ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
"VISÃO"
Presidenciais francesas:
As eleições da ira e do desencanto
Os franceses estão revoltados com os políticos. Este domingo, 23, muitos nem votam na primeira volta das presidenciais. As sondagens indicam que quatro candidatos podem conquistar o Palácio do Eliseu. Marine Le Pen é apenas a favorita, mas por pouco, no mais imprevisível escrutínio das últimas décadas
Assim que o comboio estaca na estação de
Mantes-la-Jolie, um plantel de jovens empregados da companhia
ferroviária toma posição em frente de cada carruagem, alguns de braços
em cruz, impedindo a entrada de uns mil e tal passageiros aglutinados na
plataforma F, com destino a Paris.
.
Saem umas dez pessoas. O comboio está praticamente vazio. São quase 8 horas, e o atraso para o emprego começa a ser plausível. No cais, os ânimos aquecem depressa. “Porque diabo não podemos entrar?” Os jovens empregados não sabem. Dois quadros da companhia, a SNCF, que até ali vigiavam a operação de longe, explicam: “Este comboio vem da Normandia e é subvencionado pelo Conselho Regional dessa região. Os eleitos normandos não querem que o pessoal da região parisiense possa viajar nele”. Instala-se um silêncio atónito. “Isso é estúpido! Quem paga impostos neste país subvenciona também a SNCF. Seja onde for”, tenta argumentar um passageiro. Encolher de ombros compreensivo dos responsáveis. A notícia percorre o cais num instante. Agora mergulhada numa cólera silenciosa, a massa compacta de passageiros fixa o comboio quase vazio. “Isto é pior do que estúpido, é humilhante”, resume uma senhora.
A cólera, dizem as sondagens, vai motivar em grande parte o voto dos franceses este domingo, na primeira volta das eleições presidenciais. Cólera contra a subida das desigualdades, contra uma classe política em total desconexão com a realidade ao ponto de não esconder assomos de desprezo social (o Presidente cessante, o socialista François Hollande, tão impopular que teve de desistir de se recandidatar, chama aos pobres “os sem-dentes”, segundo a sua ex-companheira, Valérie Trierweiler). Cólera contra a estagnação, e muitas vezes a regressão do poder de compra. Cólera contra o empobrecimento dos jovens e a falta de perspetivas de futuro na sexta economia mundial. Cólera contra um sistema político vigente desde os anos 1950.
“Desta vez, não há um único tema a estruturar a campanha eleitoral. No passado, tivemos a insegurança, ou a fratura social, ou ainda o trabalho, um tema-chave imposto de cada vez por um candidato. Em 2017, se há uma ideia temática, ela foi imposta pelos eleitores que a gritam em público: Desandem! [Dégagez!]”, sublinha Brice Teinturier, do instituto de sondagens Ipsos.
Dos
onze candidatos em liça, quatro têm hipóteses quase idênticas de chegar
à segunda volta, a 7 de maio. Ora, só dois a podem disputar. E a uma
semana do voto, pela primeira vez na história contemporânea da França,
ninguém é capaz de antever quem serão. Desde fevereiro, a frase
desencantada que mais ouvimos quando perguntamos a franceses por quem
vão votar, é: “Vou escolher o programa que menos prejudicar os meus
interesses”. Aparentemente, nenhum se destaca ainda.
