Obrigatoriedade da vacinação:
números precisam-se
Faz quase dois anos que foi diagnosticado, na Catalunha, o primeiro
caso de difteria em Espanha desde 1987. Era um menino, tinha seis anos e
acabou por não resistir à doença. Não estava vacinado. Na altura muito
se escreveu e debateu sobre este caso e sobre o crescente número de pais
que escolhe não vacinar os filhos. Na altura também se dizia e escrevia
que não é com a cabeça quente que se tomam decisões, que o confronto
entre direitos, liberdades e garantias e saúde pública exigia um debate
sereno por parte dos partidos políticos e da sociedade civil.
Mas
feito o enterro e esquecidos outros casos que por aqui e ali
aconteceram, lá continuámos a vida como de costume, com tantas outras
preocupações económicas, políticas e sociais. Lá adiámos qualquer
decisão política a este respeito. Também, afinal de contas, não havia
grande coisa a temer por terras lusas. Mas esta semana morreu, em
Portugal, uma jovem de 17 anos com complicações respiratórias após ter
contraído sarampo. Não estava vacinada. Como ela, a maioria dos cerca de
21 casos de crianças diagnosticadas com sarampo desde o início do ano
também não estava vacinada.
Há uma petição a circular que pede
que se pense e se debata a obrigatoriedade da vacinação e eventuais
penalizações para os pais que escolham não vacinar os filhos. Os
partidos estão unânimes quanto à necessidade de um debate sobre o
assunto mas rejeitam, para já, a obrigatoriedade da vacinação e de
penalizações.
É verdade que tomar decisões em contextos onde a
emoção se opõe à razão não é aconselhável nem desejável, mas deixar
passar tempo para acalmar marés é incorrer no risco de escrevermos e
debatermos menos o assunto nos meios de comunicação social e nas redes
sociais. É cair no risco destes casos caírem no esquecimento até que uma
nova epidemia aqueça os ânimos.
Em 2015, a propósito do menino
da Catalunha, escrevi um texto para o Semanário Expresso. Porque não
mudei de opinião e porque acho que faz sentido, transcrevo, sem tirar
nem pôr, algumas partes desse texto.
Mais do que um direito, a vacinação é um dever social (Expresso, 13 de junho de 2015)
“Há
quem não vacine por crenças religiosas, há quem se oponha a vacinas que
usem produtos animais, há quem considere que não está provada a sua
eficácia, há ainda quem ache que as vacinas são desnecessárias quando
certas doenças “já não existem” e há aqueles que receiam, sem razões
médicas para tal, possíveis efeitos secundários e reações nefastas à
vacinação que podem causar danos irreversíveis e até a morte.
Estes
últimos objetores são pais que aceitam, em consciência, que os filhos
estejam em risco de contrair a doença. Este risco é, no entanto, um
risco por omissão, como se resultasse de um infortúnio e, para estes
pais, preferível ao risco que advém de uma escolha “mais proativa”, a de
vacinar. Mas a decisão de vacinar ou não vacinar não é apenas uma
decisão moral, que mexe com a consciência de cada um, pois tem
consequências negativas para os outros. Para controlar epidemias é
necessária uma imunidade de grupo, em muitos casos só alcançada com uma
cobertura superior a 90%.
Mais do que irresponsáveis, os pais que
optam pela não vacinação, são egoístas e oportunistas, sofrendo de uma
atitude chamada free riding. Protegem os filhos dos hipotéticos riscos
da vacinação beneficiando do risco incorrido pelos pais que decidem
vacinar as suas crianças. A coragem e a imunidade dos outros serve de
escudo protetor aos seus. Usam da sua liberdade de escolha apenas porque
quase todos os outros fizeram uma escolha diferente.”
O debate deve ser feito sobre factos e números
Antes
de perdermos muito tempo a debater se a obrigatoriedade da vacinação
viola o direito da liberdade de escolha, precisamos de números.
Precisamos de saber qual a percentagem de crianças que não é vacinada e
porquê. Precisamos de saber se a imunidade de grupo está garantida, ou
se estará num futuro próximo, caso esta moda da não vacinação continue a
crescer como até agora. Esta unanimidade dos partidos em achar que a
obrigatoriedade para já não faz sentido não me faz sentido sem números.
Há
medidas que por muito radicais que sejam, como é a imposição de uma
eventual obrigatoriedade da vacinação, podem ser essenciais e fazer todo
o sentido. Neste caso, apesar de existir uma externalidade negativa
causada por quem não vacina sobre os outros, a solução apontada pela
teoria económica, como imposição de multas ou taxas que acautelem os
danos causados à sociedade, não é uma solução eficaz. Por um lado, não
muda necessariamente preferências, mas apenas comportamentos por via da
imposição de um custo. Um custo, que por sua vez pode apenas ser
relevante para as famílias de mais baixos rendimentos. Escolher não
vacinar passaria assim a ser uma decisão só para alguns e possivelmente
correlacionada com o rendimento familiar. Além disso, o cálculo de
possíveis custos em não vacinar as crianças é muito difícil de
concretizar.
Mais, deixar que existam pais que escolhem não
vacinar os seus filhos é deixar que estes beneficiem de borla dos
benefícios da vacinação. Se para estes a vacinação tem um custo, seja lá
que custo for, são todos os outros pais que o suportam. Uma alternativa
teórica seria o estabelecimento de uma quota para o número de pais que
escolhem não vacinar. E a única forma de ter uma quota justa seria
através da distribuição aleatória de isenções à vacinação entre os que
optam por esta via.
Opções teóricas mais ou menos viáveis para o
problema existem. Debater é importante, mas debater sem consequências
cansa. E, sinceramente, não fazer nada quando me parece que o número de
pais que opta por não vacinar cresce, é colocar a saúde pública em
risco. Mas, antes de mais, números precisam-se.
* A AUTORA
Sou
economista mas raramente escrevo sobre a dívida e o défice, conduzo
antes experiências para analisar o comportamento dos agentes económicos.
Tenho raízes no ISEG, onde me licenciei em Economia e fiz um mestrado.
Fui Assistente na Universidade Católica de Lisboa. Tirei o doutoramento
em Economia na Universidade de Amesterdão e, em 2007 rumo à Universidade
de Chicago para um pós-doutoramento. Desde 2009, sou professora
Assistente na Universidade de Purdue. Escrevi para o Diário de Notícias
entre 2006-2007, saltei depois para a opinião do Negócios e desde 2015
que assino Economia à Sexta, no Expresso. Escrever opinião é um modo
de analisar de fora o que se passa cá dentro.
IN "EXPRESSO"
21/04/17
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