03/06/2017

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HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"


João Paulo Raposo:
"O prejuízo da greve será dirigido ao
.poder político e não aos cidadãos"

João Paulo Raposo, da Associação Sindical dos Juízes, diz que a proposta do Ministério da Justiça é "claramente insuficiente"
Os magistrados decidem hoje - na Assembleia Geral que se realiza em Coimbra - os próximos passos nas relações com o poder político. João Paulo Raposo, secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) admite que a proposta do Ministério da Justiça entregue esta semana é "claramente insuficiente" e em cima da mesa poderá estar uma greve em inícios de agosto. Cujo resultado prático será o de adiamento das eleições autárquicas. O alvo é "o poder político", já que "a magistratura tem sido desconsiderada pelos últimos Governos".

Acredita deste pacto para a justiça possam sair, de facto, questões convergentes?
Isso acredito. Sem dúvida que acredito.

Em que áreas?
Estamos a trabalhar com base em quatro temas: a delação premiada, justiça económica, organização judiciária e acesso ao direito.

Em que moldes é que pode haver convergência na delação premiada?
A primeira coisa é preciso assentarmos é que isto nunca pode ser uma espécie de debate populista e que os juízes estão de um lado, com a capa de justiceiros, à procura de delatores e os advogados estão do outro lado da barricada como os defensores dos direitos individuais e do Estado de Direito. 
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Quando este tema foi escolhido, foi porque temos um problema claro, pelo menos publicamente percecionado, que tem a ver com a corrupção. O Ministério Público tem de fazer as investigações que são possíveis e há toda uma panóplia de perícias técnicas e de mecanismos associados à investigação que podem ser usados e que não podem substituir a delação ou a tal colaboração. Que ajudem, no fundo, a estabelecer o circuito quase intelectual, o circuito mental em que este fenómeno foi criado. Isto, obviamente, nunca pode ser uma prova única, como a confissão não é prova única.

Em algum momento pensaram, em casos como a Operação Marquês, que está na fase de inquérito ao tempo que está...?
Não. Não, de certeza absoluta que não...

A verdade é que a justiça já não está muito bem vista neste caso concreto porque está há que tempos e tempos e tempos na fase de inquérito, sem uma acusação...
Sem entrarmos também em sofismas, nem em dizer aquilo que eu não posso dizer, é óbvio que toda a realidade atual foi considerada, toda a realidade social que nos envolve foi considerada. E, portanto, por isso é que pegámos nesse tema.

Esta semana a ministra entregou o resto da proposta remuneratória dos Estautos. Acredito que já olhou para o documento. A hipótese de uma paralisação ainda está em cima da mesa?
A hipótese de paralisação está em cima da mesa. Mas eu não gostaria que essa fosse ligada apenas à questão remuneratória.

Mas sim a toda a proposta do estatuto?
O estatuto começa como? Começa com a famigerada reforma judiciária, portanto, o grande mapa judiciário, que nasce com as imposições da troika. Houve que fazer uma alteração substancial na estrutura dos nossos tribunais e, nesse contexto, a revisão dos estatutos era uma das peças. E, portanto, o que nos preocupa mais, de longe, são as questões de independência. O juiz não pode ser um funcionário.Podemos pôr em causa uma série de mecanismos que levam a uma espécie de funcionalização dos juízes face ao juiz-presidente.

E a proposta que a ministra vos entregou, nesse sentido, acha que isso está acautelado? Ou não é suficiente ainda, para vocês?
Eu acho, claramente, que a proposta é muito insuficiente nessas áreas. Em termos remuneratórios, também é um dado histórico em todo o mundo que, quando - aí já falamos de independência externa, mais de independência externa - quando há desconforto do poder político (que é sempre um poder mais forte) face ao judicial, a forma de ataque mais fácil é sempre atacar direitos dos juízes: enfraquecê-los, enfraquecer o seu estatuto económico, enfraquecer o seu estatuto social, enfraquecer a sua segurança, enfraquecê-los enquanto pessoas, para depois os ter mais fracos na função.

E acha que isso foi feito, neste caso, pelo governo anterior?
Não, eu acho que tem havido um processo de enfraquecimento ao longo do tempo. Ao longo dos vários governos. E temos um problema estrutural, digamos, do estatuto social, que tem que ver com a questão da exclusividade absoluta dos juízes. Os juízes são a única categoria, dentro das funções soberanas do Estado, que tem exclusividade absoluta e total desde que entram na função até que saem. E se nós queremos ter...

Mas também são premiados, passe a expressão, pelo subsídio de exclusividade.
Não.

Então explique-me.
Não existe um subsídio de exclusividade. O que é que nós temos? Temos, para já, um quadro remuneratório geral que é um quadro que está indexado, e bem, aos titulares de todos os órgãos políticos. Mas que nos cria um problema de base, que é o seguinte: nós entendemos - isto não é politicamente correto, mas nós entendemos - que todos os titulares de órgãos políticos, em Portugal, são muito mal pagos. O que acontece é precisamente ao nível da exclusividade: enquanto os juízes têm exclusividade absoluta desde que entram até que saem...os restantes não têm.