Marine Le Pen, herdeira do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), tem feito uma campanha medíocre, não soube renovar os seus velhos temas da xenofobia e da insegurança, e parece quase não ter apetência pelo poder, mas continua a ser a preferida nas sondagens para a primeira volta. Teve um deslize segunda-feira, ficando mais próxima dos seus rivais – e um comentador já previa, entusiasta, que Le Pen poderia não passar à segunda volta. Na realidade, mantinha-se ainda à frente. O ultraconservador François Fillon, que foi primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy durante cinco anos, parecia acabado e arrumado com um escândalo em que a mulher e os filhos receberam mais de 800 mil euros de dinheiro público em empregos que a justiça diz serem fictícios, e com presentes de fatos a 13 mil euros que muito se assemelham a uma compra de favores. Ora, Fillon continua a ser o favorito de uma França com interesses patrimoniais que ele prometeu proteger e muitos jornalistas acreditam que tem hipóteses de ser eleito. Há depois Emmanuel Macron, um óvni político vindo do Banco Rothschild e dos meios elitistas da esquerda socialista. Nem de esquerda nem de direita, diz ele, “antes pelo contrário” acrescenta quem o detesta, criador de uma estrutura nova, En marche, adulado pelos media – que veem nele o futuro presidente – e pelos decisores económicos, apoiado por uma parte do partido socialista e por alguns caciques has been de direita, antigo ministro da Economia num governo socialista, Macron seduz desde o seu aparecimento no serralho político. Uma cara nova num país em que os políticos se agarram ao poder toda a vida, a juventude (39 anos) e um casamento atípico com uma mulher mais velha de 24 anos, professora dele no liceu, são os seus trunfos. Acrescentam as más-línguas que o seu sucesso se deve também ao vazio abissal do personagem que muitos dos seus apoiantes querem preencher com conselhos… à espera de um tacho recompensador, é claro. Mas é o único pró-União Europeia.
Por fim há a ascensão meteórica de Jean-Luc Mélenchon, um tribuno fenomenal, criador da formação França Insubmissa (France insoumise) e aliado ao partido comunista. Mélenchon atrai multidões cada vez mais impressionantes em cada comício, ao ponto de ninguém o excluir da segunda volta e de ele próprio se ver já instalado no Eliseu. Promete acabar com a V República e renegociar os tratados europeus, faz seis comícios ao mesmo tempo em seis cidades diferentes graças a retransmissões por via de hologramas, e o mesmo fervor domina nas bancadas apinhadas dos comícios virtuais.
Estes quatro candidatos dizem-se desde o início “antissistema” porque todos perceberam a aversão dos eleitores por um sistema político estafado. Um estado de espírito sublinhado recentemente pelo universitário Loïc Blondieux na rádio France Inter: “Há uma revolta contra o liberalismo económico, contra as elites e contra o sistema institucional.
A França entra num período de muitas incertezas mas o verdadeiro momento de verdade vai ser nas legislativas [em junho]”. É que três dos candidatos, Le Pen, Macron e Mélenchon, não têm como assegurar uma maioria parlamentar nas eleições legislativas de junho. Isto deve-se ao modo de escrutínio maioritário a duas voltas, que aumenta os resultados dos partidos estabelecidos e encolhe os dos outros. Assim, em 2012 a FN só teve dois deputados com 3,5 milhões de votos.
A
incerteza aumenta com a abstenção elevada dos últimos anos em França (e
que promete novos recordes este ano). Segundo Blondiaux, não seria um
sinal de afastamento dos eleitores, mas antes a “exigência de um novo
funcionamento da democracia e de outros modos de expressão democrática”.
“Nenhum político conhece o mundo da gente pequena, como nós”, diz-nos Catherine Roux, encontrada no comboio seguinte de Mantes-la-Jolie para Paris. Secretária, 42 anos, o marido desempregado e dois filhos adolescentes, Catherine conta calmamente o que é sua vida desde há três anos com um salário ilíquido de 1600 euros (o salário mínimo ilíquido é de 1467 euros): “É verificar todos os preços no supermercado, evitar qualquer desperdício, procurar todas as promoções... É nunca sair, nunca ter nada de supérfluo, nunca oferecer um pequeno presente aos miúdos”. Por quem vai votar? “Não sei. Fillon quer baixar os impostos dos ricos, e aumentar o IVA. Isso, não aceito. Os outros… não sei”.
Mantes-la-Jolie é uma cidade situada a uns 60 quilómetros a noroeste de Paris, já perto da Normandia. Afugentados pelos preços proibitivos na capital, cada vez mais parisienses procuram casa nesta região de uma beleza estonteante: os comboios diretos demoram 35m, os semidiretos uma hora, a autoestrada faz-se em 45m. Em teoria.
O impacto dos novos fluxos demográficos não foi acompanhado pelos poderes públicos. Infraestruturas saturadas, comboios anulados ou atrasados por avarias e engarrafamentos monstros resultam em atrasos frequentes no trabalho. Três a quatro horas de transportes diárias são um mínimo. E quem tem de apanhar autocarro para as aldeias à volta – cada vez mais procuradas porque Mantes também começa a estar saturada – aguenta bastas vezes com cinco a seis horas de transportes.
