termos de imagem pública
daquilo que é o serviço dos políticos - aqui estou a falar dos políticos
- de carreira, algumas dificuldades para nós todos enquanto cidadãos.
Par ao juiz, cria também esta limitação, que é: sentem-se completamente
limitados por uma razão que não é sua - que tem a ver com tal realidade
do politicamente correto e da incapacidade de o poder político ajustar a
sua própria retribuição àquilo que é a dignidade das funções - e nós
ficamos, de alguma maneira, amarrados a isso. E depois, fora esse tal
quadro macro, temos a questão do tal subsídio de compensação. O subsídio
de compensação não é um subsídio de exclusividade. Quanto a nós, devia
ser - não sei se com esse nome, se com outro, da condição de juiz. Mas a
génese, continua a ser uma génese errada. Portanto, interessava-nos
muito mais...Substituir, digamos assim, esse subsídio de compensação por
o tal de exclusividade.
Esse subsídio de compensação é igual para todos os juízes - para um de 1.ª instância ou para um desembargador?
Igual
para todos os juízes. É 620 euros. O que nós temos defendido há muito
tempo é, claramente, que isto se resolve com uma alteração global dos
titulares de cargos públicos que permita, no fundo, redignificar sem
subterfúgios, sem componentes extra, os titulares dos cargos políticos.
E a proposta da ministra é minimamente satisfatória para vocês?
Não,
não é minimamente satisfatória. Está muito longe disso. Desde logo
porque não afasta essa qualificação do subsídio. E, portanto - aqui, já
falando completamente a título pessoal -, eu preferiria um subsídio
requalificado para aquilo que é subsídio de exclusividade com o valor
que tem, do que um subsídio de dobro (sofrer uma subida para o dobro)
mantendo-se com a qualificação atual.
De subsídio de compensação.
De
compensação pela residência (casas de função). Exatamente por isso:
porque as questões essenciais são as questões estatutárias e as questões
de independência. Agora, também temos de ter noção de que os juízes são
pessoas e têm de viver e que o seu estatuto económico e social
degradou-se brutalmente nos últimos anos. Isto aconteceu com toda a
gente, não há dúvida. Mas há funções, que têm determinado tipo de
responsabilidade, em que isto se faz mais sentir. Quer dizer, não é uma
exigência que, no fundo, seja um pedido de qualquer... nos chamamos
voluptuário, em direito, quase um extra para as pessoas viverem com um
conforto acima da média por terem uma dignidade acima dos outros
cidadãos. Não tem nada a ver com isso. Tem a ver com voltarmos a ter um
estatuto social e económico que garanta a tranquilidade no exercício das
funções. É isto.
Quanto é que ganha um juiz em início de carreira?
Atualmente, contando com o subsídio, eu diria que andará em cerca dos 2.500 euros líquidos por mês. E não passa dos 3.500.
A hipótese de paralisação poderá sair deste encontro do fim de semana?
Não
sairá, certamente, do encontro do fim de semana. Sairá, quando muito,
do encontro do fim de semana, um mandato para a direção da associação
poder convocar essa paralisação. Irá sair sim um debate do estatuto e do
tratamento que o poder político tem tido com o judicial, desde estes
seis anos, de estagnação completa; e que nos digam: "Sim senhora,
chegámos a um ponto em que a realidade é insustentável e o que nos foi
apresentado também não é brilhante. Portanto, direção, façam lá o
processo negocial que tem de ser necessariamente curto. Se virem que não
há um mínimo de abertura ou que a abertura que existe não é quanto a
pontos essenciais, então ficam, desde já mandatados para isso".
Ainda vão dar um prazo para o processo negocial com o Governo?
Quando
falamos de processo negocial estamos a falar de processo negocial de
semanas, não estamos a falar de mais meses. O Ministério da Justiça, tem
toda a legitimidade para tomar a opção política que quiser tomar. E se
entender: "É esta a nossa solução, que foi a proposta, e não abrimos
mais negociação", sujeitar-se-á às consequências.
E a questão da greve possivelmente marcada para agosto de forma boicotar as eleições autárquicas?
Estamos
a chegar a uma situação em que as pessoas se sentem completamente
desconsideradas O juiz que intervém no processo eleitoral, está ali como
garante de quê? Da transparência do processo, da isenção do processo. O
juiz entra com a sua imparcialidade para o funcionamento de algo que é,
inerentemente, uma atividade política. E, portanto, se nós temos essa
desconsideração, também, naquilo que seja essa oportunidade, podemos
pensar nesse meio como...Mas não deixa de haver eleições autárquicas. Se
não houvesse em outubro, haveria em novembro, dezembro. E não deixaria
de haver autarcas em funções e não haveria, certamente, populações
atingidas por nenhum drama. Portanto, é também uma greve muito simbólica
e muito dirigida. Se for o caso. Não lhe vou dizer que é uma coisa que
satisfaça esta direção. Mas também não lhe posso dizer que esteja
excluída essa possibilidade.
A ideia é também criar prejuízo?
Um
prejuízo que não é para o cidadão, nem é para a democracia. É preciso
termos isto bem claro! Ou seja, para nós era bem pior uma greve que
pusesse em causa julgamentos, que pusesse em causa a liberdade das
pessoas. Isso era os juízes estarem a afetar a vida das pessoas e, de
alguma maneira, a usarem a sua função...O prejuízo é dirigido ao poder
político.
* Preferimos que as greves não existam mas não somos contra elas, significa que o o estado de direito funciona.
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