Portanto, podem ganhar dinheiro também por outras vias...
Às vezes enquanto estão na política...E, muitas vezes, não quando estão na política, outras vezes, quando estão depois da política ou antes da política. E, portanto, isto até cria, em termos de imagem pública daquilo que é o serviço dos políticos - aqui estou a falar dos políticos - de carreira, algumas dificuldades para nós todos enquanto cidadãos. Par ao juiz, cria também esta limitação, que é: sentem-se completamente limitados por uma razão que não é sua - que tem a ver com tal realidade do politicamente correto e da incapacidade de o poder político ajustar a sua própria retribuição àquilo que é a dignidade das funções - e nós ficamos, de alguma maneira, amarrados a isso. E depois, fora esse tal quadro macro, temos a questão do tal subsídio de compensação. O subsídio de compensação não é um subsídio de exclusividade. Quanto a nós, devia ser - não sei se com esse nome, se com outro, da condição de juiz. Mas a génese, continua a ser uma génese errada. Portanto, interessava-nos muito mais...Substituir, digamos assim, esse subsídio de compensação por o tal de exclusividade.

Esse subsídio de compensação é igual para todos os juízes - para um de 1.ª instância ou para um desembargador?
Igual para todos os juízes. É 620 euros. O que nós temos defendido há muito tempo é, claramente, que isto se resolve com uma alteração global dos titulares de cargos públicos que permita, no fundo, redignificar sem subterfúgios, sem componentes extra, os titulares dos cargos políticos.

E a proposta da ministra é minimamente satisfatória para vocês?
Não, não é minimamente satisfatória. Está muito longe disso. Desde logo porque não afasta essa qualificação do subsídio. E, portanto - aqui, já falando completamente a título pessoal -, eu preferiria um subsídio requalificado para aquilo que é subsídio de exclusividade com o valor que tem, do que um subsídio de dobro (sofrer uma subida para o dobro) mantendo-se com a qualificação atual.

De subsídio de compensação.
De compensação pela residência (casas de função). Exatamente por isso: porque as questões essenciais são as questões estatutárias e as questões de independência. Agora, também temos de ter noção de que os juízes são pessoas e têm de viver e que o seu estatuto económico e social degradou-se brutalmente nos últimos anos. Isto aconteceu com toda a gente, não há dúvida. Mas há funções, que têm determinado tipo de responsabilidade, em que isto se faz mais sentir. Quer dizer, não é uma exigência que, no fundo, seja um pedido de qualquer... nos chamamos voluptuário, em direito, quase um extra para as pessoas viverem com um conforto acima da média por terem uma dignidade acima dos outros cidadãos. Não tem nada a ver com isso. Tem a ver com voltarmos a ter um estatuto social e económico que garanta a tranquilidade no exercício das funções. É isto.

Quanto é que ganha um juiz em início de carreira?
Atualmente, contando com o subsídio, eu diria que andará em cerca dos 2.500 euros líquidos por mês. E não passa dos 3.500.

A hipótese de paralisação poderá sair deste encontro do fim de semana?
Não sairá, certamente, do encontro do fim de semana. Sairá, quando muito, do encontro do fim de semana, um mandato para a direção da associação poder convocar essa paralisação. Irá sair sim um debate do estatuto e do tratamento que o poder político tem tido com o judicial, desde estes seis anos, de estagnação completa; e que nos digam: "Sim senhora, chegámos a um ponto em que a realidade é insustentável e o que nos foi apresentado também não é brilhante. Portanto, direção, façam lá o processo negocial que tem de ser necessariamente curto. Se virem que não há um mínimo de abertura ou que a abertura que existe não é quanto a pontos essenciais, então ficam, desde já mandatados para isso".

Ainda vão dar um prazo para o processo negocial com o Governo?
Quando falamos de processo negocial estamos a falar de processo negocial de semanas, não estamos a falar de mais meses. O Ministério da Justiça, tem toda a legitimidade para tomar a opção política que quiser tomar. E se entender: "É esta a nossa solução, que foi a proposta, e não abrimos mais negociação", sujeitar-se-á às consequências.

E a questão da greve possivelmente marcada para agosto de forma boicotar as eleições autárquicas?
Estamos a chegar a uma situação em que as pessoas se sentem completamente desconsideradas O juiz que intervém no processo eleitoral, está ali como garante de quê? Da transparência do processo, da isenção do processo. O juiz entra com a sua imparcialidade para o funcionamento de algo que é, inerentemente, uma atividade política. E, portanto, se nós temos essa desconsideração, também, naquilo que seja essa oportunidade, podemos pensar nesse meio como...Mas não deixa de haver eleições autárquicas. Se não houvesse em outubro, haveria em novembro, dezembro. E não deixaria de haver autarcas em funções e não haveria, certamente, populações atingidas por nenhum drama. Portanto, é também uma greve muito simbólica e muito dirigida. Se for o caso. Não lhe vou dizer que é uma coisa que satisfaça esta direção. Mas também não lhe posso dizer que esteja excluída essa possibilidade.

A ideia é também criar prejuízo?
Um prejuízo que não é para o cidadão, nem é para a democracia. É preciso termos isto bem claro! Ou seja, para nós era bem pior uma greve que pusesse em causa julgamentos, que pusesse em causa a liberdade das pessoas. Isso era os juízes estarem a afetar a vida das pessoas e, de alguma maneira, a usarem a sua função...O prejuízo é dirigido ao poder político.

*  Preferimos que as greves não existam mas não somos contra elas, significa que o o estado de direito funciona.

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