A cidade seguinte chama-se Mantes-la-Ville, e é gerida por uma autarquia Frente Nacional que não dá que falar, mas que se enraíza. Yvette e François, 58 e 54 anos, têm uma mercearia não muito longe da câmara. “O que eu quero é um presidente que dê o subsídio de desemprego aos pequenos chefes de empresa como eu” explica François enquanto pesa fruta. “Se o negócio for à falência, não temos nada, isso tem de acabar”. “Sobretudo que nós ainda ajudamos um filho desempregado”, acrescenta a mulher. Então vão votar Mélenchon ? Ele propõe essa medida. Olhar de soslaio de François: “Esse bolchevique? Não, a Marine é melhor para nós”. “Ainda não é a vez dela, as pessoas ainda se iludem”, profetiza Yvette “mas daqui a cinco anos sim, temo-la no Eliseu”.
Manifestações violentas de militantes de extrema-esquerda multiplicam-se contra Marine Le Pen, como em Paris, domingo último. Um oficial francês de alta patente a quem pedimos, meio a brincar, um palpite para estas presidenciais, respondeu: “Entre a ordem e o caos, os franceses escolherão sempre a ordem”. Para bom entendedor?
A
França é a sexta maior economia mundial e redistribui anualmente metade
da riqueza nacional sob a forma de prestações sociais diretas e de
serviços públicos – ensino, saúde, transportes, infraestruturas.
Sem este sistema de redistribuição, a desigualdade de rendimentos no país seria sete vezes maior entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. A fiscalidade e as cotizações sociais reduzem esse diferencial – um dos mais baixos da OCDE – mas segundo o Observatório das Desigualdades, esta situação tem sofrido uma degradação “rápida e forte” desde a crise de 2008. As reduções orçamentais conduziram a que metade do património em França seja hoje detida por 10% da população, e a outra metade pelos 90% restantes.
A diferença de rendimentos aumenta entre homens e mulheres, entre metrópoles e subúrbios ou zonas rurais. O próprio sistema redistribuidor é acusado de ineficácia por reproduzir as desigualdades sociais em vez de as corrigir. “Hoje, assiste-se a uma progressão das desigualdades nos segmentos mais baixos da população, pela redução dos rendimentos mais modestos”, deplora Noam Leandri, presidente do Observatório das Desigualdades.
* Se fôssemos franceses votaríamos Mélenchon.
Saem umas dez pessoas. O comboio está praticamente vazio. São quase 8 horas, e o atraso para o emprego começa a ser plausível. No cais, os ânimos aquecem depressa. “Porque diabo não podemos entrar?” Os jovens empregados não sabem. Dois quadros da companhia, a SNCF, que até ali vigiavam a operação de longe, explicam: “Este comboio vem da Normandia e é subvencionado pelo Conselho Regional dessa região. Os eleitos normandos não querem que o pessoal da região parisiense possa viajar nele”. Instala-se um silêncio atónito. “Isso é estúpido! Quem paga impostos neste país subvenciona também a SNCF. Seja onde for”, tenta argumentar um passageiro. Encolher de ombros compreensivo dos responsáveis. A notícia percorre o cais num instante. Agora mergulhada numa cólera silenciosa, a massa compacta de passageiros fixa o comboio quase vazio. “Isto é pior do que estúpido, é humilhante”, resume uma senhora.
A cólera, dizem as sondagens, vai motivar em grande parte o voto dos franceses este domingo, na primeira volta das eleições presidenciais. Cólera contra a subida das desigualdades, contra uma classe política em total desconexão com a realidade ao ponto de não esconder assomos de desprezo social (o Presidente cessante, o socialista François Hollande, tão impopular que teve de desistir de se recandidatar, chama aos pobres “os sem-dentes”, segundo a sua ex-companheira, Valérie Trierweiler). Cólera contra a estagnação, e muitas vezes a regressão do poder de compra. Cólera contra o empobrecimento dos jovens e a falta de perspetivas de futuro na sexta economia mundial. Cólera contra um sistema político vigente desde os anos 1950.
