HOJE NO
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Delação premiada.
Ministra quebra o silêncio
e diz que debate é importante
Francisca Van Dunem diz que não está pensada
qualquer iniciativa legislativa, mas considera debate sobre delação
“importante e possível”.
“A comunidade portuguesa de mediana idade tem dificuldade em aceitar a [delação premiada] porque lhe soa a um bufo que vai dizer coisas para livrar a pele”, atirou o magistrado, questionando: “Mas se houver declarações de um coarguido, de testemunhas, se houver conjugação de tudo com a prova pericial concita à mesma os receios de uma pide dos tempos modernos, ou de um sistema que premeie a bufaria? Nós não temos garantias para checar tudo o que foi dito?”
A posição parece ser acompanhada – pelo menos em parte – pela atual ministra da Justiça que, segundo o “JN”, já em 2012 enquanto procuradora distrital de Lisboa deu instruções aos magistrados do MP do distrito judicial de Lisboa para que negociassem a sentença mediante uma colaboração destes.
Agora, em declarações àquele jornal, Van Dunem não vai tão longe, mas afirma ser determinante debater o tema, “no que respeita à criminalidade grave que tem muitas vezes reflexos a nível da economia nacional”.
Adianta, porém, que atualmente “não existe qualquer iniciativa política do governo nesta matéria”. E lembra que o tema “pelas suas implicações justifica um debate profundo e alargado e uma aturada ponderação”.
Para já, e sem alterações legislativas à vista, Van Dunem reforça que “os acordos sobre a sentença têm aplicação em ordenamentos com matriz jurídica e constitucional idêntica à nossa, como são os da Alemanha e de Itália e baseiam-se num instituto sedimentado no nosso ordenamento – a confissão, da qual já hoje se extraem consequências processuais”.
Mas delação é mais que isso, e há quatro anos, Van Dunem viu o Supremo Tribunal de Justiça determinar que os acordos que sugerira aos magistrados do distrito judicial de Lisboa não tinham base legal. A verdade é que a colaboração premiada é discutível e divide opiniões em Portugal.
Amadeu Guerra é a favor
O diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que investiga casos de grande criminalidade económica e financeira como os que envolvem José Sócrates e Ricardo Salgado já deixou clara a sua posição. Em dezembro, o procurador Amadeu Guerra considerou importante premiar denunciantes que estiveram envolvidos em casos de corrupção e ou outros crimes de natureza económico-financeira. A delação premiada tem sido utilizada nas investigações aos grandes casos de corrupção no Brasil, tendo sido, segundo o MP daquele país, alcançados resultados muito positivos.
Na entrevista à RTP, Amadeu Guerra também não fechou a porta a uma solução idêntica para Portugal: “O problema de Portugal não é o de falta de lei, podemos melhorar apenas os aspetos premiais relativamente às pessoas que denunciam e que são participantes de atos corruptivos”.
Carlos Alexandre diz que se resolveriam vários dossiês
Na sua última entrevista, à SIC, o juiz que assinou o mandado de detenção de José Sócrates, Ricardo Salgado e de Duarte Lima explicou por que motivo considera que seria importante existir delação em Portugal.
Segundo o magistrado, esse instituto trazia “muitas pessoas que hoje em dia ficam alheadas para contribuir para o esclarecimento de determinados dossiês em Portugal”.
Sempre falando do exemplo da Operação Lava Jato, no Brasil, o superjuiz disse mesmo que o sucesso das investigações naquele país não teria sido o mesmo caso não houvesse a possibilidade de colaboração premiada.
Em Portugal não se premeia? Sim, quem colabora com a Justiça em Portugal pode ver a sua pena atenuada, mas só em fase de julgamento. Em declarações ao semanário “SOL”, o procurador Rui Cardoso explicou como funciona: “O que acontece em Portugal é que, se o arguido confessar um crime em julgamento, pode beneficiar de uma atenuação de pena. Mas devia começar-se a estudar um regime que pense também nos casos em que o arguido colabora na investigação”.
E é a essa colaboração que começa na investigação que se chama, por influência do Brasil, delação premiada.
Ainda assim, em Portugal já se verifica uma grande aproximação à delação premiada nos crimes de branqueamento de capitais e de terrorismo – em que se prevê uma atenuação de pena para os arguidos que colaborem com a investigação criminal. No caso do terrorismo, o arguido pode mesmo ser dispensado de pena se, por exemplo, abandonar a organização a que pertence.
Já para quem esteve envolvido em atos de corrupção e recebimento indevido de vantagem, o arrependimento só serve para atenuar a pena caso ainda não tenha sido iniciada qualquer investigação – ou seja, se o crime for descoberto através da denúncia de algum elemento dos que o praticaram (o que é raro acontecer nestes crimes).
José Bonifácio Ramos, antigo membro do Conselho Superior do Ministério Público, reforçou àquele semanário a importância da delação: “No combate a certos crimes, não pode haver tibieza nos meios a utilizar”.
Recomendação da ONU
Os juristas que defendem a introdução da colaboração premiada em fase de inquérito invocam o artigo 37.º da Convenção das Nações Unidas, de 2003: “Cada Estado-parte considerará a possibilidade de prever, em casos apropriados, a mitigação de pena de toda a pessoa acusada que preste cooperação substancial à investigação ou ao indiciamento dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção”.
Os argumentos do contra
Entre os que discordam de instrumentos como a delação premiada estão diversos juristas que argumentam que essa seria a melhor forma de o Ministério Público não ter de investigar nada.
Ao i, vários advogados explicaram que nunca concordarão com a colaboração premiada, uma vez que esta é abusiva e incentiva uma das partes a revelar conversas e situações que aconteceram com base na confidencialidade.
Outro dos argumentos é o da possibilidade de delações falsas por parte de alguns arguidos apenas para verem a sua pena reduzida.
* Já aqui afirmámos várias vezes o nosso respeito pela ministra da Justiça, respeitar não significa concordar com tudo e desta feita estamos contra.
Nascemos e crescemos no tempo em que a PIDE era o terror institucionalizado, conhecemos algumas vítimas, em África vimos agentes da DGS agrafarem orelhas a crianças para os pais confessarem coisas que não sabiam, a delação é sórdida, não serve a justiça e a justiça pode servir-se dela para inventar crueldades. Portugal não pode ser um país de bufos.
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