22/04/2017

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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

Sete crianças vítimas de maus tratos por dia. Agressões são mais cruéis

Espancamentos com cabos elétricos, chicotes ou colheres de pau abundam. Houve 360 casos na faixa dos 0 aos 5

"Não dormi toda a noite das dores que tenho no corpo". O desabafo ouvido pelas técnicas da comissão de proteção de crianças e jovens (CPCJ) de Sintra Oriental (Cacém) foi feito há poucos dias por uma menina de sete anos que foi espancada pelo pai com uma colher de pau e com uma colher de metal.
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É um exemplo do que se passa em Portugal, onde, no ano passado, por média sete crianças por dia foram vítimas de maus tratos. Ou seja, foram efetuadas 2719 sinalizações de maus tratos físicos e psicológicos a crianças às comissões de menores. Estes são dados preliminares do relatório anual da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), avançados ao DN.

Apesar da ligeira diminuição de casos face a 2015, as situações que chegam às comissões mostram cada vez mais crueldade nas agressões, com objetos como cabos elétricos, pneus, chicotes ou colheres de metal. E houve 360 crianças dos 0 aos 5 anos vítimas deste tipo de espancamento. "Tem vindo a crescer de forma perigosa a exposição dos menores a comportamentos de risco como a violência doméstica", explicou Dora Alvarez, da equipa técnica da Comissão Nacional.
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Em Portugal, mais de 12 mil crianças são expostas a comportamentos que afetam o seu bem estar, nomeadamente, a violência doméstica, e esse é o motivo para 30% das sinalizações de menores em perigo feitas às CPCJ.
Só no primeiro trimestre deste ano, o Ministério Público (MP) abriu 100 processos-crime por violência doméstica contra menores, mais de um terço do total de inquéritos do ano passado (352), segundo dados da Procuradoria-Geral da República, cedidos ao DN. Nestes primeiros três meses foram deduzidas 15 acusações. Em todo em 2016 foram deduzidas 54.
"Estes dados não refletem a maioria das situações, até porque, nos casos de violência doméstica conjunta com um dos progenitores (que a experiência nos diz serem muito mais frequentes), os inquéritos são registados por referência ao adulto, e só uma análise caso a caso permitia aferir quantos envolvem também crianças", esclareceu a PGR. A 31 de março, existiam ainda 30 inquéritos que aguardavam o prazo para a suspensão provisória do processo.
Neste mês de abril chama-se a atenção para a prevenção dos maus tratos na infância, alerta que será assinalado por 309 comissões de menores com várias iniciativas.
Na comissão Sintra Oriental, uma das que tem mais volume processual na Grande Lisboa (1800 processos em 2016, com técnicos que estão com mais de 200 inquéritos cada um), o caso da menina de sete anos espancada pelo pai com colheres comoveu a presidente desta CPCJ, Sandra Feliciano. "Foi agredida por motivos fúteis. É filha de pais separados no regime de guarda partilhada. Naquele fim de semana estava com o progenitor. 
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Desobedeceu a uma ordem qualquer e ele bateu-lhe com as colheres ao ponto de marcar o corpo todo. Foi o hospital que sinalizou o caso". A CPCJ abriu um processo de promoção e proteção da menor e a criança passou a estar sob a guarda exclusiva da mãe, tendo o pai direito a visitas supervisionadas. Em simultâneo, o MP abriu processo pelo crime de maus tratos.
"Também há pouco tempo tivemos o caso de uma adolescente que foi espancada pelo pai com um cabo elétrico até ficar em sangue. A rapariga foi hospitalizada e a unidade de saúde contactou o hospital e a mãe. Trata-se também de um casal separado".
Dora Alvarez, da Comissão Nacional, garante que "os casos de maus tratos são transversais a todas as classes sociais. O que vai parar muito às franjas são as situações de negligência".
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Os maus tratos físicos aconteceram mais na faixa dos 11 aos 14 anos, com 541 casos, seguindo-se a faixa dos 6 aos 10 com 523, a dos 15 aos 18 com 442 e a dos 0 aos 5 anos com 360 casos. Os castigos corporais também aumentaram em 2016 - 100 casos contra 96 em 2015.
A maioria das vítimas dos 832 maus tratos psicológicos foram as raparigas (50,5%), com exceção da faixa etária dos 6 aos 10 anos, em que houve mais rapazes (245) a serem humilhados ou ofendidos pelos pais. A maioria das agressões foi comunicada pelos hospitais.

* Violência parental é tão grave como pedofilia.

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