“Desta vez, não há um único tema a estruturar a campanha eleitoral. No passado, tivemos a insegurança, ou a fratura social, ou ainda o trabalho, um tema-chave imposto de cada vez por um candidato. Em 2017, se há uma ideia temática, ela foi imposta pelos eleitores que a gritam em público: Desandem! [Dégagez!]”, sublinha Brice Teinturier, do instituto de sondagens Ipsos.
O grande jogo dos empatas
Dos
onze candidatos em liça, quatro têm hipóteses quase idênticas de chegar
à segunda volta, a 7 de maio. Ora, só dois a podem disputar. E a uma
semana do voto, pela primeira vez na história contemporânea da França,
ninguém é capaz de antever quem serão. Desde fevereiro, a frase
desencantada que mais ouvimos quando perguntamos a franceses por quem
vão votar, é: “Vou escolher o programa que menos prejudicar os meus
interesses”. Aparentemente, nenhum se destaca ainda.Marine Le Pen, herdeira do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), tem feito uma campanha medíocre, não soube renovar os seus velhos temas da xenofobia e da insegurança, e parece quase não ter apetência pelo poder, mas continua a ser a preferida nas sondagens para a primeira volta. Teve um deslize segunda-feira, ficando mais próxima dos seus rivais – e um comentador já previa, entusiasta, que Le Pen poderia não passar à segunda volta. Na realidade, mantinha-se ainda à frente. O ultraconservador François Fillon, que foi primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy durante cinco anos, parecia acabado e arrumado com um escândalo em que a mulher e os filhos receberam mais de 800 mil euros de dinheiro público em empregos que a justiça diz serem fictícios, e com presentes de fatos a 13 mil euros que muito se assemelham a uma compra de favores. Ora, Fillon continua a ser o favorito de uma França com interesses patrimoniais que ele prometeu proteger e muitos jornalistas acreditam que tem hipóteses de ser eleito. Há depois Emmanuel Macron, um óvni político vindo do Banco Rothschild e dos meios elitistas da esquerda socialista. Nem de esquerda nem de direita, diz ele, “antes pelo contrário” acrescenta quem o detesta, criador de uma estrutura nova, En marche, adulado pelos media – que veem nele o futuro presidente – e pelos decisores económicos, apoiado por uma parte do partido socialista e por alguns caciques has been de direita, antigo ministro da Economia num governo socialista, Macron seduz desde o seu aparecimento no serralho político. Uma cara nova num país em que os políticos se agarram ao poder toda a vida, a juventude (39 anos) e um casamento atípico com uma mulher mais velha de 24 anos, professora dele no liceu, são os seus trunfos. Acrescentam as más-línguas que o seu sucesso se deve também ao vazio abissal do personagem que muitos dos seus apoiantes querem preencher com conselhos… à espera de um tacho recompensador, é claro. Mas é o único pró-União Europeia.
Por fim há a ascensão meteórica de Jean-Luc Mélenchon, um tribuno fenomenal, criador da formação França Insubmissa (France insoumise) e aliado ao partido comunista. Mélenchon atrai multidões cada vez mais impressionantes em cada comício, ao ponto de ninguém o excluir da segunda volta e de ele próprio se ver já instalado no Eliseu. Promete acabar com a V República e renegociar os tratados europeus, faz seis comícios ao mesmo tempo em seis cidades diferentes graças a retransmissões por via de hologramas, e o mesmo fervor domina nas bancadas apinhadas dos comícios virtuais.
Estes quatro candidatos dizem-se desde o início “antissistema” porque todos perceberam a aversão dos eleitores por um sistema político estafado. Um estado de espírito sublinhado recentemente pelo universitário Loïc Blondieux na rádio France Inter: “Há uma revolta contra o liberalismo económico, contra as elites e contra o sistema institucional.
A França entra num período de muitas incertezas mas o verdadeiro momento de verdade vai ser nas legislativas [em junho]”. É que três dos candidatos, Le Pen, Macron e Mélenchon, não têm como assegurar uma maioria parlamentar nas eleições legislativas de junho. Isto deve-se ao modo de escrutínio maioritário a duas voltas, que aumenta os resultados dos partidos estabelecidos e encolhe os dos outros. Assim, em 2012 a FN só teve dois deputados com 3,5 milhões de votos.
Dramas e esperanças suburbana
A
incerteza aumenta com a abstenção elevada dos últimos anos em França (e
que promete novos recordes este ano). Segundo Blondiaux, não seria um
sinal de afastamento dos eleitores, mas antes a “exigência de um novo
funcionamento da democracia e de outros modos de expressão democrática”.
“Nenhum político conhece o mundo da gente pequena, como nós”, diz-nos Catherine Roux, encontrada no comboio seguinte de Mantes-la-Jolie para Paris. Secretária, 42 anos, o marido desempregado e dois filhos adolescentes, Catherine conta calmamente o que é sua vida desde há três anos com um salário ilíquido de 1600 euros (o salário mínimo ilíquido é de 1467 euros): “É verificar todos os preços no supermercado, evitar qualquer desperdício, procurar todas as promoções... É nunca sair, nunca ter nada de supérfluo, nunca oferecer um pequeno presente aos miúdos”. Por quem vai votar? “Não sei. Fillon quer baixar os impostos dos ricos, e aumentar o IVA. Isso, não aceito. Os outros… não sei”.
Mantes-la-Jolie é uma cidade situada a uns 60 quilómetros a noroeste de Paris, já perto da Normandia. Afugentados pelos preços proibitivos na capital, cada vez mais parisienses procuram casa nesta região de uma beleza estonteante: os comboios diretos demoram 35m, os semidiretos uma hora, a autoestrada faz-se em 45m. Em teoria.
O impacto dos novos fluxos demográficos não foi acompanhado pelos poderes públicos. Infraestruturas saturadas, comboios anulados ou atrasados por avarias e engarrafamentos monstros resultam em atrasos frequentes no trabalho. Três a quatro horas de transportes diárias são um mínimo. E quem tem de apanhar autocarro para as aldeias à volta – cada vez mais procuradas porque Mantes também começa a estar saturada – aguenta bastas vezes com cinco a seis horas de transportes.
A cidade seguinte chama-se Mantes-la-Ville, e é gerida por uma autarquia Frente Nacional que não dá que falar, mas que se enraíza. Yvette e François, 58 e 54 anos, têm uma mercearia não muito longe da câmara. “O que eu quero é um presidente que dê o subsídio de desemprego aos pequenos chefes de empresa como eu” explica François enquanto pesa fruta. “Se o negócio for à falência, não temos nada, isso tem de acabar”. “Sobretudo que nós ainda ajudamos um filho desempregado”, acrescenta a mulher. Então vão votar Mélenchon ? Ele propõe essa medida. Olhar de soslaio de François: “Esse bolchevique? Não, a Marine é melhor para nós”. “Ainda não é a vez dela, as pessoas ainda se iludem”, profetiza Yvette “mas daqui a cinco anos sim, temo-la no Eliseu”.
Manifestações violentas de militantes de extrema-esquerda multiplicam-se contra Marine Le Pen, como em Paris, domingo último. Um oficial francês de alta patente a quem pedimos, meio a brincar, um palpite para estas presidenciais, respondeu: “Entre a ordem e o caos, os franceses escolherão sempre a ordem”. Para bom entendedor?
Desigualdades no país da igualdade
A
França é a sexta maior economia mundial e redistribui anualmente metade
da riqueza nacional sob a forma de prestações sociais diretas e de
serviços públicos – ensino, saúde, transportes, infraestruturas.Sem este sistema de redistribuição, a desigualdade de rendimentos no país seria sete vezes maior entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. A fiscalidade e as cotizações sociais reduzem esse diferencial – um dos mais baixos da OCDE – mas segundo o Observatório das Desigualdades, esta situação tem sofrido uma degradação “rápida e forte” desde a crise de 2008. As reduções orçamentais conduziram a que metade do património em França seja hoje detida por 10% da população, e a outra metade pelos 90% restantes.
A diferença de rendimentos aumenta entre homens e mulheres, entre metrópoles e subúrbios ou zonas rurais. O próprio sistema redistribuidor é acusado de ineficácia por reproduzir as desigualdades sociais em vez de as corrigir. “Hoje, assiste-se a uma progressão das desigualdades nos segmentos mais baixos da população, pela redução dos rendimentos mais modestos”, deplora Noam Leandri, presidente do Observatório das Desigualdades.
* Se fôssemos franceses votaríamos Mélenchon.
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